Vendedora de frutas que estudava em tenda enquanto trabalhava é aprovada em 4º lugar em concurso no AC: ‘Ser professora motivadora’


Roseli de Araújo Pereira, de 40 anos, parou de estudar na 4ª série, ficou 15 anos sem estudar e desde 2011 decidiu mudar de vida através da educação. Autônoma participava das aulas online na própria barraca de frutas para se preparar para concurso de pedagoga em Assis Brasil e foi aprovada. “Pulei de alegria, felicidade, porque é a realização de um sonho”, fala. Roseli de Araújo estudava nos momentos livres em sua barraca
Arquuvo pessoal/Roseli de Araújo
Quem passa em frente à barraca de frutas da dona Roseli de Araújo Pereira, localizada no Loteamento Santo Afonso, às margens da BR-364 em Rio Branco, talvez nem imagina que a vendedora realizou um sonho que começou enquanto vendia seus produtos: a aprovação em um concurso público para professora em Assis Brasil, no interior do Acre.
A autônoma que tem uma rotina pesada com a venda de frutas há três anos com seu marido, estudou e se preparou através de um cursinho online em seus momentos livres no trabalho. Ela foi aprovada em quarto lugar e agora aguarda a convocação.
Roseli conta que nasceu em uma família muito humilde, com recursos financeiros limitados. Ela define sua infância como ‘difícil’. Quando era criança, relata que não recebeu incentivos da família para estudar. Criada por uma mãe solo que precisou trabalhar para criar os filhos, ela não foi ensinada sobre a importância de estudar para conseguir empregos melhores no futuro.
“Muito cedo eu larguei meus estudos, parei de estudar. Abandonei na quarta série e passei 15 anos sem estudar. Nesse percurso eu sofri muito, porque hoje em dia, a vida da gente que não tem uma profissão, que não tem estudo, não tem uma formação, é bem difícil, né?”, questiona.
A autônoma relata que teve que aprender a sobreviver no mundo. Após o nascimento de seu filho, Roseli trabalhou em várias áreas, mas por conta das dificuldades, decidiu trabalhar como autônoma.
“Sou casada há 13 anos, e junto com ele fizemos essa barraquinha. Ali [na barraca] a gente luta todos os dias, para trazer o nosso pão de cada dia para casa. Eu e meu esposo, a gente tem uma vida bem sofrida mesmo, porque não é fácil a gente trabalhar dessa forma como nós trabalhamos. Nós acordamos às 4h da madrugada, as vezes às 3h, para poder ir no Ceasa para conseguir comprar frutas com o preço melhor, para poder revender na barraquinha. Do Ceasa, a gente já vai direto para a barraquinha. A gente monta tudo, e passamos o dia lá vendendo”, diz.
Além do horário, muitas outras dificuldades são enfrentadas pelo casal. Em época de chuvas, os dois se molham, a tenda também e chega até mesmo a ser derrubada pelos temporais. Foi assim que uma chama de mudança foi acesa dentro de Roseli, a fim de mudar de vida. A única solução que ela via, era voltar a estudar. “Comecei a pensar em voltar a estudar, porém devido as dificuldades eu achava muito difícil, achava quase que impossível, mas dentro de mim existia aquela vontade de mudar de vida, de melhorar, de sair daquela situação”, conta.
De galho em galho
Após 15 anos sem frequentar as salas de aula, Roseli voltou aos estudos em 2011, através do Telecurso 2000, um sistema educacional de educação a distância. O segundo passo foi realizar o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja), até que ela conseguisse concluir o ensino fundamental. O ensino médio também foi concluído através do Encceja, e ela começou a sonhar mais alto.
“Meu irmão mais novo conseguiu fazer uma faculdade. Ele se formou e hoje em dia vive bem e eu comecei a me inspirar nele. Eu olhava pra ele e pensava que se ele tinha conseguido, eu também poderia. Ele sempre me motivava muito para que estudasse. Eu coloquei na minha cabeça que eu iria fazer uma faculdade, porém achava difícil porque não tinha dinheiro para [pagar] uma faculdade”, relembra.
A vendedora de frutas então decidiu fazer o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e obteve uma nota que a possibilitou uma bolsa 100% integral no curso de Pedagogia em uma faculdade particular através do Programa Universidade para Todos (ProUni). Ela sempre teve o sonho de ser professora e de poder motivar as crianças de uma forma que ela não foi motivada.
“Depois que eu ganhei essa bolsa, pelo Prouni, ficou bem difícil, porque eu teria que cuidar de casa, teria que trabalhar na banquinha, acordar cedo e ir pro Ceasa, passar o dia na banquinha e estudar. E assim, aos trancos e barrancos, eu fui, fiz a faculdade, e graças a Deus, consegui concluir. Eu sempre quis ser professora. Trabalhar, exercer a minha profissão. Nunca quis fazer uma faculdade para ficar parada ou para trabalhar em outra coisa. Eu queria exercer [a pedagogia] mesmo”, diz.
Roseli descreve que seu esposo foi seu maior incentivador em todas as fases. “Ele sonhava comigo. Se não fosse ele eu não teria conseguido”, frisa.
Roseli investiu todo dinheiro que sobrava em cursos e livros para se capacitar para o concurso
Arquivo pessoal
Concurso
Depois da faculdade, Roseli fez três pós-graduações e decidiu levar seu sonho adiante: ser professora concursada. Roseli então pagou um cursinho online e começou sua nova batalha.
“Quando eu estava em casa, nos períodos que a gente vinha para casa para descansar, eu usava essas horas para poder aprender. Lia bastante, usei plataformas de estudo, fiz pré-concurso. Comecei a estudar presencialmente e ficava muito difícil para mim porque eu não podia ir para os cursos, então eu fazia pré-concurso online. Usava o Google Meet e às 7h eu já tinha que entrar em sala de aula, então muitas vezes eu estava lá na banquinha de frutas ainda. E, às vezes, não dava tempo de eu chegar em casa, e eu estudava lá mesmo. Eu levava meus livros, pegava os caixotes da banana, colocava meus livros em cima e ia estudar, com aquela esperança de que um dia eu ia passar. Era cansativo, era pesado, mas eu sabia que eu não poderia parar”, revela.
Roseli conta que todo dinheiro que sobrava, investia em vários cursos e livros. “Eu sabia que aquilo ali não era um gasto, e sim um investimento, e ali eu fui estudando, tentando melhorar onde eu não estava bem, e me inscrevi para esse concurso do município de Assis Brasil, era efetivo, e comecei a estudar, comecei a intensificar minhas rotinas de estudos”, destaca.
A partir de então, ela focou no cursinho online para ir bem nas questões específicas desse concurso. O professor Dudu, que é o dono do cursinho preparatório, fala que a história de Roseli se torna inspiração para outros alunos que estudam no local.
“Para a gente que trabalha nesse ramo do concurso público, [isto] é o que a gente prega muito para as pessoas: não tem essa de idade, de classe social, se você já trabalha, se não trabalha. O importante é que toda vez que você tem esse objetivo e se dedica, cada um e qualquer pessoa é capaz de passar no concurso público. E o concurso público, ele tem essa vantagem de mudar, literalmente, a vida das pessoas. E eu sou a prova viva. Sou filho de pai e mãe semianalfabeto, mal conseguem ler o nome. E foi o concurso público que conseguiu mudar a minha vida completamente”, diz.
Professor Dudu diz ainda que o depoimento de Roseli mostra que não importa quanto tempo tenha parado de estudar, mas que a partir do momento em que se decide mudar de vida, a aprovação deixa de ser sonho e torna-se realidade.
“A gente poderia ter dado as melhores aulas, os melhores materiais, mas isso só foi possível, porque primeiramente ela decidiu que ela queria aquilo que ela queria. Então, assim, ela não colocou obstáculo. Ela relata para a gente que ela começou nas nossas turmas presenciais, mas hoje também, graças a Deus, a gente também fornece na modalidade online, que tem sido uma benção na vida de várias pessoas, igualmente foi na vida da Roseli, porque por um motivo ou outro, elas não conseguem, seja por localidade, seja por questão de trabalho, comparecer no presencial”, explica.
Aprovação
No dia da prova, Roseli estava muito doente, com dengue. A autônoma conta que estava com uma fraqueza muito grande e que ficou com medo de passar mal dentro do ônibus na ida para realizar o concurso. Quando saiu o resultado com a aprovação, Roseli ficou muito feliz. Ela foi aprovada no concurso para professor efetivo do município de Assis Brasil, no interior do estado.
“Consegui alcançar o quarto lugar e fiquei muito feliz mesmo porque na parte de conhecimento específico consegui gabaritar, eram 20 questões, acertei todas as 20, então quando eu cheguei em casa que eu fui conferir minha prova, e nossa… pulei de alegria, felicidade, porque é a realização de um sonho”, comemora.
Para quem está começando a estudar para concursos, Roseli diz que o processo é difícil mas o importante é não desistir. “Se você tiver um objetivo no seu coração, se você perseverar, se você lutar, você vai conseguir. Por maiores as dificuldades que nós passamos, mas a pessoa que estuda para concurso tem que ter em mente que ela não estuda para passar. Ela estuda até passar. Então tem que haver perseverança”.
Ela fala ainda que é importante não se importar para a opinião de outras pessoas que tentam desmotivar. “Às vezes a pessoa fala que você não vai conseguir, que você não é capaz. As pessoas falam muitas coisas para nos entristecer, mas quando a gente resolve estudar para o concurso, a gente tem que ter em mente o nosso objetivo”, orienta.
Futuro
A nova concursada aguarda a convocação, e diz que apesar de todas as dificuldades financeiras, está vendendo seus bens para que possa assumir a vaga.
“Estou com esses planos de ir para Assis Brasil, exercer minha função, tomar posse do meu cargo, e aproveitar o tempo que eu vou ter disponível para estudar cada vez mais. Minha vontade é essa, de alcançar aquilo que eu sempre almejei no meu coração, que é você ser reconhecido pela sua função, poder dar uma condição melhor para a sua família. Então, meu sonho é esse, e além disso, poder motivar as crianças, ser uma professora motivadora”, finaliza.
Vendedora de frutas, Roseli diz estar feliz por ter conseguido a aprovação para ser professora em Assis Brasil
Arquivo Pessoal
VÍDEOS: g1

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