Fraude no INSS: R$ 298 milhões serão devolvidos aos aposentados

Governo bloqueou R$ 2,5 bilhões em bens de entidades envolvidas na fraude para garantir ressarcimento de mensalidades associativas anteriores a abril deste anoFabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) vai devolver aos aposentados e pensionistas vítimas dos descontos indevidos, identificados após investigação da Polícia Federal (PF) e da Controladoria-Geral da União (CGU), os valores abatidos de seus benefícios. A partir de 26 de maio, ao todo, R$ 298 milhões deverão ser ressarcidos, segundo informou o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB).

O valor é referente às mensalidades associativas de abril, descontadas das folhas de pagamento de benefícios de aposentados e pensionistas, mesmo após o INSS determinar o bloqueio desses descontos. 

Conforme a instituição, todos os beneficiários que sofreram descontos entre abril e o início de maio, independentemente destes terem sido autorizados ou não, receberão os valores de volta até 6 de junho, com seus benefícios. A partir deste mês, novas cobranças de mensalidades associativas não serão realizadas, isso porque esses pagamentos foram suspensos em razão da investigação em curso pela PF e CGU. 

“Isso começou lá atrás e vai terminar agora. Já foi totalmente suspenso, não vai ter nenhum desconto. No próximo pagamento de aposentados e pensionistas, vão ser devolvidos R$ 298 milhões, porque não deu tempo de brecar, vai ser interrompido no próximo pagamento”, garantiu Alckmin, durante a 5ª Feira Nacional da Reforma Agrária, organizada pelo Movimento Sem Terra (MST), neste final de semana, em São Paulo.

Ressarcimento das mensalidades retroativas

Além do valor que será devolvido, referente à mensalidade de abril, será ressarcido às vítimas da fraude as deduções de meses anteriores. A partir desta terça-feira (13), o INSS vai começar a notificar os aposentados e pensionistas sobre as deduções referentes a mensalidades de associações e sindicatos. 

Cerca de nove milhões de beneficiários receberão informações sobre esses descontos e, com isso, poderão contestar os valores subtraídos de seus benefícios. A notificação será enviada pelo aplicativo Meu INSS e pela central de atendimento 135, onde os aposentados e pensionistas conseguirão consultar qual associação realizou o desconto, o valor cobrado e o período correspondente.

“O cidadão vai abrir estes canais, clicar e ver que teve um desconto por uma associação e o valor descontado. Olhando esse dado, ele vai poder identificar se realmente foi associado e autorizou a dedução do valor, ou se não foi associado, não reconhece o vínculo associativo, e não concorda com o desconto” explicou o presidente do INSS, Gilberto Waller, reforçando a orientação para que o contato seja feito diretamente pelos canais oficiais, sem intermediários.

Caso o cidadão não reconheça o desconto, deverá informar, por meio do aplicativo ou do 135, que não autorizou a dedução da mensalidade associativa. “O cidadão não vai precisar preencher nada. Ele simplesmente vai clicar, no aplicativo Meu INSS, e informar: este desconto eu não reconheço”, reforçou Waller.

A partir disso, o INSS vai notificar a entidade para qual o valor foi repassado. As associações terão 15 dias úteis para apresentar documentos que comprovem a autorização dos descontos. Caso não consigam, deverão devolver os valores ao INSS, que fará o repasse aos beneficiários por meio de folha suplementar. “As que não o fizerem, nós encaminharemos para a AGU, demonstrando o débito para que sejam tomadas as medidas cabíveis”, acrescentou o presidente do Instituto.

Conforme informou Waller, só ao fim deste processo de averiguação o INSS saberá quantos aposentados e pensionistas foram, de fato, lesados pelo esquema. Para garantir, ao menos, uma primeira leva de ressarcimento aos prejudicados, a Advocacia-Geral da União (AGU) pediu, por meio de ação cautelar de urgência, o bloqueio de R$ 2,5 bilhões em bens móveis e imóveis de 12 entidades e empresas envolvidas na fraude.

Essa ação proposta pela AGU é uma cautelar preparatória para o ajuizamento de uma Ação Civil Pública de Responsabilidade por violação da Lei n. 12.846/2013, a Lei Anticorrupção. “Estamos adotando providências acautelatórias para proteger o patrimônio do segurado e o patrimônio do INSS. A fraude retirou de quem menos tem o que mais precisa”, destacou o advogado-geral da União Jorge Messias. “Doa a quem doer, não ficará pedra sobre pedra neste processo”, completou.

De acordo com a AGU, o valor bloqueado representa o prejuízo mínimo estimado a partir de preliminar feito pela Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social (Dataprev). Os valores efetivamente envolvidos na fraude no INSS podem ser maiores e, por isso, o montante total deverá ser apurado no curso da ação que deverá penalizar as entidades envolvidas. 

Essas entidades são apontadas na ação cautelar de urgência, ajuizada pela AGU, como empresas de fachada, criadas com o único propósito de praticar a fraude contra os beneficiários. Todas essas 12 organizações já respondem no INSS a Processos Administrativos de Responsabilização (PAR), abertos no último dia 5 de maio, por prática de corrupção

Também foram incluídas no processo judicial outras seis empresas suspeitas de intermediarem vantagens indevidas. A investigação da PF e CGU ainda aponta que as entidades teriam feito pagamentos de vantagens a agentes públicos, usados como “laranjas”, a fim de obterem autorização para realizar os descontos indevidos. 

A notificação será enviada pelo aplicativo “Meu INSS” e pela central de atendimento 135, a partir desta terça-feira (13). Assim, os beneficiários conseguirão consultar qual associação realizou o desconto, o valor cobrado e o período correspondenteJoédson Alves/Agência Brasil

Atendimento presencial em estudo

Com o objetivo de facilitar o acesso de quem não tem familiaridade com as plataformas digitais, o governo estuda ampliar o atendimento presencial. Segundo o vice-presidente Alckmin, existe a possibilidade de que a Caixa Econômica Federal seja acionada para apoiar o processo.

“Tem pessoas que têm dificuldade, não têm internet. Então, a Caixa está estudando uma forma de ajudar presencialmente”, disse Alckmin. Segundo ele, a rede de agências da Caixa pode ser uma aliada importante para alcançar os beneficiários em todo o país.

Em nota, a Caixa afirmou que está pronta para contribuir com as iniciativas do governo. “A Caixa reafirma seu papel como principal parceira do Governo Federal. Informa que apoia e está pronta para contribuir com as iniciativas do Governo em prol da população brasileira”, assegurou o banco público. “A Caixa, braço do governo na execução de políticas públicas, conforme cita o vice-presidente, Geraldo Alckmin, vai agir de acordo com as regras estabelecidas pelo Governo Federal”, concluiu.

Calendário de pagamento do INSS 

Os valores referentes aos descontos indevidos começarão a ser devolvidos junto ao pagamento regular dos benefícios, conforme o número final do cartão (sem o dígito verificador). Veja o calendário:

Para quem recebe até um salário mínimo:

  • Final 1 – 26 de maio
  • Final 2 – 27 de maio
  • Final 3 – 28 de maio
  • Final 4 – 29 de maio
  • Final 5 – 30 de maio
  • Final 6 – 2 de junho
  • Final 7 – 3 de junho
  • Final 8 – 4 de junho
  • Final 9 – 5 de junho
  • Final 0 – 6 de junho

Para quem recebe acima de um salário mínimo:

  • Finais 1 e 6 – 2 de junho
  • Finais 2 e 7 – 3 de junho
  • Finais 3 e 8 – 4 de junho
  • Finais 4 e 9 – 5 de junho
  • Finais 5 e 0 – 6 de junho

O governo ainda não definiu o cronograma para ressarcir valores de descontos irregulares referentes a outros períodos. Esse calendário deverá ser estabelecido após o processo de identificação das mensalidades deduzidas sem autorização, que começa nesta terça-feira (14). 

Entenda o caso

Desde 1991, a cobrança em folha da mensalidade associativa é permitida pela Lei dos Benefícios da Previdência Social, com base em Acordos de Cooperação Técnica (ACTs) firmados entre o INSS e entidades representativas. Esses acordos autorizam o repasse, às entidades, dos valores descontados diretamente do extrato dos benefícios, desde que autorizado pelos aposentados e pensionistas.

No entanto, investigações conduzidas pela CGU apontou que esses descontos estavam sendo realizados sem a autorização prévia dos beneficiários. O caso vinha sendo apurado administrativamente, culminando na deflagração da Operação Sem Desconto em 23 de abril de 2025.

A operação resultou na exoneração imediata do presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, substituído por Waller, além do afastamento cautelar de quatro dirigentes da autarquia e de um policial federal em São Paulo. Pouco depois, o ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, também deixou o cargo, aumentando as repercussões políticas do caso. 

Em resposta à operação, o INSS suspendeu todos os acordos de cooperação com associações, sindicatos e entidades, interrompendo os descontos automáticos em folha. Só que, segundo disse Alckmin, não a suspensão não foi informada em tempo hábil para o bloqueio das deduções ainda na folha de abril e, por isso, serão devolvidos, de imediato, mais de R$ 290 milhões aos beneficiários no pagamento do próximo benefício.

Diante do cenário AGU criou um grupo especial para atuar em medidas judiciais e administrativas com o objetivo de recuperar os prejuízos, ressarcir os beneficiários lesados e implementar novas ações contra fraudes. 

Os dados apurados indicam um crescimento expressivo dos valores descontados a título de mensalidade associativa a partir de 2016, quando foram registrados R$ 413 milhões. Esse montante subiu para R$ 460 milhões em 2017, R$ 617 milhões em 2018 e R$ 604 milhões em 2019. 

Em 2020, em razão da pandemia, houve uma queda para R$ 510 milhões, mas os valores voltaram a subir em 2021, atingindo R$ 536 milhões, e continuaram crescendo em 2022 (R$ 706 milhões) e 2023 (R$ 1,2 bilhão). Em 2024, os descontos chegaram a R$ 2,8 bilhões.

Paralelamente, as reclamações ao INSS acompanharam esse ritmo de alta. Entre janeiro de 2023 e maio de 2024, o instituto recebeu mais de 1,163 milhão de pedidos de cancelamento dessas cobranças, sendo a maioria deles com a alegação de que os descontos não foram autorizados pelos beneficiários ou seus representantes legais, o que reforçou as suspeitas de irregularidades no processo.

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