Justiça determina que capitão da PM-BA suspeito de participar de esquema de tráfico de armas para facções volte a ser solto


Mauro Grunfeld foi preso em julho de 2024, alvo da Operação ‘Fogo Amigo’. Justiça Federal determina que capitão da PM-BA suspeito de participar de esquema de tráfico de armas para facções volte a ser solto
A Justiça Federal determinou que o capitão da Polícia Militar, Mauro Grunfeld, suspeito de participar de um esquema de compra e venda de armas que abastecia facções criminosas na Bahia, volte a ser solto.
A decisão foi assinada pelo juiz Ali Mazloum, da 7ª Vara Criminal de São Paulo, na sexta-feira (2), mas Mauro Grunfeld ainda não tinha deixado a prisão até o início da tarde desta terça (6).
O magistrado entendeu que há não mais riscos para o capitão da PM atrapalhar as investigações ou destruir provas, já que a maior parte dos elementos já foi colhida, inclusive por meio de cooperação internacional.
O juiz também considerou que a prisão preventiva deve ser uma medida excepcional e que, neste caso, pode ser substituída por outras restrições.
Com a medida, a prisão de Mauro Grunfeld foi substituída por medidas cautelares como a entrega do passaporte, proibição de contato com outros investigados e obrigação de comparecimento regular à Justiça.
Cronologia dos fatos
Grunfeld foi preso em maio durante a “Operação Fogo Amigo”, em 2024, que revelou a existência de uma organização criminosa composta por policiais militares, CACs (Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador), lojistas e civis suspeitos de comercializar armas e munições ilegais com facções da Bahia e de outros estados.
Em reportagem especial publicada pelo g1 e pelo Bahia Meio Dia, programa da TV Bahia, no dia 18 de julho de 2024, foi revelado, com exclusividade, interceptações telefônicas da Polícia Federal e do Ministério Público que apontaram a participação direta do capitão nas negociações.
Horas antes da publicação da reportagem, Grunfeld havia sido solto pela primeira vez por decisão do juiz Eduardo Ferreira Padilha, da 1ª Vara Criminal de Juazeiro. Na ocasião, a Justiça entendeu que o policial tinha bons antecedentes e poderia responder ao processo em liberdade, ainda que o Ministério Público tivesse se manifestado contra.
No entanto, no dia seguinte, ele voltou a ser preso por força de outro mandado de prisão preventiva.
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Mauro Grunfeld foi preso novamente no âmbito da Operação Fogo Amigo
Reprodução/Redes sociais
O que aconteceu
Grunfeld é ex-subcomandante da 41ª Companhia Independente (CIPM/Federação-Garcia). Ele foi condecorado pela corporação como “policial militar padrão do ano de 2023” pelo “fiel desempenho nos serviços prestados”.
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A suposta participação do capitão Mauro Grunfeld no esquema de compra e venda de armas que abastecia facções criminosas na Bahia foi revelada por meio de conversas em aplicativos de mensagens.
O capitão nega as acusações. A defesa dele diz que as armas eram compradas para uso pessoal. [Veja os detalhes ao final do texto]
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De acordo com a apuração conduzida pelo Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco), de Investigações Criminais Norte e das Promotorias Criminais da Comarca de Juazeiro, o capitão era um “contumaz negociador de armas e munições”. Grunfeld foi descrito como o principal remetente de dinheiro para Gleybson Calado do Nascimento, também policial militar da Bahia e apontado como um dos maiores operadores do esquema que movimentou quase R$ 10 milhões entre 2021 e 2023.
Um documento sigiloso, obtido pela TV Bahia, apontou que entre 18 de fevereiro de 2021 e 13 de fevereiro de 2022, o capitão transferiu R$ 87.330,00 para Nascimento.
Confira algumas transações:
Em 26 de setembro de 2023, por exemplo, Grunfeld teria negociado com Gleybson. “Manda o pix”, escreveu o capitão, se referindo à chave necessária para a transferência e questionando também o valor.
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Imagem retirada do dossiê da investigação da PF e MP-BA.
Em 29 de setembro do ano passado, outra conversa mostrou que Grunfeld também era vendedor. “Apareceu pedido de 5 cartelas de 7.65”, enviou o policial. Ele se referia ao tipo de cartucho para uma pistola.
Conversas interceptadas mostram atuação de capitão da PM-BA em esquema de tráfico de armas.
Imagem retirada do dossiê da investigação da PF e MP-BA.
Em 1º de outubro de 2023, uma nova conversa mostra Gleybson oferecendo um revólver a Grunfeld por R$ 4,5 mil.
Conversas interceptadas mostram atuação de capitão da PM-BA em esquema de tráfico de armas
Imagem retirada do dossiê da investigação da PF e MP-BA.
A investigação também apontou que essas armas e munições tinham destino específico: “criminosos faccionados que atuam no Bairro do Calabar, em Salvador”. As negociações seriam intermediadas por traficantes de drogas.
Diante desses indícios, Grunfeld foi alvo de mandados de prisão preventiva e busca e apreensão — na Academia da Polícia Militar, na Boa Viagem, e na residência dele, no bairro da Graça, ambos endereços em Salvador. Porém, os agentes encontraram uma pistola sem o devido registro na casa e realizaram a prisão em flagrante.
O capitão alegou que a arma foi adquirida de um policial civil e que a propriedade seria de outra agente, mas disse não saber informar nome ou lotação da servidora. Ele argumentou também que fez a compra porque precisava de defesa pessoal e policiais militares estariam com “dificuldades burocráticas” para obter o artefato.
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Esquema de compra e venda de armas
Operação da Polícia Federal mira quadrilha especializada na venda ilegal de armas no Nordeste.
Divulgação/PF
A operação que além de Grunfeld, prendeu outras 18 pessoas, dentre elas 10 militares, foi deflagrada em 21 de maio de 2024.
Os mandados foram cumpridos em Arapiraca, no estado de Alagoas; em Petrolina, no estado de Pernambuco; e em Juazeiro, Salvador, Santo Antônio de Jesus, Porto Seguro e Lauro de Freitas, na Bahia.
De acordo com a Polícia Federal, o modus operandi do grupo consistia em reter armamentos apreendidos em operações policiais. Ao invés de apresentar o material na delegacia, os suspeitos revendiam essas armas para organizações criminais.
Já a obtenção de armas novas era feita por meio de laranjas. Os investigados pagavam pessoas sem instrução, geralmente da zona rural das cidades e sem antecedentes criminais, para tirar o Certificado de Registo do Exército (CR) — necessário para obtenção do CAC.
Eles custeavam todo o processo para o laranja conseguir o documento. Garantido o registro, a pessoa comprava o artefato em lojas especializadas, também ligadas ao esquema, depois registrava um boletim de ocorrência por furto e dava a arma como extraviada para que não fosse conectada ao comprador final. Se por alguma razão, esse procedimento não fosse feito, o número de série era raspado ou refeito.
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Salário de R$ 8 mil e ostentação nas redes sociais
Capitão da PM exibia fotos em iates, passeios em restaurantes caros e viagens.
Reprodução/Redes sociais
Na época, oficial da PM há 17 anos, o capitão informou que recebia salário fixo de R$ 8 mil. Como bens, declarou apenas ser proprietário de um apartamento, estimado em R$ 700 mil, e possuir R$ 20 mil no banco, em conta poupança.
Seu estilo de vida, no entanto, era luxuoso. Nas redes sociais, o capitão da PM exibia fotos em iates, passeios em restaurantes caros e viagens a destinos turísticos badalados, como a Ilha de San Andrés, na Colômbia.
Investigação por homicídio doloso
Mauro Grunfeld é oficial da PM há 17 anos.
Reprodução/Redes sociais
Mauro Grunfeld também é alvo ainda de um inquérito por homicídio doloso durante o exercício da função como policial militar. O caso é de 10 de abril de 2013, quando ele era tenente e comandante de uma guarnição da Ceto (Companhia de Emprego Tático Operacional) em atuação no município de Santa Cruz Cabrália.
O registro da ocorrência diz que Grunfeld e outros quatro soldados faziam ronda noturna na Rua A, no bairro 5º Centenário — local descrito como sede de “intenso tráfico de drogas”. Ao se aproximar da área, a guarnição teria sido “recebida a tiros por cerca de quatro a cinco indivíduos, sendo forçada a usar da força necessária, revidando os tiros”.
Um deles seria um jovem de 18 anos, atingido com pelo menos quatro tiros. A corporação o encaminhou para uma unidade de saúde, mas o rapaz já chegou sem vida.
Em depoimentos, a família negou que o rapaz tivesse envolvimento com o crime. O irmão mais novo da vítima, que viu o jovem ser baleado, defendeu que ele teria corrido apenas por medo do tiroteio.
A Polícia Civil concluiu o inquérito sem pedir o indiciamento dos militares. A instituição remeteu o processo ao Ministério Público da Bahia, tratando o caso como “homicídio privilegiado” — termo usado para situações em que o autor age sob forte emoção ou provocado pela vítima. Esses casos não preveem uma tipificação diferente do crime, mas implicam redução de pena.
Com a Justiça, o processo não avançou muito. Ainda em 2013, o MP-BA apontou “a precariedade e a pobreza dos (pouquíssimos) elementos de convicção colhidos e acostados aos autos do inquérito policial”. Os promotores pediram uma série de providências, como novo exame no local do fato, juntada de fotografias do cadáver e esclarecimentos sobre os disparos que atingiram a vítima.
Dez anos depois, o MP-BA reforçou a cobrança, mas não há registro de que a Delegacia de Santa Cruz Cabrália tenha retomado a investigação até o momento. O g1 e a TV Bahia fizeram questionamentos à Polícia Civil, que não retornou o contato.
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