INSS liberou quase 34,5 mil descontos não autorizados por aposentados ‘em lote’; prática pode ajudar a explicar boom de fraudes


Auditoria verificou que 98,3% dos mais de 35 mil descontos autorizados de uma só vez não tinham a anuência do aposentado. INSS recomendou, ainda em 2024, interrupção da prática. O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) desbloqueou, em um único ato, descontos não autorizados nas folhas de pagamento de quase 34,5 mil aposentados.
O desbloqueio “em lote” foi feito em favor da Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura), em outubro de 2023. A informação consta em um dos relatórios que baseou a operação da última semana contra fraudes nesse tipo de desconto.
Segundo auditoria interna do próprio INSS, a entidade fez várias solicitações anteriores ao instituto para desbloquear o “lote” de descontos – e reclamou da demora no atendimento da demanda.
A auditoria do INSS diz, no entanto, que apenas 213 aposentados desse lote tinham, de fato, assinado requerimentos autorizando a operação.
Ou seja: de uma vez, o INSS autorizou a Contag a descontar mensalidades de 34.487 aposentados que não haviam assinado nada – 98,3% dos 35.058 incluídos no lote.
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O simples fato de não haver assinaturas autorizando esses descontos, em si, já é uma irregularidade. Ainda que os beneficiários tivessem o desejo de contribuir com essas entidades, o regulamento prevê que haja uma autorização expressa.
No documento, a auditoria interna recomenda que o INSS cesse o desbloqueio em lote das assinaturas.
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Segundo as atas obtidas pelo Jornal Nacional, o tema das fraudes foi apresentado em 2023, mas o INSS só começou a agir dez meses depois da reunião.
Reprodução
‘Explosão’ de descontos
A “liberação em lote” é uma das suspeitas dos investigadores para explicar o aumento vertiginoso dos descontos indevidos a partir de 2023.
Esse aumento é visível em dados tabelados pelo g1 com base no Portal da Transparência do governo federal.
Considerando todas as entidades associativas que descontam mensalidades de aposentados e pensionistas do INSS – as 11 citadas pela PF e as demais –, os números são:
2023: R$ 1,64 bilhão descontado
2024: R$ 3,39 bilhões descontados (alta de 106,1%);
2025 (janeiro a março): R$ 906,19 milhões.
Considerando apenas o primeiro trimestre de 2024 – ano de maior recolhimento até aqui –, as entidades descontaram R$ 776,44 milhões das aposentadorias e pensões.
Os descontos no mesmo período deste ano foram 14,31% maiores.
Após a operação da Polícia Federal na última semana, o governo interrompeu todos os descontos até o fim das investigações.
Os números se referem ao desconto total nas folhas do INSS – tanto os autorizados quanto os não autorizados. Até esta segunda-feira (28), os órgãos de investigação ainda não sabiam dizer qual o tamanho da fraude.
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Contag está no Conselho Nacional da Previdência
O presidente da Contag, Aristides Veras dos Santos, é um dos conselheiros do Conselho Nacional da Previdência Social (CNPS) – órgão presidido pelo ministro da Previdência, Carlos Lupi.
Em reunião do CNPS nesta segunda, Lupi admitiu a demora na investigação e na interrupção dos descontos irregulares.
“Em junho de 2023, se começou, dentro do INSS, uma autarquia independente, a se fazer a verificação de todas as denúncias apresentadas, que não era a primeira vez, o 135 [Central do INSS] recebe toda hora uma denúncia, de alguém que se sente enganado, de alguém que diz que não autorizou, não só associativista, mas também de consignado”, afirmou Lupi.
“Eu pedi à época, instruí, para que o INSS, que é a instituição responsável pela ação dessa política pública, começasse a apurar essas denúncias apresentadas. Levou-se tempo demais”, completou o ministro.
Representantes da Contag tiveram 9 reuniões com Lupi ou com o presidente exonerado do INSS, Alessandro Stefanutto. Seis delas ocorreram em 2023, ano em que a entidade pedia o desbloqueio em lote.
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