Entregador de app preso por mais de 40 dias ganha liberdade após contradição de PMs; entenda


Homem de 30 anos era acusado de tráfico de drogas em Santos (SP). Justiça entendeu que PMs apresentaram versões diferentes sobre o flagrante. Homem foi preso próximo ao conjunto habitacional BNH, em Santos (SP)
Matheus Tagé/Arquivo A Tribuna Jornal
Um entregador de aplicativo, de 30 anos, foi absolvido da acusação de tráfico de drogas depois de passar mais de 40 dias preso e ser denunciado pelo crime em Santos, no litoral de São Paulo. Conforme apurado pelo g1 neste domingo (26), a decisão da Justiça foi baseada nos relatos dos dois PMs responsáveis pela prisão, que apresentaram versões diferentes sobre o flagrante.
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“As contradições nos depoimentos dos policiais militares não oferecem certeza a respeito da dinâmica dos fatos aqui apurados, não se prestando ao desfecho condenatório”, declarou a juíza Silvana Amneris Rôlo Pereira Borges, 1ª Vara Criminal de Santos.
O homem, que terá a identidade preservada, foi denunciado pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP) por tráfico de drogas, mas a juíza considerou que não havia prova suficiente para declarar a condenação dele. A decisão foi publicada no dia 21 de janeiro.
A defesa do réu celebrou a sentença e elogiou a postura da juíza por se atentar ao processo ao invés do “clamor social pelo combate às drogas”. “A defesa conseguiu demonstrar, através das perguntas realizadas aos militares, que não havia harmonia entre seus depoimentos, colocando em dúvida a realidade dos fatos ali verificados”, explicou a advogada Isamara Freitas Oliveira.
Isamara atuou no processo penal ao lado da advogada Ianca Lamas Luiz. “Pelas regras entabuladas em nossa Constituição, especialmente pelo princípio da presunção de inocência, havendo dúvida, o acusado deve ser absolvido. […] Nesse caso, a justiça foi feita”, celebrou ela.
Procurado pelo g1, o MP-SP alegou que ainda não tomou ciência da sentença oficialmente. O órgão acrescentou que aguarda a intimação para “tomar as providências cabíveis”.
Prisão
O entregador de aplicativo foi preso em flagrante na Rua Alexandre Martins, no bairro Aparecida, em julho de 2024. Conforme registrado em boletim de ocorrência (BO), ele conduzia uma motocicleta e tentou fugir ao notar a presença dos dois agentes.
Na ocasião, os PMs afirmaram que viram o homem arremessar uma sacola com drogas no chão. Desta forma, a equipe realizou a abordagem e localizou R$ 2,8 mil em espécie e um celular com o então suspeito.
Ainda segundo o BO, a sacola foi encontrada durante buscas no local e, dentro dela, haviam 200 g de haxixe e 2g de maconha.
Em depoimento, o réu alegou que o dinheiro era fruto do trabalho no pet shop da tia e também das entregas por app. Ele confessou ser usuário de maconha e afirmou que estava a caminho do conjunto habitacional do BNH (veja imagem acima) para comprar a droga para consumo pessoal.
O réu disse que foi surpreendido pelos policiais, que anunciaram a prisão logo após ouvirem que ele compraria maconha. Apesar disso, ele ressaltou que a sacola com as drogas não foi apresentada no momento da voz de prisão.
O entregador foi preso em flagrante no dia 10 de julho e as advogadas assumiram a defesa dele no dia 22 de agosto. “Impetrei habeas corpus para o STJ [Superior Tribunal de Justiça] a fim de substituir a custódia preventiva por medidas cautelares diversas da prisão, que foi concedida liminarmente”, afirmou Isamara, acrescentando que o cliente foi solto no dia 27 de agosto.
Contradições
De acordo com o processo, as declarações prestadas pelos PMs em juízo destoaram significativamente do relato que fizeram à autoridade policial no momento do registro da ocorrência.
Na delegacia, os agentes narraram que o acusado arremessou ao chão uma sacola contendo a droga durante a fuga de motocicleta,.
“No contraditório, entretanto, os policiais militares apresentaram versão diversa, relatando que a droga aprendida estava no interior de uma mochila térmica de entregas, conhecida como bag, mochila essa que o acusado trazia consigo no momento da abordagem”, esclareceu a juíza.
Nos depoimentos da fase judicial, os policiais também apresentaram versões contraditórias. O motivo da abordagem foi um dos pontos diversos: um agente afirmou que o acusado havia ultrapassado o semáforo vermelho, enquanto o outro alegou ter estranhado a velocidade dele ao passar por tartarugas, por exemplo.
“Quando coerentes as declarações dos agentes da autoridade, seus depoimentos são válidos para sustentar a condenação. Todavia, não havendo harmonia entre esses depoimentos, e sendo estes os únicos elementos de prova, não há como subsistir o decreto condenatório”, argumentou a juíza.
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