Lula e Bolsonaro já defenderam venda direta de combustíveis em meio a alta de preços; entenda por que ideia não sai do papel


Diesel e gasolina encareceram com a desvalorização do real e alta dos biocombustíveis. Especialistas explicam que uma série de fatores, inclusive de livre concorrência, inviabilizam a prática. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) criticou nesta semana o preço dos combustíveis e defendeu a venda direta pela Petrobras aos consumidores.
Em 2020, quando conflitos internacionais pressionavam o preço dos combustíveis, o então presidente Jair Bolsonaro (PL) também defendeu excluir “intermediários” e permitir a venda direta dos combustíveis à população.
A medida, no entanto, é inviável por uma série de questões logísticas e de livre concorrência, de acordo com os especialistas consultados pelo g1.
Entenda nesta reportagem:
Por que a ideia não vai adiante?
Por que os combustíveis estão caros?
Polícia Federal vai investigar distribuição de combustíveis
Por que a ideia não vai adiante?
Especialistas consultados pelo g1 apontam alguns fatores:
a Petrobras é uma empresa de capital misto, com acionistas privados;
a Petrobras não tem mais uma distribuidora. O governo privatizou a BR Distribuidora em duas etapas, em 2019 e 2021;
a companhia não pode vender combustíveis diretamente, sem ter uma distribuidora autônoma –conforme regulação da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP);
o mercado de combustíveis é aberto no Brasil. Ou seja, mesmo que tivesse uma distribuidora, a Petrobras não poderia praticar preços menores sob risco de ser investigada por práticas anticoncorrenciais.
“A Petrobras não é uma empresa totalmente estatal, ela tem uma participação privada relevante e uma governança do mercado financeiro que tem que ser respeitada”, afirma o professor e pesquisador da PUC-Rio, Edmar Almeida.
Além disso, a companhia não tem mais um braço de distribuição para fazer a venda direta aos consumidores.
A BR Distribuidora foi privatizada completamente em 2021, no governo Bolsonaro, quando a Petrobras se voltava exclusivamente para o mercado de exploração e produção de petróleo.
Sem uma distribuidora, a Petrobras não pode vender combustíveis aos consumidores finais.
“A regulação atual da ANP não permite que um produtor de derivados, qualquer que seja, venda diretamente para um consumidor final. […] A ANP teria que autorizar isso, modificando a regulação existente hoje que determina o papel de cada agente dentro da cadeia de abastecimento de combustíveis”, disse o sócio da Leggio Consultoria, Marcus D´Elia.
Mesmo que tivesse uma distribuidora, a Petrobras não poderia praticar preços menores sob o risco de ser questionada pelos órgãos de defesa da concorrência.
“Se a ideia do governo é simplesmente vender um produto mais barato, num mercado que tem concorrência, isso pode ser contestado do ponto de vista da defesa da concorrência, como dumping, esse tipo de coisa”, destaca Almeida.
Governo aprovou testes para aumentar proporção de etanol anidro na gasolina
Reprodução/EPTV
Por que os combustíveis estão caros?
A ideia de Lula de eliminar os intermediários na venda de combustíveis passa pela crítica à atuação dos postos e das distribuidoras, que, segundo ele, “assaltam o consumidor”.
Segundo D’Elia, distribuidoras e postos têm uma margem de lucro, combinada, de cerca de 12%.
“Ou seja, os dois agentes, a distribuidora e a revenda, repartem aí 12% do valor do produto como margem [de lucro]. A gente não consegue precisar quanto está de um lado e quanto está do outro, mas é em torno disso, o que não é abusivo. Pelo contrário, é uma margem até apertada”, declarou.
Almeida, da PUC-Rio, explica que a margem de lucro das empresas permanece estável, enquanto outros fatores elevam o preço dos combustíveis.
O pesquisador cita a desvalorização do real frente ao dólar e o aumento do preço dos biocombustíveis — que são adicionados ao produto fóssil para consumo.
“Esses produtos, biodiesel e etanol, são commodities. Eles variam de acordo com o preço do mercado internacional também e são bem voláteis. O preço do biodiesel [adicionado ao diesel fóssil] subiu muito porque o preço do óleo de soja, que é a matéria-prima, subiu. Isso também impacta”, declarou.
O preço do barril de petróleo também é outro fator que afeta a variação do valor dos combustíveis.
“Essa questão dos combustíveis vem sendo discutida desde o início da guerra da Ucrânia. Naquele momento, a gente teve um salto do preço do petróleo, naturalmente do preço do diesel e da gasolina no mercado internacional. E isso se estabilizou num patamar alto”, disse D’Elia.
O especialista afirma que, se o governo quiser reduzir o preço dos combustíveis, seria preciso diminuir as alíquotas de impostos para “amortecer o efeito” do valor alto do petróleo, agravado pela desvalorização do real.
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