Proposta de alteração de nome do campus da UFSC é alvo de repúdio

Neto do reitor, Gabriel Ferreira Lima, recebeu homenagem de Roberto Costa – Foto: Diórgenes Pandrini/Especial para ND/ND

A semana foi marcada por reuniões, lançamento de manifesto, notas nas redes sociais e abaixo-assinado contra a proposta de mudança de nome da UFSC, cancelando de homenagem ao professor João David Ferreira Lima, fundador e primeiro reitor da UFSC (Universidade de Santa Catarina).

O campus da universidade, em Florianópolis, leva seu nome desde decisão do Conselho Universitário, em 2003. A revogação foi proposta pela Comissão da Memória e Verdade da UFSC.

Uma nota do Floripa Sustentável subscrita por 45 entidades, foi publicada no jornal ND, classificando de equivocada e oportunista a manobra política que está há 11 anos em tramitação por iniciativa da Comissão da Verdade.

Nota de repúdio critica mudança de nome da UFSC

Além de pedir “Justiça ao professor João David Ferreira Lima”, a manifestação denuncia que a proposição está baseada em interpretações frágeis e desconexas dos fatos históricos em Santa Catarina e na UFSC. São consideradas injuriosas.

O documento enfatiza que “causa espanto” tal iniciativa, considerando o reconhecimento nacional e internacional, do esforço do professor homenageado na criação da UFSC há décadas “considerada centro de excelência”.

A cassação do tributo histórico foi sugerida no item 6 das 12 recomendações contidas no relatório final aprovado pelo Conselho Universitário em 2018 da Comissão da Memória e Verdade, constituída em 2014. Em dezembro de 2022, a advogada Heloisa Blasi entrou com impugnação do relatório final, em nome do arquiteto David Ferreira Lima, filho do reitor.

Estátua pichada de ex-reitor da ufsc

Primeiro reitor da UFSC, João David Ferreira Lima é acusado de ter colaborado com a ditadura militar durante a sua gestão – Foto: Reprodução/ND

O reitor Irineu Manoel de Souza, em vez de ouvir a procuradoria sobre o relatório final, assegurando o direito de defesa, nomeou outra comissão, em maio de 2023, para analisar as recomendações. Nas sessões seguintes do Conselho Universitário, Heloisa denunciou que sequer teve direito de vistas do processo.

Reações

Nestes últimos seis anos, as recomendações dos dois processos ficaram restritas. A nova reação contra a violência jurídica e a tentativa de revogar a história da UFSC surgiu com o manifesto do Floripa Sustentável, em posição radical contra o cancelamento da homenagem.

Nesta semana, o presidente do Floripa Sustentável, Roberto Costa, homenageou o fundador João David Ferreira Lima, representado pelo neto Gabriel Ferreira Lima.

Um grupo liderado pelo secretário municipal de Assistência Social, o ex-deputado estadual Bruno de Souza, que está mobilizando testemunhos públicos para explicar o total despropósito de mudança da homenagem.

A defesa do reitor vem sendo feita pela advogada e professora Heloisa Blasi, filha do cofundador, professor, advogado e falecido desembargador Aluizio Blasi.

Narrativas falaciosas

Um acalentado e definitivo estudo sobre a injustiça que se propõe consta do livro “UFSC: Em Nome da Verdade”. É alicerçado de documentos históricos, atos e fotos, todos preservados pelo professor Aluizio Blasi.

No “Prólogo” da obra, a autora diz: “Foi com dor, inconformismo e indignação que li os nomes de pessoas éticas e sérias, já falecidas, as quais muito contribuíram para a excelência do ensino em nossa universidade, todas indevidamente envolvidas em narrativas falaciosas”.

Professor Jean-Marie Farines participa da segunda comissão que discute o assunto – Foto: Arquivo pessoal/ND

Na internet, são incontáveis os comentários de condenação veemente da proposta, subscritas por ex-reitores, professores, servidores e autoridades que conviveram, conheceram ou gravaram testemunhos de elogios à obra de Ferreira Lima.

O grupo busca adesão ao abaixo-assinado e vai procurar autoridades e lideranças para mostrarem a violência jurídica na tentativa de mudar a verdadeira história da UFSC.

Ferreira Lima: um perfil em defesa das universidades

Catarinense de Tubarão, o reitor Ferreira Lima formou-se em ciências jurídicas e sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atuou como procurador fiscal do Estado e secretário da Fazenda entre 1946 a 1950. Disputou a suplência do Senado na chapa liderada por Nereu Ramos (PSD), eleição vencida por Carlos Gomes de Oliveira (PTB).

E na mesma década fundou a TAC (Transportes Aéreos Catarinenses) com Sidney Nocetti e Joaquim Fiuza Ramos. Apoiado por desembargadores, professores, e lideranças, como diretor da Faculdade de Direito lutou por sua federalização, com sucessivas viagens ao Rio de Janeiro, incontáveis contatos com o Ministério da Educação, parlamentares federais e articulações com autoridades catarinenses e instituições.

O processo durou quatro anos. Assinada pelo presidente Juscelino Kubitschek, a Lei 3.038, de 19 de dezembro de 1956, federalizou a faculdade, criada por José Boiteux em 1932. Com a nova situação jurídica e financeira da Faculdade de Direito, professores começaram a dialogar com dirigentes e colegas de outras faculdades isoladas existentes na Capital, visando a criação da Universidade Federal.

João David Ferreira Lima, fundador e primeiro reitor da Universidade Federal de Santa – Foto: Acervo/UFSC/ND

Ao final de vários anos de reuniões, contatos federais, encontros no Rio e em Florianópolis, todos sob a liderança do professor Ferreira Lima, veio a Lei 3.849, de 18 de dezembro de 1960, criando a Universidade Federal de Santa Catarina. Ato também do presidente Juscelino Kubitschek.

O professor Aluizio Blasi, fiel aliado de Ferreira Lima, como servidor da Faculdade de Direito e testemunha das duas federalizações resumia: “Tudo fruto de uma mobilização inédita unindo as forças educacionais, governamentais, culturais e partidárias de Santa Catarina”. Mesmo sendo a mais jovem universidade federal do país, a UFSC logo se projetou pela exemplar estrutura administrativa e projeção no Brasil e no exterior da Faculdade de Odontologia e da Escola de Engenharia Mecânica.

Ferreira Lima foi, então, eleito presidente do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras, cargo que ocupou entre 1966 e 1969. Viveu o duro período do AI-5. E mesmo em condições críticas, desafiou o regime militar com pronunciamentos fortes na imprensa do Rio, quando foram cortadas verbas das universidades federais pelo ministro Tarso Dutra. Em seguida, foi eleito vice-presidente da União das Universidades Latino-americanas.

Blindagem e nomeação

Mesmo tendo fortes vínculos com o antigo PSD, o professor Ferreira Lima comandou a UFSC desde o início com total autonomia, blindando-a de interferências partidárias. Quando foi nomeado reitor, lideranças pessedistas o pressionaram pela nomeação de um correligionário. O reitor nomeou seu fiel aliado Aluizio Blasi, qualificado e zeloso servidor, cujos familiares tinham vínculos com o ex-UDN.

Durante todas as gestões priorizou o mérito e os técnicos mais jovens. Naquela época, o ex-governador Aderbal Ramos da Silva tinha ascendência total nos órgãos públicos de Florianópolis, exceção feita à UFSC, mesmo tendo fortes relações de amizade com o reitor. Outro fato histórico a revelar a exemplar atuação dos professores e líderes políticos ocorreu no processo de nomeação do primeiro reitor.

No livro “Aluizio Blasi, a Vida pela Educação e pela Justiça”, que lancei em 2018, a revelação minuciosa: O Conselho Universitário aprovou lista tríplice, integrada pelos professores João David Ferreira Lima, Valdomiro Cascaes e Edmundo Acácio Moreira. Em agosto de 1961 veio a notícia da nomeação pelo presidente Jânio Quadros, apoiado pela UDN, do professor João Bayer Filho, também udenista, para o cargo de reitor. Acontece que o professor Bayer Filho era um homem de grande integridade.

Quando soube que havia sido nomeado reitor “pro tempore”, contrariando a decisão consensual do professor Ferreira Lima, do PSD, reagiu enérgico. “Isto é uma falseta contra o Ferreira. É um ato antijurídico. Vou dizer ao Ferreira que não assumirei”. O ato foi publicado no dia 23 de agosto de 1961. O processo de nomeação ficou parado 30 dias e caducou. Bayer Filho negou-se a assumir. No dia 24 de agosto, o presidente Jânio Quadros renunciou. No dia 12 de outubro, o professor João David Ferreira Lima foi nomeado reitor. Ato assinado pelo presidente João Goulart, do PTB.

Busto em homenagem ao ex-reitor que é alvo de mudança de nome da UFSC

Busto de Ferreira Lima, no campus da UFSC, foi inaugurado em 1995; ele foi o primeiro reitor da universidade federal – Foto: Salvador Gomes/UFSC/Divulgação/ND

Comissões foram criadas para debater o caso

Na última reunião do Conselho Universitário, o relator do segundo processo, professor Ubirajara Franco Moreno, sugeriu uma consulta pública, incluindo a comunidade acadêmica, para decidir em 90 dias sobre a proposta de revogação da homenagem ao reitor Ferreira Lima.

A Comissão da Verdade foi instalada sob a presidência da professora Ana Lice Brancher, que pediu demissão do cargo um ano depois e foi sucedida pelo professor o professor Jean-Marie Farines, engenheiro francês, hoje aposentado do tecnológico, um dos mais ativos na execução da recomendação dentro do conselho.

Na formação inicial foram indicados Célio Espíndola, Janine Gomes da Silva, Juliana Grigoli, Marco Aurélio da Rosa, Marli Auras, Moacir Loth, Tânia Regina de Oliveira Ramos e o professor Ubaldo Cesar Balthazar.

Na segunda comissão, foram encaminhados os nomes de Daniel Ricardo Castelan (presidente), Paulo Pinheiro Machado, Jean-Marie Farines, Carmen Maria Olivera Muller, Larissa Gabriela Wentland e Lucas Eduardo Brum de Matos Rigoli Gonçalves, como representantes do DCE, e Luiz Felipe Souza Barros de Paiva como representante da APG.

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