Brasil sem reeleição: o que mudaria na política e na história recente

CCJ do Senado aprovou relatório a favor da PEC que torna Brasil sem reeleição para cargos do Executivo – Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

A segunda eleição consecutiva para o mesmo cargo executivo no país está em xeque com a PEC 12/22, que recentemente avançou no Senado. A possibilidade levanta a dúvida de como teria sido a política em um Brasil sem reeleição nos últimos anos.

A história do Brasil sem reeleição para cargos executivos provavelmente teria seguido caminhos políticos, econômicos e institucionais bastante diferentes. Até 1997, era o Brasil sem reeleição, mas por meio da Emenda Constitucional nº 16, de durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), o mecanismo se tornou constitucional. A partir desse marco, presidentes, governadores e prefeitos puderam disputar um segundo mandato consecutivo.

Como seria a política no Brasil sem reeleição para presidente

Considerando apenas o cenário nacional, em um Brasil sem reeleição, não haveria tido dois governos consecutivos dos presidentes Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Dilma Rousseff (PT).

Entre os candidatos que buscaram reeleição após a introdução legal em 1997, apenas Jair Bolsonaro (PL) não conseguiu comandar um país por um segundo mandato. O presidente Michel Temer (MDB), que assumiu o país após o impeachment de Dilma, afirmou que gostaria de se reeleger, mas não conseguiu apoio para lançar a candidatura.

A justificação da Proposta de Emenda Constitucional que unifica as eleições e dá fim à reeleição inclui a possibilidade de rotatividade e de renovação no Poder Executivo. Além disso, o documento aborda a falta de isonomia entre candidatos.

“A regra da reeleição mostra, a cada pleito, a enorme vantagem do Presidente, dos Governadores e dos Prefeitos em exercício sobre os demais candidatos”, afirma trecho do texto apresentado pelo senador Jorge Kajuru (PSB-GO). “A derrota dos candidatos à reeleição ocorre apenas em circunstâncias muito particulares.”

CCJ do Senado aprovou relatório que estabelece Brasil sem reeleição para cargos no Executivo – Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

FHC

Eleito em 1994 pelo PSDB. Fernando Henrique Cardoso carregava o legado do Plano Real, que controlou o cenário de hiperinflação do país. Na corrida presidencial, o ministro da Fazenda que havia estabilizado a economia confirmou o favoritismo para ocupar o Planalto com mais de 55% dos votos.

Durante o primeiro mandato, o governo FHC buscou consolidar a estabilidade monetária alcançada com o Plano Real. Para isso, promoveu uma série de reformas estruturais, como mudanças na Previdência e na legislação trabalhista. Houve também um amplo processo de privatizações em setores estratégicos como energia, telecomunicações e mineração, com o objetivo de modernizar o Estado e atrair investimentos.

Apesar das turbulências econômicas externas, como as crises do México e da Rússia, o Brasil conseguiu preservar a estabilidade, mesmo diante da fuga de capitais e da pressão cambial. O governo enfrentou desafios como o aumento do desemprego e os conflitos no campo, liderados por movimentos sociais que exigiam a aceleração da reforma agrária.

Internamente, medidas como a contenção da inflação, o fim dos reajustes automáticos de salários e a valorização do real impactaram a economia e a vida dos trabalhadores. Em 1997, foi aprovada a emenda da reeleição, e FHC conquistou novo mandato nas eleições no 1º turno das eleições de 1998, impulsionado pelo prestígio do Plano Real.

O segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso começou em meio à crise cambial de 1999, quando o real foi brutalmente desvalorizado e o país adotou o câmbio flutuante, rompendo com a política anterior de controle do dólar. Essa “maxidesvalorização” gerou forte instabilidade econômica e exigiu medidas rigorosas, como cortes de gastos e um novo acordo com o FMI.  Em 2001, FHC ainda precisou lidar com uma grave crise energética.

Essas crises poderiam ter caído no colo de outro candidato. O segundo colocado nas eleições em 1998 com 32% dos votos foi Luiz Inácio Lula da Silva, mais uma vez. Em sua trajetória política, Lula já havia perdido as disputas anteriores pela presidência do país para Fernando Collor e para o próprio FHC.

No entanto, se FHC não pudesse concorrer em 1998, o PSDB teria lançado outro candidato para concorrer contra Lula, provavelmente José Serra ou Geraldo Alckmin, que disputaram as eleições posteriores contra o petista. Entre outros, Enéas (Prona), Eymael (PSDC), Ciro Gomes (PPS) também participaram da corrida eleitoral de 1998.

Lula

Após três derrotas e oito anos de oposição a FHC, Lula chegou à presidência da República. Na disputa no segundo turno, Lula venceu o economista José Serra, duas vezes ministro de FHC. É possível que, em um Brasil sem reeleição, se Lula tivesse ganhado em 1998, não poderia disputar em 2002.

Brasil sem reeleição

Em um Brasil sem reeleição, Lula talvez não pudesse disputar a presidência em 2002 – Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

O FHC iniciou seu governo em um Brasil sem reeleição, já o petista sabia dessa possibilidade desde o começo. No primeiro mandato, Lula manteve a estabilidade econômica com a confiança do mercado. Ao mesmo tempo, ampliou programas sociais como o Bolsa Família, focado no combate à pobreza e inclusão social.

Investiu em habitação popular, agricultura familiar e valorização do salário mínimo. Apesar do prejuízo da imagem do partido com o escândalo do mensalão, Lula recuperou sua popularidade com crescimento econômico, redução da desigualdade e avanços sociais.

Em 2006, esse legado o ajudou a se reeleger no segundo turno contra Geraldo Alckmin, que é o seu atual vice-presidente. Além deles, concorreram Heloísa Helena (Psol), Cristovam Buarque (PDT), Luciano Bivar (PSL) e novamente Eymael (PSDC), entre outros.

Em um Brasil sem reeleição, o PT deveria apontar outro nome para concorrer em 2006. Dilma Rousseff, que disputou a presidência em 2010 e a reeleição em 2014, ocupa o Ministério de Minas e Energia e era vista como quadro técnico, ainda sem condições políticas de disputar as eleições presidenciais.

Outros nomes possíveis perderam prestígio com o mensalão. Lideranças petistas, como José Dirceu e José Genoino, perderam espaço. Antonio Palocci, outro nome que poderia ser lançado nas eleições presidenciais, também foi acusado de corrupção durante sua gestão no Ministério da Fazenda. Se tivesse permanecido o Brasil sem reeleição, a disputa de 2006 seria completamente diferente.

No segundo mandato, a fala de Lula de que a crise financeira global de 2008 seria uma “marolinha” no Brasil foi acompanhada de medidas para manter o crescimento econômico e o consumo interno.

O Brasil resistiu bem à recessão mundial, mas o governo foi abalado por escândalos como o dossiê dos aloprados e denúncias de corrupção envolvendo aliados. Ainda assim, a popularidade de Lula devido ao aumento da renda durante sua gestão de oito anos possibilitou a vitória de sua indicada em 2010, Dilma Rousseff.

Dilma Rousseff

Após vencer José Serra em 2010 com a indicação de Lula, Dilma Rousseff manteve programas sociais e investiu em infraestrutura, como o “Minha Casa, Minha Vida” e a exploração do pré-sal.

Nos quatro anos de mandato, enfrentou desaceleração econômica, aumento da inflação e denúncias de corrupção envolvendo a Petrobras, que geraram desgaste político.

Em 2013, protestos massivos cobraram melhorias nos serviços públicos e maior transparência, somados à pressão pelos gastos com a organização da Copa do Mundo. Apesar dos desafios, Dilma manteve apoio significativo até o fim do mandato.

Nas eleições de 2014, a disputa foi novamente entre um petista e um tucano. Dilma foi reeleita no segundo turno contra Aécio Neves (PSDB), com 51,64% dos votos válidos. Após a derrota, o PSDB apresentou realizou auditoria nos sistemas de votação que concluiu ser impossível auditar os votos.

Brasil sem reeleição

Posse de Dilma Rousseff (PT) em reeleição de 2014 – Foto: Geraldo Magela/Agencia Senado

A inspeção das urnas eletrônicas foi motivada por denúncias de cidadãos que afirmavam não ter seus votos computados corretamente. Se já estivesse o Brasil sem reeleição, a sugestão de auditoria por voto impresso talvez não tivesse sido feita pelo PSDB.

No Brasil sem reeleição, talvez Aécio Neves ou Marina Silva (PSB), que terminou em terceiro, poderiam ter assumido a presidência. Além deles, outros nove candidatos participaram das eleições de 2014. Do lado petista, em um Brasil sem reeleição, o partido poderia indicar como candidato outras lideranças como Jaques Wagner, Gleisi Hoffmann ou Aloizio Mercadante.

No Brasil sem reeleições, quem vencesse teria pela frente um período político turbulento, que resultou no impeachment da Dilma em maio de 2016. No primeiro ano do segundo mandato, foi deflagrada a Operação Lava Jato, que revelou esquema de corrupção dentro da Petrobras, envolvendo grandes empreiteiras, políticos e partidos, incluindo o PT. Aliadas à recessão econômica mundial, as denúncias de corrupção causaram estrago na imagem da mandante.

Além dos cenários doméstico e internacional ruins, a falta de articulação política no Congresso Nacional foi decisiva para o impeachment da presidente por “pedalada fiscal”, nome dado a manobras contábeis realizadas pelo governo federal para maquiar as contas públicas.

O vice-presidente, Michel Temer (MDB), assumiu o cargo. Apesar de não ter proposto um Brasil sem reeleição, Temer foi o único governante do Planalto que, desde a sua aprovação, não concorreu duas vezes consecutivas à presidência da República.

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