Stalker presa: áudios e imagens mostram como pesadelo online migrou para a vida real


Durante cinco anos, a ex-paciente professora de música perseguiu dentista pessoalmente e pela internet. Stalker presa: áudios e imagens mostram como pesadelo online migrou para a vida real
Reprodução
A história que nós vamos contar agora começou quando Priscila, uma professora de música, procurou atendimento de um dentista, o Felipe. Depois das consultas, a vida dele nunca mais foi a mesma. Priscila desenvolveu uma obsessão por Felipe. Durante cinco anos, a ex-paciente o perseguiu pessoalmente e pela internet. Invadiu o prédio onde ele morava e publicou xingamentos e até ameaças de morte nas redes sociais. Esta semana, Priscila foi presa pelo crime de stalking.
“Ela foi minha paciente, teve o primeiro atendimento. Na época eu fazia basicamente procedimentos de implante dentário. Ela começou a querer frequentar a clínica mais vezes do que deveria, mais do que precisaria”, lembra Felipe.
O pessoal da clínica odontológica percebeu que o comportamento da paciente Priscila era estranho. Tudo começou em 2019. Nessa época, Felipe atendia como dentista em Itajaí, Santa Catarina. O tratamento chegou ao fim, mas, segundo Felipe, Priscila queria continuar mantendo contato fora da clínica.
“Entrava lá no Facebook, ia ver. Um milhão de mensagens. De todos os jeitos, que me amava.”
Além de mandar mensagens privadas, Priscila também usava a sua rede social. Ela é professora de violino e também aparece tocando piano. Entre uma postagem e outra, vídeos mencionando o Felipe.
“Oi, amor da minha vida, mais um dia dos namorados. Felicidade, que saudade de você. Te amo, meu eterno enamorado.”
“Ela tem uma fantasia. E ela tem detalhes disso”, diz Felipe.
“Que vontade de estar grudadinha na nossa casa, logo”, diz ela, em um vídeo.
“Então, assim, são coisas absurdas que você tenta entender e não tem como entender’, afirma o dentista.
Repórter: Teu contato com ela sempre foi profissional?
Felipe: Profissional. As pessoas imaginam, né? “Cara, o que essa pessoa fez pra ela ter feito isso? Provavelmente teve um caso, fez alguma coisa.” E ninguém imagina ou percebe que a pessoa assim pode desencadear isso, do nada.
As mensagens começaram a mudar de tom em 2023, quando Bruna entrou na história.
“Eu quero que você morra, morra, morra e pague por tudo que fez na minha vida. Sua p* invejosa, mau caráter, prostituta, invejosa, destruidora de vidas”, diz Priscila em um áudio.
“Quando a gente começou o nosso relacionamento, uma das primeiras coisas que eu falei para ela foi assim: olha, eu tenho uma pessoa que me persegue”, lembra Felipe.
“As ameaças surgiram após o Felipe, após eu postar várias coisas na rede social”, diz Bruna. Aí, Bruna também passou a ser alvo de perseguição.
“Você não tem um pingo de amor próprio de dizer que o seu namorado é o meu namorado. Eu vou contar os dias para me vingar de você”, diz um vídeo.
“É um monólogo porque ela manda, manda, manda, manda. E ela, ao mesmo tempo que ela ama, ela briga, ela discute, ela xinga, ela quer matar. Ou seja, são coisas totalmente aleatórias”, conta Felipe.
“Não vejo a hora de me casar com você e até lá eu vou te dar o troco por tudo. Me aguarde”, diz um áudio de Priscila. “Assista às cenas dos próximos capítulos”
“Assustador, literalmente assustador”, diz Bruna.
“Quando a situação era, digamos, digital, era online, ok? Você levava a vida. A partir do momento onde ela vai em lugares públicos que você está frequentando, você consegue imaginar o que é esse tipo de situação?” diz Felipe.
Felipe e Bruna contaram que logo no começo do namoro, estavam nessa praia, em Itajaí, com amigos, quando Priscila chegou de repente.
“Do nada, ela apareceu tendo um surto, com uma sacolinha na mão, sentou na cadeira, estava do meu lado, começou a falar muita coisa. Aí você não sabe se naquela sacola tem alguma coisa. Aí a gente ficou estático. Sorte que alguém filmou.”
Em 2023, Priscila descobriu onde Felipe morava. Ele vivia num apartamento na cidade de Itapema, que é perto de Itajaí. Priscila foi até o local, conseguiu entrar no prédio e subiu até o oitavo andar.
“Ela sentou no chão, na porta e ficou lá. Aí, depois de um bom tempo da temporada, um monte de ocorrências, a polícia chegou. E aí foram lá e a tiraram. E, não contente com só isso, depois, quando não estávamos lá, ela voltou.”
No ano seguinte, imagens mostram o dia em que Priscila retornou ao prédio do casal.
“Novo, aí tiraram ela de novo. Você tem que mudar uma vida inteira. É onde a gente mora, a gente tem que se esconder. Eu olho para Bruna o tempo todo e ela tá olhando pros lados. Você não pode ter uma liberdade.”
“A gente ficou refém da situação”, diz Bruna.
A polícia entrou no caso quando Priscila invadiu o prédio do Felipe e ele contratou duas advogadas.
Bruna e Felipe começaram a reunir tudo o que Priscila enviava para eles.
“A gente pegou assim, sei lá, uma fração mínima do que tinha para fazer o processo e tudo o mais”, diz Felipe.
Nesse meio tempo, as advogadas pediram medidas de proteção para o casal.
“Determinava que ela não poderia entrar em contato com ele a menos de 200 metros. Não poderia entrar em contato por qualquer outro meio eletrônico, também email, telefone, nem mencionar ele em redes sociais”, diz a advogada Helena Bonigon.
“Ela simplesmente descumpriu todas as determinações judiciais”, diz o delegado.
“E, em vinte e poucos dias da intimação, ela chegou a mandar 50 e-mails para o Felipe”, diz uma advogada.
“Por esse motivo, o Ministério Público pediu a prisão preventiva dela”, diz o delegado. “Nós realizamos a prisão em uma favela lá na cidade de Itajaí pelos crimes de perseguição, injúria e ameaça.”
A reportagem procurou a mãe de Priscila, que não quis gravar entrevista. Ela ainda não tem advogado para defendê-la.
O Ministério Público informou que, se a situação se mantiver, a Justiça nomeará um advogado para atuar no processo.
Repórter: Não é muito normal ir pra cadeia, ou é, em casos desse tipo?
Delegado: “Não, não é normal. Mas além desse descumprimento, há muito tempo ela vem reiteradamente realizando comportamentos inadequados e perseguição ao casal.”
“Porque é uma situação, é um crime novo, né? Uma tipificação legal nova, então o crime de stalking são situações que elas são reiteradas, o crime está acontecendo”, diz a advogada.
“É a mesma coisa, é perseguir alguém reiteradamente por qualquer meio, ameaçando a integridade física ou psicológica ou perturbando a liberdade de locomoção ou privacidade dessa pessoa”, diz o delegado.

“Em casos de stalking, com relação ao perfil dos agressores, a gente sabe que 80% deles são, na média, do sexo masculino, né? Cerca de 20% é do sexo feminino e, apesar de que sim, muitos deles têm algum diagnóstico psiquiátrico, esse diagnóstico psiquiátrico não está conectado com o comportamento de stalking. São pessoas que têm transtornos mentais por outras razões e são pessoas que têm motivação de vingança, motivação de reaproximação, por alguma razão da pessoa”, diz o psiquiatra e professor da UFPR Thiago Roza.
Repórter: Como que uma pessoa deve proceder numa situação como essa?
Delegado: O ideal é que a pessoa não espere muito tempo para procurar a polícia. Quando ele perceber que a vida dele está sofrendo um transtorno, que está sendo limitado no seu local de trabalho, no seu dia a dia, é o momento de procurar a polícia e registrar boletim de ocorrência.
Essa jovem que não quer se identificar registrou um boletim de ocorrência em janeiro desse ano.
“Ele não iria parar se eu não tomasse nenhuma medida. Eu já estava com a minha saúde mental muito devastada”, diz Cecília.
Ela teve um relacionamento apenas pela internet com um homem de Maceió, chamado Dayron Maurício Lima Silva, de 25 anos.
“A gente se conheceu em 2019, num jogo online. Com o tempo, fomos criando uma conexão maior e tivemos um relacionamento em 2021 que durou cerca de 8 meses. A gente fazia chamada de voz, às vezes chamada de vídeo, e ficávamos o dia todo junto um com o outro. Fui, durante a convivência com ele, criando medo dele, porque ele era uma pessoa muito explosiva. O relacionamento acabou em dezembro de 2021.”
Após o término, ela bloqueou Dayron em todas as plataformas digitais e aplicativos de mensagem.
Mas ele encontrou um jeito inusitado de persegui-la: via Pix.
“E quando você faz o Pix para a pessoa, você tem a possibilidade de escrever uma mensagem dentro desse Pix. Ele passou a enviar Pix de centavos para ela: um centavo, dois centavos”, diz o advogado especializado em crimes de tecnologia Spencer Toth Sydow. “No início, ele mantém conversas bastante amenas: ‘Estou com saudade. Por que você me bloqueou?’ Ela simplesmente não responde. Aí começam ofensas, promessas de mal injusto, ‘vou matar você. Vou acabar com a sua vida.'”
“Então, não esperava que ele fosse falar coisas tão horríveis para mim. Eu desenvolvi síndrome do pânico”, diz Cecília.
Segundo ela, Dayron continuou enviando mensagens até janeiro desse ano. “O último Pix dele que eu recebi foi no dia 13.”
Foram quase 3 anos assim, mais de 170 Pix com mensagens.
“Eu tinha muito medo de expor essa situação, de falar disso com outras pessoas. Eu sentia vergonha, sentia medo e não conseguia ter esperança numa melhora da situação.”
Até que ela o denunciou à polícia, que disse ao Fantástico que vai ouvir Dayron. Nós não conseguimos contato com ele.
Além de procurar a polícia, existem outras formas de lidar com um stalker.
“Explicar uma vez com total clareza que o contato é indesejado, mas, óbvio, não com proximidade física. Aí, em seguida, não responder a qualquer tentativa de contato subsequente”, diz o psiquiatra e professor da UFPR Thiago Roza. “Nesse contexto, outra coisa também, informar publicamente o que está acontecendo, né? Aos amigos, colegas, vizinhos, familiares, isso pode, de certa forma, desestimular o agressor. Então, tomar uma série de precauções também nas redes sociais para limitar a exposição a dados pessoais e de localização.”
No caso do dentista Felipe, foram mais de cinco anos de perseguição.
Repórter: São muitos anos passando por isso, né?
Felipe: São. Quando um negócio desse começa a acontecer, você acha que aquilo não é possível. Você nunca acha que isso vai acontecer contigo.
“Sabe, a gente só quer que isso pare!”, diz Bruna.
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