Entenda o ‘acordo’ que levou Celsinho da Vila Vintém de volta à cadeia


O acordo triplo entre uma pequena milícia de Curicica, o Comando Vermelho (CV) e a Amigos dos Amigos (ADA) foi a base para que a maior facção criminosa do RJ buscasse retomar territórios perdidos para paramilitares na região de Santa Cruz.
Essa aliança levou Celso Luiz Rodrigues, o Celsinho da Vila Vintém — fundador da ADA e um dos traficantes há mais tempo em atividade no estado — de volta à cadeia. Ele foi preso na manhã desta quinta-feira (8) dentro da Operação Contenção, contra a expansão do CV na Zona Oeste do Rio de Janeiro.
“O Celsinho volta para o lugar de onde nunca deveria ter saído: a prisão”, declarou o secretário de Segurança Pública, Victor Santos. “Desde que saiu da cadeia, disse que era criador de porcos, mas na realidade era fachada para continuar comandando uma facção criminosa.”
Segundo as investigações, Celsinho se aliou ao Comando Vermelho (CV), com quem rompeu no passado, para retomar comunidades que foram dominadas pela milícia. Ele também fez negócios com um grupo paramilitar e “comprou” o controle da Vila Sapê, em Curicica.
A ação desta quinta-feira faz parte da Operação Contenção, uma ofensiva permanente para conter e atacar o avanço territorial do Comando Vermelho na Zona Oeste do Rio.
O principal objetivo é desarticular a estrutura financeira, logística e operacional do CV, além de prender traficantes que atuam na região. Já foi solicitado o bloqueio de mais de R$ 6 bilhões em bens e valores da facção criminosa.
Celsinho da Vila Vintém foi preso nesta quinta-feira (8)
Reprodução
O que a polícia descobriu?
A investigação começou no dia 26 de fevereiro, com a prisão em flagrante de 8 traficantes armados na Vila Sapê, em Curicica, Zona Oeste.
Os homens contaram terem sido enviados da Vila Vintém por Celsinho para tomar o controle da localidade, até então dominada pela milícia de André Costa Bastos, o Boto.
Segundo os relatos, Boto, mesmo preso em presídio federal, negociou a “venda” da Vila Sapê para Celsinho, que imediatamente enviou tropas armadas da ADA para ocupar a área e iniciar a venda de drogas. Essa ocupação ocorreu sem resistência, o que chamou a atenção da inteligência da Polícia Civil e revelou uma aliança criminosa inédita entre milícia e tráfico.
A investigação evoluiu e identificou que, além do acordo com Boto, Celsinho também firmou um pacto com Edgar Alves de Andrade, o Doca (ou Urso), chefe do Comando Vermelho (CV), facção rival histórica da ADA.
“Existia uma aliança estratégica entre o Celsinho, o Boto e o Doca para tomarem outras áreas da Zona Oeste. Com essa aliança, eles buscam atuar em áreas do ADA que passam despercebidas, mas estão fortalecidas”, disse o secretário de Polícia Civil, Felipe Curi.
Esse acordo entre ADA, milícia e CV visava a consolidar o domínio da região de Curicica e adjacências com estabilidade, sem confrontos, e previa inclusive ações armadas conjuntas, como a execução do miliciano dissidente Fábio Taca Bala, morto por traficantes do CV a mando do alto comando, por se opor à entrada da ADA.
Com base nos depoimentos de traficantes presos, provas técnicas, movimentações prisionais e interceptações, o inquérito concluiu que Celsinho, Doca e Boto estavam no comando de uma associação criminosa voltada à exploração do tráfico de drogas em áreas estratégicas da Zona Oeste, utilizando armamento pesado, coação a moradores, homicídios e divisão territorial previamente pactuada.
“É um absurdo, um traficante que dizia que estava reintegrado, e que na verdade estava se articulando com facções criminosas. Não podemos permitir. Preso faccionado não pode ter nenhum direito — tem que cumprir a pena integralmente fechado. Sejam presos do CV, ADA, TCP ou milicianos. Eles não podem ter benefícios, porque a polícia terá que fazer um retrabalho”, emendou Curi.
“Temos declarações de pessoas de facções diferentes e temos conhecimento que eles se uniram para traficar drogas — esses entorpecentes ostentavam símbolos dos amigos dos amigos — e isso causou estranheza em áreas de milícia”, detalhou o delegado Marcus Buss, da 32ª DP (Taquara).
Quem é Celsinho?
Condenado por tráfico de drogas, roubo e organização de quadrilha, Celsinho foi preso pela 1ª vez em 1990. Em 1996, foi novamente encarcerado, mas acabou fugindo em 1998, vestido de policial militar, quando estava no Hospital Penitenciário Fábio Macedo Soares.
Em 2002, foi recapturado. Ao jornal O Globo, Celsinho afirmou: “Eu sou traficante. Vivo do tráfico. Sou bandido. Mas eu sou um cara devagar, não dou tiro na polícia. Eu fujo da polícia. Compro meu pozinho, minha maconha e vendo.”
O traficante disse ainda faturar à época “uns R$ 50 mil por semana”. “Mas tenho que pagar muitas coisas. Sobram só dez milzinhos por semana. Mando só na Vila Vintém e no Curral das Éguas [comunidades da Zona Oeste]”, contou.
Boa parte desses 20 anos na cadeia foi no Presídio Federal de Porto Velho, em Rondônia. Celsinho retornou ao Rio em 2017, em transferência para o Complexo Penitenciário de Gericinó, onde estava até outubro de 2022, quando foi solto.
Pesava contra Celsinho a acusação de ter tramado e comandado a invasão à Rocinha em 2017. Mas a participação dele na ação foi posta em dúvida depois que o Ministério Público do Rio de Janeiro levantou indícios de armação.
Diante dessa suspeita, a desembargadora Suimei Meira Cavalieri, da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio, concedeu um alvará de soltura.
Celsinho da Vila Vintém foi preso nesta quinta-feira (8)
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