De sanduíche tradicional a joia popular para os indígenas, tucumã representa a força da floresta e do povo amazônico


Um único fruto já é suficiente para suprir a dose diária recomendada de vitamina A. Além disso, ele apresenta propriedades antioxidantes e antidiabéticas. O tucumã está presente em estados como Amazonas, Acre, Roraima, Rondônia, Mato Grosso e Pará, e também em países como Venezuela, Colômbia e Guiana
Roberto Almeida/iNaturalist
Quando se fala em Amazônia, é preciso lembrar que a riqueza da região vai além da floresta: ela também se revela nos sabores, nas histórias e nas tradições de seu povo. No meio da vegetação densa, uma palmeira espinhosa se destaca por carregar um fruto de cor vibrante e sabor marcante – o tucumã (Astrocaryum aculeatum).
“O nome tucumã vem do tupi e significa fruto de planta espinhosa, justamente porque ele é envolto por espinhos, mas por dentro guarda um alimento cheio de cultura, nutrição e resistência”, explica a botânica Carol Ferreira.
Tucumã, fruto de uma palmeira da Amazônia, é a matéria-prima para a crianção de aditivo de biodiesel que pode gerar até 40% de economia às empresas do ramo de combustível
IFRR/Divulgação
A espécie, de tronco único e folhas ascendentes, cresce em solos secos e degradados e pode alcançar até 30 metros de altura. Está presente em estados como Amazonas, Acre, Roraima, Rondônia, Mato Grosso e Pará, e também em países como Venezuela, Colômbia e Guiana.
Um sanduíche com sabor de identidade: o X-Caboquinho
No café da manhã dos amazonenses, um clássico reina absoluto: o X-Caboquinho. Se você nunca ouviu falar, prepare-se para uma explosão de brasilidade em forma de sanduíche. Banana pacovã frita, queijo coalho tostado, manteiga e o tucumã em lascas, tudo isso dentro de um pão francês crocante.
X-caboquinho
Rede Amazônica
“A relação estreita desse prato com a cultura e a identidade do estado fez com que, em 2019, o X-Caboquinho fosse oficializado como patrimônio cultural imaterial de Manaus”, lembra Carol.
É uma receita simples, mas com um valor simbólico gigante. Cada mordida carrega o sabor da floresta, da tradição ribeirinha e da resistência cultural amazônica.
Superfruto da floresta
Mas o tucumã não é só gostoso: ele é nutritivo, versátil e poderoso. “Os frutos são ricos em fibras, vitaminas A, B1 e C, ômega 3, carotenoides e compostos fenólicos”, destaca Carol.
Segundo a botânica, um único fruto já é suficiente para suprir a dose diária recomendada de vitamina A. Além disso, apresenta propriedades antioxidantes, antimicrobianas e até antidiabéticas.
À esquerda, o fruto tucumã, encontrado em abundância nas cidades da Região Metropolitana de Manaus (AM). À direita, a palmeira de mesmo nome.
Divulgação
Há também outro tesouro escondido no caroço: a amêndoa. Dela se extrai um óleo com alto rendimento, com potencial para a produção de biodiesel, além de aplicações nas indústrias cosmética e alimentícia.
Tucumã-do-Amazonas (Astrocaryum aculeatum) e tucumã-do-Pará (Astrocaryum vulgare)
O tucumã-do-Amazonas é o mais popular na culinária amazônica, sendo utilizado não somente no famoso X-Caboquinho, como também em sorvetes, licores, doces e cremes.
Já o tucumã-do-Pará (Astrocaryum vulgare), foi por muito tempo considerado uma “praga” pelos produtores.
O tucumã-do-Pará (Astrocaryum vulgare) foi por muito tempo considerado uma “praga” pelos produtores
Olivier Claessens/iNaturalist
“Os espinhos causavam danos ao gado e às máquinas, então muitas vezes as palmeiras eram queimadas ou removidas. Com o tempo essa percepção mudou e hoje ambos carregam valor nutricional, cultural e até mesmo potencial como fonte alternativa de matéria prima para produção de biocombustíveis. No entanto, é o tucumã-amazônico que reina absoluto no paladar regional”.
Uma joia popular
Os espinhos do tucumã têm um papel ecológico – são uma defesa contra animais herbívoros –, mas também carregam um simbolismo profundo. Povos indígenas usavam esses espinhos como agulha de costura.
Anel produzido a partir do tucumã
Divulgação
Outro uso do tucumã é para produzir o “anel de tucumã”. O anel é feito do caroço da palmeira tucumã. Após a retirada da polpa, o caroço é polido e esculpido artesanalmente até se transformar em um anel preto e brilhante.
“Esse anel viria a se tornar um símbolo de luta e resistência, além de amizade”, explica Carol. Feito por indígenas e pessoas escravizadas como alternativa às joias da elite, o anel hoje representa compromisso com causas sociais e ambientais.
Os frutos são ricos em fibras, vitaminas A, B1 e C, ômega 3, carotenoides e compostos fenólicos
Hervé Galliffet/iNaturalist
Cultivo, desafios e o futuro do tucumã
Apesar de todo esse valor, a cadeia produtiva do tucumã ainda enfrenta desafios. A produção é majoritariamente extrativista e familiar, feita por agricultores ribeirinhos sem acesso a tecnologias ou políticas públicas de incentivo.
O tucumã é uma palmeira espinhosa que cresce em diversas regiões do Brasil, especialmente na Amazônia, e que é conhecida pelos seus espinhos e frutos, que são comestíveis e utilizados na culinária regional
ssawtelle/iNaturalist
“O processamento ainda é muito artesanal e rudimentar”, aponta Carol. Mesmo assim, o mercado informal resiste e cresce, abastecendo feiras, pequenos comércios e barracas de rua.
Além disso, o tucumã tem papel ecológico importante: é uma espécie pioneira, usada na recuperação de áreas degradadas, e seus frutos alimentam animais como cutias, antas, veados, tucanos, araras e macacos.
Um fruto, muitas histórias
Para Carol, preservar o tucumã é também preservar as culturas amazônicas. “O tucumã carrega muito mais que um alto teor nutritivo ou potencial terapêutico e para biocombustíveis; carrega também toda uma história e costumes de um povo que sempre encontrou na natureza uma forma de subsistência e identidade”.
A espécie cresce em solos secos e degradados e pode alcançar até 30 metros de altura
Maddie Pearson/iNaturalist
Seja no prato, na floresta ou nos dedos de quem luta por um mundo mais justo, o tucumã segue firme, espinhoso e necessário. Como o povo que o cultiva.
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