O que a ciência pode aprender com os artistas sobre como vemos as cores


Cientistas criaram uma experiência universal de cor usando lasers. Cores são objetivas, mesmo que o verde que você vê não seja exatamente igual ao dos outros
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Sentadas ao volante de seus carros, muitas pessoas têm certeza de que sabem quais cores estão vendo. É o semáforo vermelho à sua frente, o veículo amarelo berrante na faixa ao lado ou as plantas verdes na margem à sua direita.
A cor, como muitas pessoas a entendem, é a propriedade de uma coisa. Aquele semáforo é verde. O céu é azul. Mas, cientificamente, isso não é bem verdade. Ninguém pode experimentar exatamente a mesma cor que você. A cor é uma experiência perceptiva criada por nossos cérebros.
A cor é a interação entre um material, a luz e a mente. A maneira como um material absorve e dispersa a luz afeta o que chega aos nossos olhos. E a cor precisa ser processada pelo cérebro.
A forma dos objetos e o contexto em que você os encontra também podem moldar a maneira como você percebe a cor. Se você já escolheu uma cor de tinta que parecia perfeita na loja, mas que se transformou em algo totalmente diferente nas paredes, já se deparou com esse fenômeno.
Essa noção de cor como experiência foi recentemente demonstrada em um estudo realizado por pesquisadores da Universidade da Califórnia em Berkeley, que usaram lasers para manipular os olhos dos participantes para que vissem uma nova cor – um azul-esverdeado que eles chamam de “olo”.
Para conseguir isso, os cientistas usaram lasers para ativar células fotorreceptoras específicas na retina que detectam comprimentos de onda de luz verde, chamadas cones M. Também temos cones S e L, tipos de fotorreceptores que detectam comprimentos de onda curtos de luz azul e comprimentos de onda longos de luz vermelha, respectivamente. Todas as pessoas têm pequenas variações no número e na sensibilidade desses cones, portanto, cada um de nós tem uma experiência de cor um pouco diferente.
Fora do laboratório, a luz refletida que entra em nossos olhos ilumina grandes áreas da retina, o que estimula vários tipos de cones. Os comprimentos de onda percebidos pelos cones M e L se sobrepõem em mais de 85%. Isso significa que, em condições naturais, os dois são sempre ativados juntos, mas em graus variados.
Ao visar apenas os cones M, os cientistas de Berkeley criaram, em essência, uma cor pura. A olo não tem contexto nem condições materiais. Ela terá a mesma aparência para pessoas diferentes.
Mas esse não é o único exemplo que mostra o papel do cérebro na percepção das cores.
O tipo mais comum de daltonismo vermelho-verde, a deuteranomalia, ocorre quando os cones M e L se sobrepõem mais do que deveriam. Isso reduz a capacidade das pessoas de distinguir entre as cores nessa faixa, sem afetar a nitidez ou o brilho.
O idioma pode desempenhar um papel na percepção das cores, influenciando a facilidade ou a precisão com que discriminamos as cores, especialmente quando os idiomas diferem na forma como categorizam ou rotulam as distinções de cores. Isso destaca o abismo entre uma propriedade objetiva e o processamento do cérebro.
A diferença entre a experiência subjetiva da cor e os meios físicos e fixos de produzi-la significa que a busca da maioria dos artistas pela tinta “pura” fracassará. O artista britânico Stuart Semple recentemente afirmou que havia recriado a olo em forma de tinta. Ele chamou a tinta de yolo. Mas quando as pessoas olham para ela, os cones M e L são ativados ao mesmo tempo. Uma tinta “pura” ainda é impossível.
O Semple’s Black 3.0, juntamente com outros materiais ultra-pretos, é comercializado como uma tinta preta “pura”. Ela absorve quase toda a luz, usando uma alta concentração de pigmentos que absorvem luz e um aglutinante fosco para minimizar reflexos. Porém, em vez de oferecer uma cor pura, ela remove completamente a cor, proporcionando uma experiência universal de “preto” ao eliminar o estímulo visual.
Na verdade, os artistas sabem que a cor é uma questão de percepção há muito tempo. O artista modernista Mark Rothko era notoriamente meticuloso sobre como seu trabalho era exibido. Rothko insistia que sua obra fosse pendurada em um local baixo, com o mínimo possível de paredes brancas visíveis e com pouca luz.
Ele moldava a experiência de cor que sua obra apresentava ao espectador controlando o brilho, o contraste e o ambiente. Rothko, assim como os cientistas de Berkeley, reconheceu que a cor é uma interação entre o material, a luz e o observador. Não se trata apenas de manipular o que não vemos, mas de projetar o que vemos.
Tenho conduzido um programa de engajamento público, Transcending the Invisible, que reúne cientistas e artistas para explorar ideias científicas por meio da arte. O que mais me chamou a atenção foi o fato de cientistas e artistas compartilharem essa compreensão da cor como experiência.
O futuro da cor
Por que tantos artistas querem patentear o preto mais preto, o azul mais azul ou o rosa mais rosa se eles sabem que a cor não pode ser “pura” com pigmento?
O pesquisador de Berkeley Austin Roorda descreveu a experiência de “uau” ao perceber algo totalmente novo quando viu a olo.
Precisamos aceitar que cores como a yolo de Semple podem criar uma sensação de “uau” semelhante.
O trabalho em Berkeley abre as portas para uma experiência de cor muito mais direta do que jamais tivemos antes. No futuro, cientistas poderão mapear os fotorreceptores e as partes do cérebro que processam as cores, o que lhes permitirá transmitir uma série de experiências diretas e repetíveis ao cérebro das pessoas.
É importante observar que a cor não é apenas um dado sensorial, mas algo que molda a maneira como nos sentimos, lembramos e nos conectamos com o mundo. Artistas como Rothko, Van Gogh e Kandinsky tinham uma compreensão inata disso, que os cientistas só agora estão começando a entender.
Sasha Rakovich recebe financiamento da Royal Society (o Public Engagement Fund PEFR66002 financia o projeto “Transcending the Invisible”).
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