O incompreensível Oriente Médio

Campo de refugiados em Jenin, na CisjordâniaUNRWA/Tareq Shalash

A rotina dos israelenses desde o início da atual guerra é: todo dia abrimos os jornais, os podcasts, o noticiário no rádio e na TV ou, pior, as mídias sociais – e levamos um tremendo susto. Sempre há algo inacreditável, inexplicável ou incompreensível acontecendo no Oriente Médio. Nessa hora, dá uma certa inveja daqueles países em que a monotonia é quase uma marca registrada e mudanças importantes ocorrem lentamente, quando ocorrem, uma vez que aqui é tudo rápido, emergencial, sem processo. Você acorda e, pa-pum, já aconteceu.

Vou citar só três entre os muitos acontecimentos que nos surpreenderam nesta semana.

1. O presidente francês Emmanuel Macron recebeu em Paris o autointitulado líder sírio Ahmed al-Sharaa – mais conhecido em Israel por seu “nome de guerra”, al-Jolani, do qual ele está inutilmente tentando se desvencilhar. Foi a primeira visita à Europa deste novo personagem político, que é ex-membro do Al Qaeda (grupo terrorista hardcore que, depois de realizar o pior atentado da história em Nova York, horrorizou o mundo ao gravar vídeos nos quais decepava a cabeça de reféns estrangeiros) e liderou o exército rebelde que expulsou o brutal ditador sírio Bashar al-Assad.

Al-Jolani cortou a longa barba e trocou o uniforme militar por terno e gravata, mas não está conseguindo (e nem se está tentando) proteger as minorias locais e unificar seu país, como prometido. Ele tem observado com certo distanciamento o desenrolar de dias sangrentos em seu país, com o massacre de centenas de pessoas em função de sua etnia e religião: primeiro houve um ataque brutal aos cristãos alawitas, que foram literalmente caçados pelas ruas e assassinados; mais recentemente, os drusos foram o alvo. Macron não apenas recebeu al-Jolani com distinção como também pediu publicamente pressa à Europa e aos Estados Unidos na suspensão das sanções econômicas impostas à Síria. Interessante assistir, mais uma vez, a um líder global pleiteando apoio a um país conturbado cujo governo maltrata (para dizer o mínimo) sua população sem pedir nenhuma contraparte.

Foto recente de al-Jolani, antes de criar uma versão ocidental de si mesmoMídia Social

2. No domingo passado, um míssil balístico lançado pelos Houthis – grupo terrorista baseado no Iêmen e financiado pelo Irã – contra Israel atingiu uma área periférica do Aeroporto Ben Gurion. O resultado foi, além do susto e de seis pessoas feridas, uma nova debandada de companhias aéreas internacionais, que cancelaram seus voos de e para o país. A resposta veio em seguida, com um ataque aéreo coordenado entre Israel e Estados Unidos que destruiu o aeroporto internacional de Sanaa (capital) e outros 1.000 alvos, entre eles fábricas de cimento e portos. Uma surpresa não tardou a chegar, com Donald Trump anunciando um acordo de cessar-fogo entre EUA e os Houthis que, no entanto, não inclui Israel. O grupo, que afirma atacar Israel em “apoio a Gaza” (apesar de estar a 2 mil km de distância daqui e ter bem mais problemas internos com os quais lidar do que se pode imaginar), provocou enormes prejuízos ao atacar embarcações americanas no Mar Vermelho – o único tema negociado por Trump. Em Israel, a sensação predominante é de abandono. Eu, no entanto, prefiro acreditar que haja algo que não conseguimos enxergar por trás dessa decisão. Enquanto isso, os Houthis já lançaram novos mísseis e drones contra Israel.

3. Existem hoje 59 reféns ainda prisioneiros em Gaza; 24 deles vivos. Pelo menos era nisso que o público israelense acreditava até essa semana, quando Donald Trump – e não o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu – veio a público dizer que hoje há, na verdade, apenas 21 reféns sobreviventes em Gaza. Sem entrar no aspecto do desrespeitoso tratamento das famílias dos reféns, as quais deveriam ter acesso ilimitado a informações sobre os seus providos diretamente do governo israelense, minha pergunta é: como é possível que uma notícia dessa – a de que mais três homens jovens, que conseguiram sobreviver a 1,5 anos de cativeiro grotesco e agora estão mortos – não provoca uma única mobilização séria pelo mundo, seja civil, seja governamental? Desde quando tornou-se legítimo que um grupo terrorista que governa um território com 2 milhões de cidadãos invada um país vizinho, sequestre civis e os assassine em cativeiro?

Os 24 reféns que ainda estariam vivos em Gaza.Hostages Families Forum

A essa pergunta eu respondo: desde o dia 7 de outubro de 2023, quando 6 mil palestinos, civis e combatentes do Hamas, invadiram Israel, assassinaram 1.200 pessoas, destruíram comunidades inteiras e sequestraram 251 pessoas. Um acontecimento do qual, tudo indica, muitos optaram por esquecer.

Esses são apenas alguns acontecimentos que revelam o quanto o Oriente Médio continua desafiando não apenas a lógica, mas também qualquer capacidade de previsão do futuro. Para quem vive aqui, já nem se trata de buscar sentido: estamos focados em reunir forças para seguir em frente, um susto de cada vez.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal iG

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