Pai solo consegue licença-paternidade de 6 meses para cuidar do filho adotivo no Acre: ‘criar memórias’


Promotor de Justiça do Acre Thalles Ferreira Costa, de 42 anos, entrou com o pedido de licença no MP-AC para cuidar do filho adotivo. Promotor Thalles Ferreira conseguiu licença de 180 dias para cuidar do filho
Arquivo pessoal
“Tive sorte de encontrá-lo. A vida precisava de sentido e a paternidade mudou radicalmente minha vida. Já não tenho tempo para tristeza, depressão, angústia. Meu tempo é dedicado a construir uma relação com meu filho, criar memórias com ele”.
O depoimento dado ao g1 é do promotor de Justiça Thalles Ferreira Costa, de 42 anos, que conseguiu a guarda definitiva do filho, de 11 meses, em dezembro do ano passado após o processo de adoção e se tornou pai solo. Com a sentença em mãos, o promotor deu entrada na licença-paternidade no Ministério Público do Acre (MP-AC) e conseguiu 180 dias para cuidar do filho.
Pela legislação brasileira, trabalhadores com carteira assinada e servidores públicos federais têm direito a uma licença de apenas 5 dias após o nascimento de um filho. Esse direito se estende a casos de adoção. Fora isso, a licença era estendida no caso de trabalhadores de empresas adeptas ao Programa Empresa Cidadã, que ampliava o benefício para 180 dias para as mães e para 20 dias para os pais.
Em maio de 2022, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu por unanimidade que servidores públicos que sejam pais sozinhos, sem a presença da mãe, têm direito a licença de 180 dias.
Foi baseado nessa decisão que Thalles fez o pedido na procuradoria-geral do MP-AC para aproveitar os primeiros meses de convívio com o filho, levá-lo para conhecer os avós, tios e primos pessoalmente em Minas Gerais (MG), sua terra natal, e estreitar a relação de pai e filho.
“Isso é um direito para todo mundo, pra quem trabalha na iniciativa privada, no setor público. Todo pai que adota sozinho e vai se dispor a ter um filho tem o direito de licença igual a mulher tem. Tem a licença-paternidade que é de 20 dias, mas é para quem está casado, tem uma esposa que já saiu da licença de 180 dias. Mas, a pessoa que está sozinha com a criança, que vai criar, independente da função, tem esse direito”, destacou.
Criança está com 11 meses e vive com o pai em Sena Madureira, interior do Acre
Arquivo pessoal
Sonho em ser pai
Thalles da Costa é promotor de Justiça do MP-AC há oito anos e se mudou para o estado acreano após ser aprovado no concurso para o cargo. Atualmente, atua na comarca de Sena Madureira, interior do Acre. O sonho em ser pai sempre existiu, mas foi deixado de lado por um tempo para focar nos estudos e passar em um concurso público.
Em 2023, a vontade de construir uma família voltou e ele optou por se cadastrar no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) para realizar o sonho de ser pai. Seis meses após o cadastro, o promotor recebeu uma ligação que mudaria sua vida completamente.
“A criança estava no abrigo de Sena Madureira desde o primeiro mês. Quando teve o poder familiar destituído, me ligaram, eu era o segundo da fila, tinha um casal na minha frente, que chegou a devolver a criança, me ligaram e aceitei. Fiquei com a guarda provisória dele por 81 dias. Continuei trabalhando, não pedi a licença antes da sentença definitiva, tive uma rede de apoio mínima, apenas uma babá. Ele nunca dormiu com outra pessoa, quem cuida dele sou eu, troco, dou banho, dou a fórmula e vivo, de fato, a paternidade”, contou.
Dados da Coordenadoria da Infância e Juventude (CIJ) do Tribunal de Justiça do Acre (TJ-AC), repassados pelas comarcas, mostram que 62 crianças e adolescentes foram adotados no estado em 2023, sendo a maioria dos processos concluídos na capital Rio Branco, com 38 adoções.
Pai e filhos passaram festas de fim de ano com a família em Minas Gerais
Arquivo pessoal
Além da capital, outras oito cidades tiveram adoções concluídas: Cruzeiro do Sul, Sena Madureira, Senador Guiomard, Xapuri, Epitaciolândia, Plácido de Castro, Tarauacá e Mâncio Lima.
Assim como outros candidatos à adoção, o promotor passou por um curso preparatório e também foi avaliado pelas equipes da Justiça para saber se tinha condições de adotar uma criança. “Quando saiu a sentença definitiva, que foi em dezembro, logo fui no cartório para elaborar uma outra certidão de nascimento dele, com o documento e a sentença, pedi ao procurador de Justiça uma licença nos moldis da licença maternidade, que são 180 dias”, confirmou.
O promotor explica que o período concedido será usado para cuidar exclusivamente do filho, criar memórias afetivas, para que os dois se conheçam, estreitem os laços familiares e descubram juntos o poder do amor de pai e filho.
“A gente não ama instantaneamente nossos filhos, ama no dia a dia, quando estamos dando banho, tentando acalmar, colocando pra dormir. Nesses momentos que vamos construindo os laços de amor. Sinto isso a cada dia, a cada cuidado que tenho com ele. Esse período é para criar memórias, ter um tempo com meu filho”, disse.
Ainda segundo o servidor público, o filho chegou no momento planejado e mais esperado da vida. “Cheguei a pensar que não daria conta, é difícil, mas a gente dá conta. É um preparo muito grande, leio muito sobre isso, faço terapia para aprender sobre tudo e vou abrindo a cabeça. É abdicação de muita coisa, tenho ciência das minhas responsabilidades, de educar, criar e garantir tudo para ele. É uma experiência muito nova, às vezes desesperadora, mas que compensa muito”, afirmou.
Perrengues da paternidade
Thalles e o filho passaram a conviver quando a criança estava no sexto mês. Na primeira semana juntos, o pai descobriu que o bebê estava com os dentes nascendo e passou pelo primeiro susto da paternidade.
“Estava muito irritado, teve febre e eu já fiquei desesperado ligando para a médica. Ele é uma criança saudável, faz consultas, mas meu desespero foi quando o dentinho saiu e pensei: ‘meu Deus, o que faço agora?'”, relembrou.
Promotor Thalles sempre sonhou em ser pai e buscou o caminho da adoção para realizar o desejo
Reprodução
Em dezembro, o promotor passou as festividades com a família em Minas Gerais. O filho foi apresentado a toda parentela e virou o ‘xodó’ do avô. Depois, pai e filho viajaram para São Paulo e atualmente estão na Bahia conhecendo a praia.
Thalles diz que precisa ter um cuidado redobrado com o filho porque ele é super simpático e quer ir para o colo de todo mundo. “Quando chego na praia, cavo um buraco e coloco ele dentro. Morro de medo porque ele dá tchau para todo mundo, dá o braço. O medo que tenho não é com questão de dinheiro, é de tempo, abdicação e de cuidado 100%. Ele é um bebê muito esperto, então, piscou ele está longe ou com alguém. É cuidado dobrado”, destacou.
Pai de promotor também foi adotado
A adoção de crianças está na família de Thalles antes mesmo dele decidir adotar um filho. O pai dele, atualmente com mais de 70 anos, foi adotado pequeno, mas acabou passando por maus-tratos e sofrimentos na família adotiva. O promotor cresceu ouvindo as histórias que o pai contava sobre a infância, o que, para ele, fez despertar o desejo de adotar e fazer diferente.
“Venho de uma família de muitos primos, crescemos juntos. Cresci ouvindo a história do meu pai, que foi dado a uma mulher, durante uma adoção irregular. Ela deu um nome pra ele e pagava uma pessoa pra cuidar dele. Terceirizou a maternidade, então, foi criado em outra casa com outra mulher e os filhos dela o maltratavam. Ele vivia fugindo para a casa dos vizinhos. Passou a infância assim até a adolescência, quando foi pra Brasília sozinho e virou engraxate. Um cliente o levou para casa, mas a mulher que deu o nome pra ele foi buscá-lo”, recordou.
O servidor público conta que o pai, quando foi apresentar o neto para um amigo, falou emocionado sobre o gesto que o filho teve em adotar uma criança, assim como ele tinha sido adotado.
“Meu pai não largava o menino, nem o menino ele. Quando meu pai saía, ele já saía atrás correndo. Ele andou com nove meses, então, já saía atrás do meu pai. Somos três irmãos e minha mãe vivia dizendo que queria adotar uma menina. Meus irmãos têm filhos, e apenas eu não tinha filho. Participei muito da criação dos meus sobrinhos, participei da paternidade dos meus irmãos, mas sempre tive vontade”, revela.
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