Justiça de SP manda paralisar obras de churrascaria no Parque da Água Branca, sob pena de multa


Decisão judicial atende Ação Popular que alega falta de autorização do Conpresp e do Condephaat para intervenção em área tombada. Em 6 de maio, Arsesp também havia determinado a suspensão imediata das obras. Empresa e concessionária negam irregularidades. Conselheira denuncia obras ilegais de churrascaria dentro do Parque da Água Branca
A Justiça de São Paulo determinou na segunda-feira (12) a paralisação imediata das obras para instalação de uma churrascaria no Parque Estadual da Água Branca, na Zona Oeste da capital paulista.
A decisão liminar (provisória) é do juiz Marcio Ferraz Nunes, da 16ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, que analisou uma Ação Popular movida pela vereadora Luna Zarattini (PT).
Em 6 de maio, a Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp) também havia determinado a suspensão das obras.
As intervenções estavam sendo realizadas pela empresa Fazenda Churrascada, com aval da concessionária Reserva Parques, responsável pela gestão do espaço desde 2022.
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Conforme o g1 revelou, o restaurante da Fazenda Churrascada começou a ser erguido dentro do antigo estábulo da Polícia Militar do parque com a aprovação da concessionária, mas sem a autorização dos órgãos de preservação histórica da cidade e do estado.
Inaugurado em 1929, o Parque da Água Branca é tombado pelo Condephaat desde 1996 e pelo Conpresp desde 2004. Qualquer obra em suas estruturas precisa de autorização prévia desses conselhos.
Porém, no pedido de uso do espaço feito pela Fazenda Churrascada ao Conpresp, não existe nenhuma menção a obras dentro ou fora do estábulo, apenas montagem e desmontagem de equipamentos e mobiliário de restaurante, incluindo uma tenda do lado de fora. Também não houve nenhuma autorização para esse tipo de alteração do espaço à concessionária.
O juiz destacou que, em uma análise inicial, verificou a presença dos requisitos para conceder a liminar, especialmente diante das “consequências irreparáveis” que a continuidade da obra poderia causar ao “patrimônio público tombado”.
Embora já houvesse uma determinação administrativa, por parte da Arsesp, para suspender a obra, o magistrado observou que não havia confirmação dessa decisão administrativa nos autos do processo judicial. Por isso, decidiu deferir a liminar e determinar a “imediata suspensão das obras” realizadas no Parque da Água Branca para o restaurante. Está prevista a aplicação de multa em caso de descumprimento da decisão.
Por meio de nota enviada após a decisão da Arsesp, a empresa Reserva Parques – concessionária que cuida do Água Branca desde setembro de 2022 – reafirmou que “as estruturas do evento Hípica Churrascada são temporárias, reversíveis e respeitam o valor histórico do local”.
“O protocolo de liberação do evento segue em trâmite junto aos órgãos competentes, em processo distinto das obras de conservação já licenciadas no parque, como drenagem e recuperação de estruturas. Reafirmamos o compromisso com a promoção de um ambiente harmonioso, seguro e acolhedor para todos os visitantes”, afirmou.
Já a empresa Fazenda Churrascada, dona do restaurante que começou a ser instalado dentro do parque, afirmou antes da paralisação ordenada pela Arsesp que tinha aval do Departamento de Patrimônio Histórico (DPH) para iniciar as obras da churrascaria.
“Em 20 de janeiro de 2025 a empresa ingressou com o protocolo para as instalações temporárias juntos no CONPRESP, tendo obtido parecer favorável em 19 de fevereiro de 2025 do DPH, quando, então iniciou a montagem das estruturas. Posteriormente, na reunião de Conselho de 24 de março de 2025, houve leitura de voto contrário ao deferimento expedido pela relatoria, ausente na reunião. O representante da Fazenda Churrascada fez esclarecimentos técnicos e houve conversão em diligência com expedição de Comunique-se, razão pela qual reafirmamos que o processo está em termos, sem qualquer irregularidade”, declarou.
“Em 30 de abril de 2025, após diligência houve protocolo de complementação seguindo orientação que ocorreu durante diligência do DPH, atos estes habituais em processos deste gênero”, afirmou a empresa.
Ações de deputados
Além de Zarattini, outros deputados estaduais e vereadores do PSOL e do PT também protocolaram pedidos de paralisação das obras da churrascaria.
As solicitações foram encaminhadas ao Ministério Público de São Paulo, ao Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico (Conpresp) e ao Condephaat, responsável pela preservação do patrimônio histórico estadual.
Obras realizadas na área da antiga área de estábulos do Parque da Água Branca, na Zona Oeste, sem autorização do Conpresp.
Montagem/g1/Rodrigo Rodrigues
O que dizem os envolvidos
Em 2 de maio, a concessionária negou irregularidades e afirmou que as intervenções no antigo estábulo fazem parte do plano de manutenção aprovado pelo Conpresp. A empresa disse que a churrascaria é uma instalação temporária, prevista para durar seis meses, e reversível, sem obras permanentes.
“Desde a aprovação do Plano Geral de Manutenção e Conservação do Parque da Água Branca, no primeiro semestre de 2024, a concessionária vem realizando um amplo trabalho de manutenção das estruturas históricas, incluindo telhados, drenagem, redes hidráulicas, vias internas e edificações”, afirmou a empresa.
“Após a tempestade de janeiro de 2025, foram identificadas patologias agravadas no sistema de drenagem e na estrutura dos prédios, o que exigiu a realização de intervenções emergenciais para garantir a segurança e a preservação do patrimônio, sempre respeitando as diretrizes de conservação”, completou.
“É importante ressaltar que as intervenções de manutenção e conservação realizadas em diversas áreas do parque não se confundem com o pedido constante dos autos nº 6025.2025/0001093-7, que trata exclusivamente da solicitação para realização de evento, sem relação direta com as obras de manutenção conduzidas pela Concessionária. Informe já esclarecido, a Churrascada, representada pela FC COMÉRCIO DE ALIMENTOS E BEBIDAS S/A, assim como outros eventos temporários realizados no Parque da Água Branca, deve submeter seus pedidos de autorização aos órgãos competentes. É importante destacar que a solicitação de evento temporário se refere exclusivamente à realização de atividades no local, sem alteração estrutural da edificação”, disse.
A Fazenda Churrascada, por sua vez, informou à época que está alinhada com a administração do parque e não comentou a continuidade da obra mesmo após a negativa do Conpresp.
Reforma sem aval
Obra de churrascaria está sendo feito sem autorização dos órgãos de proteção no Parque da Água Branca
O g1 esteve no local em 26 de abril, e funcionários do futuro restaurante afirmaram que a unidade deve funcionar por seis meses, em caráter temporário.
A parte interna do prédio está passando por obras, e o acesso do g1 ao espaço foi vetado. Entretanto, foi possível ver a presença de britadeiras, tijolos e cimento, além da instalação de churrasqueira, mesas e uma máquina de chopp.
O galpão ao lado, onde funcionava a feira de orgânicos, foi desativado para dar lugar a um playground que, segundo os funcionários, será destinado para os clientes da churrascaria. Os trabalhadores não souberam dizer se outros frequentadores do parque poderão usar o playground.
A irregularidade foi denunciada na 820ª Reunião Ordinária do Conpresp ocorrida na segunda-feira (28) pela conselheira Danielle Dias. Ela pediu ao Departamento de Proteção Histórica (DPH) a paralisação das obras e da instalação do evento até a apresentação da documentação necessária sobre as intervenções.
“Está havendo ilegalidade. O processo foi para o DPH, que emitiu um comunique-se para complementação do material. Mas até o momento isso não foi atendido”, disse a conselheira na reunião.
Chegada de caminhão com churrasqueira para o restaurante que vai ficar dentro do prédio do Parque da Água Branca, que passa por obras do lado de fora da antiga cocheira.
Reprodução
Impacto na vizinhança
Além do impacto no patrimônio, moradores do entorno relatam transtornos, como barulho constante até altas horas da noite e entrada de caminhões. A Associação de Moradores de Perdizes afirmou que a comunidade não foi consultada sobre a instalação do restaurante.
“É uma intervenção feita sem consulta ao conselho gestor e sem maiores explicações à comunidade”, disse a associação.
O advogado Pedro Grzywacz Neto, morador vizinho ao parque, afirmou que a obra é “completamente irregular” e que a churrascaria usou o pedido de evento temporário para esconder uma reforma estrutural.
Denúncia da associação de bairro de Perdizes sobre as intervenções no Parque da Água Branca.
Reprodução/Instagram
Documento cita evento temporário
De acordo com os documentos públicos do processo, a Fazenda Churrascada deu entrada em janeiro no Conpresp para pedir autorização para realizar um evento temporário para 426 lugares, onde seriam instalados mesas e cadeiras e algumas tendas para a realização do evento “Hípica Churrascada”.
O memorial descritivo do pedido não fala em intervenção dentro ou fora do estábulo. Porém, uma vistoria do DPH feita em fevereiro identificou o uso de materiais típicos de obras estruturais, como cimento, tijolos e britadeiras. O relatório concluiu que o local não abriga apenas uma montagem provisória, mas sim uma reforma irregular. E recomendou que o Conpresp não desse autorização para a realização do evento.
A reforma, no entanto, continuou. A direção do DPH afirmou ser “quase impossível” instalar uma churrascaria no local sem obras.
Relatório de fiscalização do DHP aponta obras fora do escopo do pedido feito pela churrascaria que vai ocupar o Parque da Água Branca, na Zona Oeste de São Paulo.
Reprodução
Numa reunião do Conpresp de 24 de março, os conselheiros negaram a autorização para a realização do evento. Um representante da churrascaria e outra da concessionária participavam do encontro e afirmaram que era um equívoco do fiscal dizer que o material de construção do estábulo era para reforma do local.
Segundo eles, o espaço era apenas usado como depósito de materiais de construção para a reforma de outros prédios do parque que sofreram problemas com as chuvas de janeiro deste ano (veja vídeo abaixo).
Conpresp nega autorização para instalação de churrascaria dentro do Parque da Água Branca
A conselheira Regina Lima, do conselho consultivo do parque, afirmou, no entanto, que a empresa admitiu em uma reunião a intenção de manter o restaurante com eventos temporários sucessivos até a regularização definitiva da atividade.
Além disso, em 9 de abril, Lima disse que a Reserva Parques comunicou os quatro conselheiros da sociedade civil que formam o colegiado que haveria a instalação da churrascaria, mas sem apresentação de autorizações e estudos ambientais.
“Eles disseram na reunião que haveria um restaurante fixo, que seria instalado por meio de evento temporário. E que já havia todas as autorizações dos órgãos competentes. A intenção deles era ir renovando esses eventos temporários até conseguir regularizar o restaurante”, contou.
“Questionei o motivo de não haver estudo de impacto ambiental e laudo de descaracterização do imóvel tombado, e eles afirmaram na reunião que não havia necessidade desses estudos para eventos temporários”, ressalta.
Voto do Conpresp decidiu em final de março não dar autorização para que o evento da churrascaria aconteça no Parque da Água Branca até que novos documentos sejam apresentados.
Reprodução
Projeto mostra intervenções
A Fazenda Churrascada chegou a divulgar para a imprensa parte do projeto, que tinha previsão de abertura para março, o que não aconteceu.
Nele é possível ver que há intervenções no espaço, como mudança do piso original da parte de fora e criação de balcões que não existiam originalmente naquela área do Parque da Água Branca (veja foto abaixo).
Projeto da churrascaria dentro do Parque da Água Branca, na Zona Oeste de São Paulo.
Reprodução/Veja São Paulo
O que dizem os órgãos públicos
A Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do estado afirmou que, conforme estabelecido no contrato de concessão, “a concessionária tem a liberdade de fazer uso dos espaços e instalações do parque para desenvolver atividades relacionadas à gestão e exploração comercial, desde que respeitadas todas as leis vigentes, incluindo as normativas específicas para bens tombados”.
“Isso inclui a necessidade de obter aprovações junto aos órgãos competentes. A Secretaria e a Arsesp, como responsáveis pela fiscalização dos contratos de concessão, irão apurar os fatos relatados sobre possíveis irregularidades. Caso seja constatado descumprimento das autorizações ou do contrato de concessão, serão tomadas as medidas cabíveis”, disse a pasta.
O g1 também procurou a Prefeitura de São Paulo e a gestão Ricardo Nunes (MDB) reiterou que o “Parque da Água Branca é um bem tombado pelo CONPRESP e qualquer intervenção em seu interior depende de prévia autorização do colegiado”.
“No caso do processo que trata do evento denominado “Hípica Churrascada”, foram solicitados esclarecimentos”, afirmou.
Também em nota, a Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa (SMC) informou que “foi protocolado pelo interessado um processo referente à análise de intervenção na área em questão. Esse processo está sendo analisado pelo Departamento do Patrimônio Histórico (DPH) e, posteriormente, será encaminhado para deliberação do Conpresp, em data a definir”.
Críticas à nova administração
A Associação de Moradores de Perdizes criticou a gestão do Parque da Água Branca, que passou à iniciativa privada há quase três anos. Segundo a entidade, o espaço perdeu o caráter público e vem sendo descaracterizado, com o fechamento de áreas tradicionais como o Aquário, o Museu Geológico e os cursos voltados para idosos, enquanto eventos como a Casa Cor e a instalação de uma churrascaria ganharam destaque.
A feira de produtos orgânicos, presente no parque desde 1991, foi retirada do galpão original sob justificativa de reforma. No entanto, o espaço reformado foi cedido à churrascaria. A conselheira Regina Lima afirma que os agricultores não foram reintegrados e critica a ausência de explicações.
Outra queixa é sobre os animais, que antes circulavam soltos e agora estão confinados em viveiros coletivos. Segundo os moradores, a medida foi justificada pela gripe aviária, mas as aves continuam presas mesmo após a ameaça ter passado.
Em março de 2024, o g1 já havia mostrado que, um ano e meio após a concessão, o parque apresentava brinquedos quebrados, prédios históricos em ruínas e banheiros em más condições. atualmente, embora o local esteja mais limpo e com brinquedos infantis reformados, os principais banheiros continuam em estado precário e vários prédios permanecem interditados com fitas de isolamento.
A Reserva Parques, responsável pela gestão, afirma que as obras seguem o cronograma previsto no Plano de Intervenções, com prazo até 2028 para conclusão. A empresa disse ainda que pretende antecipar reformas em alguns banheiros e que a feira orgânica será transferida para outro espaço no parque, ainda em projeto.
A Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística confirmou que a concessionária está dentro dos prazos estabelecidos em contrato.
Prédios sem manutenção no Parque da Água Branca e isolados com fitas e cones, quase três depois da concessão à iniciativa privada.
Montagem/g1/Rodrigo Rodrigues
Situação dos banheiros principais do Parque da Água Branca, em registro feito no dia 26 de abril de 2025.
Rodrigo Rodrigues/g1
Feira de produtos orgânicos que funcionava desde 1991 dentro do Parque da Água Branca foi desalojada para dar lugar a um playground.
Montagem/g1/Reprodução/TV Globo/Rodrigo Rodrigues
Playground montado dentro do Parque da Água Branca pela Reserva Parques, no local onde era a feira de produtos orgânicos que funcionava desde 1991.
Rodrigo Rodrigues/g1
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