Inquérito chama de ‘legítimo’ uso de gás lacrimogêneo para expulsar indígenas do gramado do Congresso


Investigação foi aberta para tentar encontrar responsáveis por invasão do espaço. Ação da Polícia Legislativa feriu deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG). Confusão em frente ao Congresso Nacional
A Polícia Legislativa da Câmara dos Deputados chamou de “legítimo” o uso de gás lacrimogêneo contra indígenas que invadiram o gramado do Congresso Nacional em 10 de abril.
A situação aconteceu quando os cidadãos reunidos no acampamento Terra Livre — a maior mobilização indígena do país — saíram do acampamento e fizeram uma marcha na Esplanada.
Ao chegar em frente à Câmara dos Deputados, alguns participantes do ato avançaram e derrubaram grades de proteção que cercam o prédio.
VÍDEO: polícia usa gás lacrimogênio para conter confusão durante marcha indígena em Brasília
“A atuação das forças de segurança, em especial da Polícia Legislativa, foi legítima e pautada no cumprimento do PAI [Protocolo de Ações Integradas]. Diante da invasão do gramado do Congresso Nacional e da desobediência às determinações estabelecidas, foi necessário o uso de meios de dispersão para garantir a segurança do local e das pessoas”, apontou o relatório.
Indígenas caminham em direção ao Congresso Nacional, em Brasília, em protesto contra marco temporal para demarcação de terras
Carolina Cruz/ G1
Por conta do caso, a Polícia Legislativa abriu um termo circunstanciado para apurar possível “desobediência a decisão judicial sobre perda ou suspensão de direitos”, uma vez que o grupo indígena não tinha autorização para ir até o gramado.
Mas, como não conseguiu identificar autores, pediu para que o Ministério Público Federal (MPF) arquive o caso.
“Reitera-se a dificuldade em individualizar as condutas dos manifestantes invasores e identificar a autoria delitiva devido à falta de nitidez das imagens disponíveis”, justificou o inquérito para pedir o arquivamento.
De acordo com o Protocolo de Ações Integradas (PAI), assinado pelos organizadores e forças de segurança distritais, federais, do Legislativo e do Judiciário, ficou acordado que o grupo indígena ficaria limitado a avenida José Sarney, a quase 300 metros do espelho d’água do Congresso Nacional.
O documento ainda aponta que o local deveria ser gradeado pela Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal. No entanto, imagens das câmeras de segurança do Congresso mostram que os equipamentos não foram instalados.
“Haverá instalação de GRADIS DUPLOS NA AVENIDA JOSÉ SARNEY , sob responsabilidade da SSP, cuja montagem deve ser iniciada e concluída na noite 05/04/2025, com disposição de quantitativo sobressalente (de gradis) no gramado adjacente às Vias S1 e N1, a fim de serem instalados quando do fechamento das Vias S1 e N1 no prolongamento da Avenida José Sarney, nos casos em que forem necessárias ações de intervenção de trânsito, impedindo acesso ao gramado defronte o Congresso Nacional”, apontou o documento.
Além disso, o protocolo definiu que a Polícia Militar faria o acompanhamento da marcha do começo ao fim, justamente para evitar qualquer intercorrência.
Mas, um agente da Polícia Legislativa da Câmara — que estava acompanhando a manifestação pelo circuito fechado de televisão — afirmou que o grupo não enfrentou resistência quando caminhou em direção ao gramado do Congresso.
“O deslocamento do grupo indígena foi acompanhado o tempo todo pela Polícia Militar, que fez um cordão de isolamento junto ao grupo para auxiliar o deslocamento ao longo da Via S1”, relatou o profissional.
“Ao chegar próximo ao Ministério da Saúde, parte do grupo indígena entrou na Rua das Bandeiras acompanhando o carro de som que conduzia a manifestação. No entanto, uma parte significativa continuou reto pela Via S1 vindo direto para a entrada do gramado do Congresso Nacional, sem nenhuma pausa no deslocamento”, prosseguiu o agente.
Pessoas passam mal durante chegada no Congresso Nacional
Relembre o que aconteceu
À época, cerca de 8 mil indígenas, de várias etnias, participavam do acampamento Terra Livre em Brasília, segundo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
Por volta de 18h30, um grupo de indígenas passou as grades de proteção que cercam o Congresso Nacional e desceu o gramado em direção ao espelho d’água.
No depoimento prestado à polícia legislativa, a deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG) justificou que o grupo se movimentou naquela direção porque fez esse mesmo trajeto, nas edições anteriores, para encerrar o evento.
Deputada é atingida por gás de pimenta durante ato de indígenas em frente ao Congresso
“Em caminhada com sua assessoria e seus parentes, avançaram no sentido do gramado do Congresso Nacional […] para realizar um canto de encerramento do evento”, disse Xakriabá em depoimento.
Entretanto, para conter o avanço, a Polícia Legislativa atirou projéteis com gás lacrimogêneo contra o grupo. Quem estava no local passou mal, com falta de ar, ardência nos olhos e nariz. Uma delas foi a deputada federal Xakriabá.
No relatório final, a Polícia Legislativa justificou que a reação tida pelos policiais foi “legítima” e para conter a “desobediência às determinações estabelecidas” pelo PAI.
“Tal violação exigiu resposta imediata e cautelar das forças de segurança, que atuaram de forma proporcional, dentro dos parâmetros legais e com o emprego de meios de menor potencial ofensivo”, aponta o relatório.
Histórico de conflitos
Um dos pontos argumentados pela Polícia Legislativa para o uso de gás lacrimogêneo contra os indígenas foi o histórico de conflitos ao longo dos anos.
Entre 2013 e a ação de abril, o inquérito elencou dez tentativas de “invasão” ao Congresso Nacional.
16 de abril de 2013: Invasão do Plenário Ulysses Guimarães.
27 de maio de 2014: Invasão da Cúpula pela rampa.
02 de outubro de 2013: Tentativa de invasão do Anexo I.
16 de dezembro de 2014: Tentativa de invasão do Anexo III (com vários policiais feridos).
16 de dezembro de 2015: Invasão da Cúpula.
25 de abril de 2017: Invasão da Chapelaria e tentativa de invasão do prédio do Congresso Nacional.
18 de outubro de 2017: Tentativa de invasão do Anexo III da Câmara.
22 de junho de 2021: Tentativa de invasão dos Anexos II/III.
08 de junho de 2021: Invasão da Cúpula pela rampa.
10 de abril de 2025: Invasão do gramadão e tentativa de invasão ao Congresso Nacional durante marcha do ATL 2025
“O escopo foi de restabelecer a ordem e evitar o confronto físico direto, reduzindo significativamente o risco aos envolvidos. A atuação dos policiais seguiu, rigorosamente, os princípios estabelecidos pelo Decreto nº 12.341/2024, especialmente, os da legalidade, necessidade, proporcionalidade, razoabilidade e precaução, que orientam o uso da força em operações policiais”, concluiu o inquérito.
Bookmark the permalink.