Em recomendação, MP-AC volta a cobrar fiscalização do uso de linha chilena e dá prazo para plano de ação e relatório de atividades


Órgão deu 45 dias para que instituições apresentem planejamento e balanço no cumprimento das leis municipal e estadual que proíbem uso de material cortante na soltura de pipas. De acordo com a lei estadual, uso de cerol ou linha chilena para empinar pipa são proibidos
Arquivo/AEN
O Ministério Público do Acre (MP-AC) voltou a cobrar a fiscalização do uso de linha chilena e publicou uma recomendação com uma série de medidas a serem cumpridas por diversas instituições.
Em publicação no diário eletrônico dessa segunda-feira (18), o promotor Rodrigo Curti, titular da Promotoria Especializada de Tutela e Direito Difuso à Segurança Pública, pede que Polícia Militar, Polícia Civil, Corpo de Bombeiros, Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), Instituto de Defesa e Proteção do Consumidor do Estado do Acre (Procon-AC) e prefeitura de Rio Branco garantam o cumprimento das leis que proíbem linhas cortantes.
Aos órgãos ligados à segurança pública, Procon e prefeitura, o MP deu 45 dias para apresentação de um plano de ação e de um relatório sobre atividades já executadas na fiscalização e cumprimento das leis. No caso da Polícia Civil, a recomendação reforça que em casos de lesões ou morte de pessoas envolvendo cerol, linha chilena e materiais semelhantes, sejam instaurados inquéritos policiais.
O documento cita a lei municipal Nº 2.359/2020, que proíbe a venda de cerol e da linha chilena, utilizados para soltar pipas, e a lei estadual Nº 4.180/2023, batizada de Lei Fernando Júnior Moraes Roca “que estabelece critérios para soltura de pipas, proibindo o uso, a posse, a fabricação e a comercialização de linhas cortantes, compostas de vidro moído, conhecido como cerol, bem como a importação de linha cortante e industrializada obtida por meio da combinação de cola madeira ou cola ciano-acrilato com óxido de alumínio ou carbeto de silício e quartzo moído, ou de qualquer produto ou substância de efeito cortante”.
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“Considerando que o ato de empinar pipas com linha chilena ou linha impregnada de cerol tem o potencial de expor a vida de outrem a perigo direto e iminente, configurando, em tese, o delito tipificado no artigo 132, caput, do Código Penal, com pena de detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano, se o fato não constituir crime mais grave a exemplo dos crimes de lesão corporal culposa ou dolosa ou de homicídio culposo ou doloso”, ressalta a recomendação.
Os órgãos têm 10 dias para informar o MP sobre acatamento ou não da recomendação. Ao g1, a Polícia Militar informou que o trabalho já é feito diariamente pela instituição e que continuará sendo executado. O Procon informou que já faz a fiscalização do comércio para inibir a venda desses materiais, e que vai intensificar o acompanhamento. Já o Corpo de Bombeiros afirmou que vai trabalhar a conscientização sobre o tema em publicações nas redes sociais, e que está apoiando o Procon na fiscalização.
A Sejusp disse que ainda não foi notificada da recomendação, mas que todas as adequações serão feitas.
A reportagem entrou em contato com as assessorias de imprensa da Polícia Civil e prefeitura de Rio Branco, e aguarda retorno até esta publicação.
MP acompanha polêmica
Promotor cobra fiscalização de leis após morte de jovem degolado por linha de cerol: ‘não foi fatalidade, foi um ato criminoso’
Tiago Teles/Asscom MP-AC
Diante da morte do jovem Fernando Moraes Roca Junior, de 25 anos, a família tem tirado forças para reforçar o debate sobre a proibição do uso de linhas de cerol e chilena na prática de solar pipas. O jovem morreu no dia 5 de outubro após ser atingido por uma linha com cerol no pescoço em uma avenida movimentada em Rio Branco. Mesmo com leis proibindo o uso das linhas cortantes, o uso delas segue indiscriminado e sem punição no estado.
Nessa sexta-feira (10), uma audiência pública ouviu familiares e amigos da vítima sobre o tema e contou também com a fala do promotor de Justiça Rodrigo Curti, titular da Especializada de Tutela do Direito Difuso à Segurança Pública, que uso a tribuna para cobrar que haja fiscalização e responsabilização para aqueles que ainda insistem em usar linhas cortantes ao soltar pipas.
Curti iniciou destacando que o Ministério Público segue acompanhando o caso e cobrando uma resposta para a morte do jovem, uma vez que existe leis que criminalizam o uso das linhas.
“Para o MP, não foi uma fatalidade, foi um ato criminoso que precisa ser apurado e responsabilizado o autor. A ideia não é criminalizar o ato da soltura de pipa, mas é responsabilizar aqueles que, de forma irresponsável e criminosa , utilizam de material cortante para soltura de pipas”, disse.
Ele pontuou que a cultura da pipa é algo forte no estado, mas que o uso de produtos já criminalizados não pode mais ser normalizado isso porque, segundo destaca o promotor, houve uma mudança desse comportamento.
“Não podemos aceitar que determinado comportamento seja aceito pela sociedade, porque sabemos do risco potencial que ele causa. Não é criminalizar a soltura de pipa, a confecção, isso é muito legal, bonito, o que não podemos aceitar são os materiais cortantes que colocam a vida de outras pessoas em risco de forma irresponsável e criminosa. Estamos falando de homicídio, isso não é uma fatalidade.”
Em sua fala, o promotor destacou ainda que já enviou ofícios para diversas secretarias questionando sobre a responsabilidade da fiscalização da lei e que não recebe respostas. “Não vejo dificuldade de cumprir a lei, vejo falta de vontade e política. Por isso, [vereadores] ajudem o MP nesse sentido”, completou.
Curti disse ainda que uma nova reunião seria feita para que sejam decididas algumas ações.
“O grande desafio do Ministério Público, primeiro, é que haja uma fiscalização efetiva. Nós temos que cobrar dos órgãos municipais que haja fiscalização. Então, acho que é preciso vontade política, num primeiro momento, para que essa fiscalização aconteça. E outro desafio é a criação desses espaços adequados para que haja então a prática desse esporte, o incentivo, inclusive, campeonatos, que é muito bacana. Vamos trabalhar com os entes públicos, com o poder Executivo, para que haja campanhas preventivas nesse sentido de orientação à população”, salienta.
Familiares e amigos acompanharam audiência pública na Câmara Rio Branco
Tiago Teles/Ascom MP-AC
‘Queremos Justiça’
O pai de Fernandinho, Fernando Moraes Roca se emocionou por várias vezes durante audiência pública. Em sua fala, pediu Justiça e que as leis saiam do papel.
“Quando acontece na vida dos outros, é impressionante, que a gente sabe que alguém foi cortado por uma pipa e segue a vida. Nunca achamos que vai acontecer com a gente. Estamos pedindo aqui três coisas: justiça, queremos que a justiça identifique porque o material que ele utilizava é contrabando, criminoso; um local adequado para eles (pipeiros) e fiscalização da lei, tanto municipal e estadual”, disse.
Ele destacou ainda que o filho era um jovem querido por todos, que nunca havia se envolvido em confusão e que não tinha inimigos.
O discurso contra o uso das linhas cortantes foi reforçado pelo presidente do Sindicato dos Mototaxistas, Eriberto da Silva. Ele disse que os casos envolvendo incidentes com a linha chilena e de cerol são incontáveis.
“Corremos um grande risco nessa situação. Não somos contra nenhum tipo de profissão, somos contra o uso das coisas que são ilegais e colocam em risco as pessoas que usam as vias públicas. Esse material que foi usado no acidente do Fernandinho é um material muito perigoso, já passamos por vários casos desse tipo. Tanto que na nossa categoria é exigido uma antena corta pipa para evitar isso”, esclarece.
A assessora jurídica da Secretaria de Meio Ambiente, Hellen Nogueira, disse que o poder Executivo se compromete em fazer ações de conscientização com jovens e crianças para que entendam o perigoso do uso dessas linhas.
“Foi uma fatalidade de grande relevância para nossa comunidade. A nossa gestão municipal se compromete que no ano de 2024 nossas ações sejam implementadas de políticas públicas de conscientização dos nosso jovens, através de escolas, visitas guiadas. Nossa escola de educação ambiental atingiu 22 mil crianças jovens e adolescente este ano. Em 2024 queremos atingir 40 mil crianças com esse tema”, garantiu.
Fernando Moraes Junior tinha 25 anos, era empreendedor e filho do dono de uma distribuidora na capital acreana
Arquivo pessoal
‘Peço perdão’
Aldecino Fernandes da Silva, presidente da Associação dos pipeiros do Acre, iniciou pedindo perdão ao pai e familiares da vítima.
“Ficamos de luto pela família do Fernando. A gente já pediu um espaço afastado da cidade, a gente vai nos bairros e pede pra sair, do jeito que tem pipeiro consciente tem os piratas. Hoje brincamos na arena, todo pipeiro consciente vai pra lá, não é o local adequado, mas é o melhor local que temos. A morte do Fernandinho foi uma fatalidade, mas era esperado, porque falamos para sair da rua, mas não saem”, destacou.
Ele disse ainda que aos fins de semana chegam a se reunir na Arena da Floresta cerca de 3 mil pessoas.
“Em nome de todos os pipeiro, eu peço perdão, mas saibam que todos os pipeiros organizados ficaram de luto e pedimos um local longe das avenidas, longe do centro. Se a gente tivesse esse espaço, o Junior não tinha morrido”, disse.
Investigações e leis
Testemunhas seguem sendo ouvidas na investigação que apura as circunstâncias do caso. Ainda no dia 8 de outubro, o Ministério Público solicitou abertura de um inquérito policial, e o caso é investigado pela Delegacia da 4ª Regional, no bairro Tucumã.
“A autoridade policial que está presidindo o inquérito é o doutor Pedro Rezende. O inquérito está em fase de análise de fatos, de identificação de autoria. Já ouviram testemunhas, foram ouvidos os familiares da vítima. Inclusive, os familiares da vítima estão assistidos por um advogado, que está também colaborando com as investigações. E o inquérito está tramitando, é um crime de difícil elucidação, depende de provas testemunhais. O fato é que, para nós, o que interessa é que o inquérito está tramitando, inclusive eles vão ouvir testemunhas agora na próxima segunda-feira (13)”, explicou Curti.
Há mais de três anos desde que a Lei Municipal Nº 2.359/2020 foi sancionada, proibindo a venda de cerol e linha chilena na capital do Acre, Rio Branco, a falta de fiscalização tem deixado a população vulnerável aos perigos desses materiais cortantes. A recente tragédia que tirou a vida de Fernando Junior lança uma luz sobre a ineficácia das medidas adotadas até o momento.
À época da morte do jovem, a prefeitura de Rio Branco informou que as secretarias municipais iriam se reunir para discutir sobre o assunto e definir quem vai ficar responsável pelo cumprimento da lei e fiscalização. A reportagem tenta contato com a assessoria de imprensa da prefeitura para saber se houve alguma definição e não obteve retorno até esta publicação.
Após a tragédia, no dia 10 de outubro, os deputados estaduais do Acre aprovaram a lei 4.180, que foi sancionada, um dia depois, no Diário Oficial do Estado (DOE) pelo governador Gladson Cameli e recebeu o nome de Fernandinho. Entre as medidas propostas, a lei pede a regulamentação de espaços exclusivos para a prática da atividade.
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