Ex-chefe da Aeronáutica coloca Jair Bolsonaro na cena do crime

O brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior, ex-chefe da Aeronáutica no governo BolsonaroReprodução/Twitter

Jair Bolsonaro (PL) submergiu após a derrota para Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições de 2022.

A versão oficial é que ele ficou deprimido demais para seguir trabalhando normalmente. 

Entre 31 de outubro, dia seguinte ao segundo turno, e 25 de novembro, por exemplo, Bolsonaro fez apenas dois pronunciamentos, de menos de cinco minutos, e foi ao Palácio do Planalto, seu local de trabalho, apenas três vezes, segundo uma reportagem na época da BBC. 

Parecia viver com o ânimo de quem cumpre tabela ou aviso prévio.

Uma das raras aparições aconteceu durante uma solenidade das Forças Armadas em 5 de dezembro. 

Bolsonaro não discursou durante a cerimônia. Só chorou.

Parecia confirmar, assim, a versão de que estaria trancado no quarto sem forças para levantar da cama.

As investigações sobre a tentativa de golpe de Estado após a derrota nas urnas contam outra história.

E parte dela foi confirmada nesta quarta-feira (21), aos ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, pelo ex-chefe da Aeronáutica, o brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior.

Apontado pela Procuradoria Geral da República como uma das testemunhas de acusação contra o chamado “núcleo crucial” da trama golpista, do qual o ex-presidente é um dos réus, Baptista Junior chegou à audiência sob grande expectativa. 

Dois dias antes, o general Marco Antônio Freire Gomes, ex-comandante do Exército, aliviou o quanto pode a situação de Bolsonaro. 

E negou ter dado voz de prisão ao então presidente ao ser apresentado a uma minuta golpista – que chamou de “apontamentos jurídicos” sobre a possibilidade de reverter o resultado das urnas.

Baptista Junior fez o oposto. 

Dispensou eufemismos e endossou, no tribunal, tudo o que disse há um ano em depoimento à Polícia Federal. Inclusive que ouviu, sim, o general Freire Gomes dizer que, pela lei, seria obrigado a mandar prender o então presidente.

O resultado é avassalador para Bolsonaro.

Um dos pontos altos do depoimento é o relato sobre cinco encontros com o então presidente, nos dias 2, 12, 14, 22 e 24 de novembro.

Se não era para tratar, com os chefes militares, de uma solução militar para uma questão eleitoral, o que seria? O país estava em guerra e não comunicou ninguém?

Nesses encontros, até a prisão de todos os integrantes do STF foi cogitada. 

A ideia era tirar Alexandre de Moraes do jogo e evitar que ele fosse solto pelos pares no dia seguinte. Tudo isso aventado durante um “brainstorm”, como se alguém discutisse se era melhor servir suco de uva ou de laranja durante a cerimônia de posse.

A princípio, Baptista Junior dizia que a preocupação era com uma possível convulsão social devido ao resultado eleitoral. Uma convulsão – grifo meu – estimulada pelo lado derrotado da disputa. E também por uma ala dos militares que nada fizeram para desmobilizar os acampamentos de onde partiram os ataques que culminaram na invasão da Praça dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023.

Foi só a partir de 11 de novembro, segundo o relato, que Baptista Junior percebeu que Bolsonaro não queria pacificar coisa nenhuma. Queria evitar a posse de Lula e permanecer no poder. Daí a necessidade de uma GLO (Garantia de Lei e Ordem) ou decreto de estado de exceção. E pulou fora.

Diante dos ministros do STF, fica cada vez mais claro por que, diante da recusa de dois dos três chefes militares de colocarem as tropas à disposição do plano, Bolsonaro desistiu do aval dos comandantes e se reuniu, logo no início de dezembro, com subordinados deles, entre os quais o comandante do Comando de Operações Terrestres, general Estevam Theophilo.

Theofilo é um dos dez denunciados do chamado núcleo operacional do golpe que se tornaram réus nesta terça-feira (20). Nesta fase das tratativas, o plano era não só prender ministros do Supremo, como matar “meio mundo”, conforme áudio obtido durante as investigações enviado pelo policial federal Wladimir Matos Soares. Os alvos seriam Lula, Geraldo Alckmin (PSB) e o próprio Moraes.

Para os ministros do Supremo, não havia outro sentido, para Bolsonaro, se reunir com subordinados dos comandantes se não fosse para planejar um atentado duplo: à democracia e à própria hierarquia militar.

Por onde se olha é possível ver as digitais de Bolsonaro no centro da trama que o levou ao banco dos réus. O testemunho de Baptista Junior deixou essas digitais ainda mais evidentes.

Agora os advogados do ex-presidente terão dificuldade de explicar as movimentações do chefe desde o dia da derrota nas urnas até 30 de dezembro, quando se mandou para os Estados Unidos sem passar a faixa ao sucessor.

A conversa de que estava no quarto deprimido e lambendo as feridas não cola mais. Nunca colou.

*Este texto não reflete necessariamente a opinião do portal iG

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