Atestados médicos falsos são vendidos no centro de Salvador; médicos denunciam golpes e intimidações


Em tentativa de venda dos documentos falsos, vendedores cobraram R$ 30 por um dia de afastamento e R$ 180 por 14 dias. Número de consultas por veracidade dos documentos cresceu nos últimos anos. Médicos são forçados a dar atestados durante consultadas na Bahia
Um grupo de pessoas tem vendido ao menos dez tipos de atestados médicos falsos, além de testes de gravidez, em Salvador. Os serviços ilegais são divulgados em uma plataforma digital.
A reportagem da TV Bahia entrou em contato com o grupo através de um aplicativo de mensagem e recebeu uma tabela com valores dos atestados. Por um dia, o grupo cobra R$ 30. Se a pessoa tiver interessada em parar de trabalhar por 14 dias, ela é orientada pelos criminosos a pagar R$ 180.
No documento, os falsários destacam a informação: “Nossos médicos são ativos com CRM válido. Tudo registrado no site oficial do CFM”. Em outro trecho dá garantia de suporte 24h em caso de dúvida.
Vender, comprar e apresentar atestado falso alterando a verdade é crime de falsidade ideológica. A pena varia de 1 a 5 anos de reclusão e multa, se documento for público e de até 3 anos, se o documento for particular.
O g1 entrou em contato com a Polícia Civil para saber se existe investigações contra suspeitos de falsificar atestados médicos em Salvador, mas não recebeu resposta até a última atualização desta reportagem.
Tabela de preços divulgados para a reportagem da TV Bahia
Reprodução/TV Bahia
Médica relata golpe
A médica baiana Ana Teresa Cerqueira foi vítima da ação de venda de atestado falso. A profissional descobriu o golpe depois que a empresa em que ela trabalha a procurou. A unidade recebeu o documento, desconfiou da autenticidade e acionou o Conselho Regional de Medicina da Bahia (Cremeb-BA).
“Me enviou um documento no padrão do atestado que a gente emite, com minha assinatura e carimbo, só que supostamente foi emitido em um dia que eu não estava nem trabalhando. Uma paciente que não passou por atendimento na unidade”, contou a médica.
“Eu me senti lesada, porque a gente sabe que quando um médico emite um atestado falso, ele também sofre consequências”, desabafou Ana Teresa Cerqueira.
Médica denunciou que sofreu golpe
Reprodução/TV Bahia
A profissional registrou um Boletim de Ocorrência (BO) na Polícia Civil. Ela também revelou que colegas de profissão já foram intimidados a emitir atestados médicos sem que pacientes tivessem doentes.
“Eu já atendi pacientes que me disseram que não tinham nada, mas queria atestado. As vezes chegam na gente completamente agressivos, intimidando e você tem que fornecer o atestado. Nesses momentos a gente é orientado a ceder, porque são situações que a gente está em risco”, contou ressaltando que quando isso acontece, notifica o hospital com a justificativa de intimidação.
Número de consultas aumentou
Segundo o Cremeb, o número de consultas de empresas para checar a veracidade dos atestados médicos tem crescido nos últimos anos. Nos últimos quatro, a quantidade de documentos falsos aumentou sete vezes.
De acordo com o Conselho Regional de Medicina, neste período, 4.144 atestados médicos foram checados e 671 eram falsos.
“Tem tido um aumento tanto de procura, quanto da certificação de que aquele documento foi falsificado”, afirmou o diretor de fiscalização do Cremeb, Luciano Ferreira.
Flagra na rua
No Centro de Salvador, a produção da TV Bahia encontrou pessoas que orientam como conseguir atestado médico.
Ao ser questionado de como poderia fazer para conseguir um documento falso, um “vendedor” disse que a pessoa teria que pagar pela consulta, que custava R$ 200.
“Mas é garantido! Não vou lhe dizer os cinco dias, mas pelo menos os três dias aí ela lhe dá. Aí dependendo da sua conversa lá, possa ser que ele dê mais. Que, claro, você não vai dizer que não está com nada e que você quer só o atestado, né? Vai dizer que está com algum problema, né?”, explicou o homem.
O vendedor também orientou como falar para conseguir os dias de afastamento.
“Você vai dizer: ‘Não, eu estou com problema assim, eu tenho problema assado e tal. Já tenho tantos dias que eu fico em casa preso, sem poder trabalhar. Eu estava precisando pelo menos de uns dois ou três dias para poder fazer o encaminhamento médico, tá entendendo?’ Usa o seu argumento”.
Grávida demitida por justa causa
Tribunal Regional do Trabalho da Bahia (TRT-BA) manteve demissão por justa causa
Reprodução/TV Bahia
Uma atendente grávida foi demitida por justa causa depois de apresentar seis atestados falsos para justificar faltas no trabalho em Salvador. A suspeita começou em 2022, quando a empresa percebeu que o nome médico estava escrito errado.
Em seguida, a empresa consultou a unidade indicada e confirmou que o médico já não trabalhava no local, nem tinha atendido a grávida. O Tribunal Regional do Trabalho (TRT) manteve a demissão e negou os pedidos da ex-funcionária como verbas rescisórias, horas extras, vale transporte e indenização pela estabilidade da gravidez.
“Isso representa um ato de improbidade, que é a quebra de confiança no contrato de trabalho. É importante que o empregador não deixe para lá essa situação, não perdoe o empregado e aplique a justa causa, porque esse tipo de fraude prejudica toda a sociedade e não apenas aquela relação de emprego”, explicou a advogada trabalhista Juliana Costa Pinto.
LEIA TAMBÉM:
Gestante demitida por justa causa apresentou seis atestados falsos; veja como fraude foi descoberta
Grávida demitida por justa causa: há direitos trabalhistas nesse caso?
Veja mais notícias do estado no g1 Bahia.
Assista aos vídeos do g1 e TV Bahia 💻
Bookmark the permalink.