Em defesa ao STF, Bolsonaro nega que cometeu crime; veja íntegra

Jair BolsonaroReprodução

A defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL-RJ) sustenta que não há provas concretas que o vinculem aos atos de 8 de janeiro de 2023 e nega qualquer participação ou crime cometido por ele.

Em manifestação apresentada ao Supremo Tribunal Federal, os advogados argumentam que a denúncia não apresenta uma acusação juridicamente fundamentada e que há inconsistências na narrativa utilizada pelo Ministério Público sobre o 8 de janeiro de 2023.

Entre os principais pontos levantados pela defesa, está a alegação de que a denúncia constrói uma “estória” sem sustentação jurídica.

Segundo os advogados, o documento apresenta elementos que “animam o imaginário popular”, mas que não configuram uma peça acusatória adequada dentro do direito penal.

A defesa também afirma que não há qualquer evidência concreta que relacione Bolsonaro aos eventos ocorridos em 8 de janeiro de 2023.

Os advogados argumentam que os fatos narrados na denúncia não se conectam com as ações anteriores atribuídas ao ex-presidente e que ele não mantinha contato com assessores, ministros ou comandantes militares no período em questão.

Outro ponto abordado na resposta apresentada à Justiça é a suposta tentativa de criminalizar a atividade política do ex-presidente.

Os advogados alegam que a acusação busca penalizar Bolsonaro por suas opiniões e por sua relação com sua base eleitoral. Segundo a defesa, não há demonstração de que ele tenha determinado ou planejado a execução de qualquer ato ilícito.

A defesa também contesta a possibilidade de responsabilização penal objetiva, ou seja, sem que haja a comprovação de uma ação direta ou omissão de Bolsonaro que possa ser vinculada aos acontecimentos do dia 8 de janeiro.

A manifestação apresentada ainda aponta supostas contradições entre a denúncia e a delação do ex-ajudante de ordens Mauro Cid.

Segundo os advogados, o próprio delator afirmou que Bolsonaro não planejou a prisão de autoridades, incluindo o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes.

A defesa também questiona a estrutura da denúncia, alegando que o documento é inepto por não apresentar uma exposição lógica e coerente dos fatos e circunstâncias.

Os advogados sustentam que a peça acusatória oferece um “cardápio de opções narrativas” para que o Tribunal escolha a mais conveniente para a condenação dos acusados.

Outro ponto abordado é a alegação de que a defesa não teve acesso integral às provas apresentadas pela acusação. Segundo os advogados, a restrição ao conteúdo das investigações prejudica o exercício do contraditório e a ampla defesa.

Por fim, os advogados reiteram a negativa de autoria e materialidade do crime, afirmando que Bolsonaro não praticou nem determinou qualquer ação ilegal. A defesa sustenta que as acusações não encontram respaldo em provas concretas e que a denúncia não pode se sustentar juridicamente.

Veja a defesa na íntegra:

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES, D. RELATOR DA PET. Nº 12.100/DF NO E. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Jair Messias Bolsonaro, por seus advogados que esta subscrevem, nos autos do processo em epígrafe, vem, respeitosa e tempestivamente, à presença de Vossa Excelência, apresentar resposta preliminar, nos termos do artigo 4º da Lei 8.038/90:

I.         Uma Breve Introdução

É inegável que estamos diante de um processo e um julgamento históricos. Assim como é também certo que este não é o primeiro e não será o último. Essa C. Suprema Corte já enfrentou outros tantos processos difíceis, que tiveram como alvos nomes importantes da política nacional, inclusive ex-ministros e ex-presidentes.

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Mas esse E. Supremo Tribunal Federal nunca tergiversou.

Os princípios constitucionais, a jurisprudência consolidada e a história dessa C. Suprema Corte sempre prevaleceram e, assim, foram preservados. E o Defendente está certo de que assim será no presente caso.

De partida, parece fundamental consignar que a defesa confia e tem o maior respeito pelo Supremo Tribunal Federal, o que obviamente inclui todos os seus integrantes, em especial o Eminente Relator.

Contudo, cabe à defesa exercer o contraditório de forma ampla, apontando, com o devido respeito, os vícios da investigação com base na Lei e na Jurisprudência consolidada. Não seria necessário lembrar, mas faz bem à legitimidade do processo a incisividade da defesa, desde que respeitosa.

Daí que, parece ser inadmissível que um julgamento que envolve o ex-Presidente da República não ocorra no Tribunal Pleno. E não se diz isso apenas em função da envergadura do caso, do envolvimento de um ex-presidente e de diversos ex-Ministros de Estado. A necessidade deriva da Constituição Federal e do Regimento Interno dessa Suprema Corte.

Não há qualquer norma, ainda que regimental, que desloque o julgamento de um ex-presidente para uma das Turmas do Tribunal, como será demonstrado em incidente específico.

Repita-se: não se trata do caso, nem de seus envolvidos; trata- se do Juiz Natural da causa, que é o Plenário.

Não bastasse, é necessário ressaltar que o cerceamento de defesa se afigura insuperável.

Não se nega que todos os trechos constantes do relatório da Polícia Federal e também aqueles constantes da denúncia estão, ao menos neste momento, disponíveis à defesa.

No entanto, e também é inegável, disponibilizou-se apenas os trechos recortados pela Polícia e utilizados pelo Ministério Público Federal.

A defesa não possui a íntegra das mídias, o que a impede de conhecer a integralidade da prova e de também selecionar os trechos que são de seu interesse.

Dir-se-á que a defesa poderá conhecer a íntegra da prova durante a instrução. O prejuízo, no entanto, será irreparável simplesmente porque, em primeiro lugar, podem haver diálogos que inviabilizem a acusação; segundo, porque o conhecimento da íntegra dos diálogos contidos nos telefones poderia, quando menos, propiciar à defesa a indicação de testemunhas que só se poderá conhecer quando a prova for disponibilizada; e, por fim, a apresentação da presente defesa deveria explorar a cadeia de custódia da prova utilizada, mas até momento não se conhece sequer a custódia, quanto mais a cadeia de obtenção e preservação.

Enfim, o processo está sendo iniciado de forma desigual, porque a defesa deveria ter acesso ao todo e não à parte eleita pela acusação. Depois de muita insistência, há poucos dias vieram aos autos apenas recortes de alguns áudios, colocados em um link criado depois de aberto o prazo para a presente resposta. O recorte disponibilizado serviu apenas para demonstrar que os autos fornecidos não contêm toda a prova produzida.

De toda forma, há diversas teses que merecem apreciação por parte do Supremo Tribunal Federal nesse momento processual. Vejamos.

II.    A necessidade de aplicar o juízo de garantias nas ações originárias dessa C. Suprema Corte

Apesar da amplitude do v. acórdão da ADI 6.298, que definiu os contornos do juízo de garantias no processo penal brasileiro, este debate merece ser reapreciado. E assim se dá especialmente quando o tema são as ações originárias dessa

C.       Suprema Corte, especificamente – feitos nos quais outros princípios constitucionais, como o igualmente importante duplo grau de jurisdição, são excepcionados.

Não se desconhece que, ao julgar a ADI 6.298, esse E. Supremo Tribunal Federal assentou que “a nova sistemática do juiz de garantias não se compatibiliza com o procedimento especial previsto nas Lei 8.038/90, que trata dos processos de competência originária dos tribunais”, já que se trata de norma especial não alcançada pelas novas alterações do Código de Processo Penal.

No entanto, aquele julgamento antes também assentou a origem constitucional do juízo de garantias, bem como sua importância para o processo penal. Para usar as palavras do voto condutor do d. Ministro Dias Toffoli, “trata-se também de norma de direito fundamental, a qual densifica direitos do investigado e do acusado no processo penal”1. Afirma ainda o Ministro:

“Em obra de projeção internacional, o juiz Luís Geraldo Lanfredi, Auxiliar da Presidência do CNJ e Coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização (DMF), ao ressaltar a importância do juiz das garantias da óptica dos direitos humanos, destaca que:

“El papel de ‘garante de las garantias’, por mas que suene redundante, impreciso e improprio, tiene un unico sentido, el de reforzar, fortalecer y exigir del modo mas particular posible, el respeto a los derechos fundamentales. Exigir del juez, en el ambito de la persecucion penal, esa postura, de entre todas las actividades que desempena en el proceso penal (desde la instruccion hasta el eventual cumplimiento de una condena), nos es un reto, sino una condicion que justifica (y legitima) su propria actividad, incluso porque vivir de acuerdo con esse orden de las cosas es el imperativo que da sentido al poder que recibe de la sociedad para aplicar el derecho y realizar (la verdadera) justicia” (Juez de garantias y sistema penal. 1. ed., Florianopolis/SC: Emporio do Direito, 2017, p. 93-94).

A instituição do ‘juiz das garantias’ pela Lei nº 13.964/19 veio a reforçar o modelo de processo penal preconizado pela Constituição de 1988. Tal medida constitui uma alteração sem precedentes em nosso

1 STF, ADI 6.298, Voto do Min. Dias Toffoli.

processo penal, o qual tem, paulatinamente, caminhado para um fortalecimento do modelo acusatório.

A Constituição de 1988 operou uma mudança radical na concepção de processo

penal então vigente, ainda influenciada, a época, embora em menor medida, pela concepção autoritária que inspirou a edição do Código de Processo Penal (Decreto-Lei no 3.689/1941), o qual, nao por outra razão, veio a ser profundamente modificado em sucessivas reformas legislativas, sobretudo a partir do século XXI.

Consoante evidencia Eugenio Pacelli, in verbis:

“A nova ordem passou a exigir que o processo nao fosse mais conduzido, prioritariamente, como mero veículo de aplicação da sanção penal, mas, além e mais que isso, que se transformasse em um instrumento de garantias do indivíduo em face do Estado” (Curso de Processo Penal. 17. ed rev. e ampl. Sao Paulo: Atlas, 2013, p. 8-9).”2 (detacamos)

Conforme muitas vezes já reconhecido por essa C. Suprema Corte, “nosso sistema de persecução penal” é “um sistema acusatório no qual é central a salvaguarda dos direitos fundamentais do acusado – uma decorrência do forte componente ético da Constituição de 1988”3.

Dentre as muitas reformas pelas quais o processo penal já passou, a criação do juízo de garantias é certamente uma das mais importantes. Afinal, veio para dar concretude ao Princípio Acusatório, cuja importância para o devido processo legal e a própria dignidade da pessoa é inegável. E, como se sabe, são estes princípios – mais do que a norma que estipula o rito seguido – que devem pautar a aplicação das novas regras do juízo de garantias e da alteração de competência quando terminada a fase inquisitorial.

Em um passado recente, a importância dos preceitos fundamentais que guiam as reformas processuais já foi suficiente para que a jurisprudência alterasse o rito previsto na Lei 8.038/90.

2 STF, ADI 6298, voto Ministro Dias Toffoli.

3 STF, ADI 6298, voto Ministro Dias Toffoli.

Quando a reforma do processo penal de 2008 alterou o momento do interrogatório, garantindo o direito de a defesa falar por último, a previsão da oitiva do acusado no início da instrução não impediu a alteração do rito hoje seguido nos tribunais. De forma pacífica, e com fundamento no fato de que a nova ordem de oitivas dava maior efetividade ao contraditório, o interrogatório passou a ser o último ato da instrução também nas ações penais originárias.

A precedência do princípio constitucional ao qual a norma dá maior alcance também deve reger a aplicação das regras do juízo de garantias nos tribunais e, especialmente, nessa C. Suprema Corte.

E não há dúvidas de que a figura do juízo de garantias surge no processo penal para dar maior eficácia e alcance às garantias constitucionais. O que deve ser levado em consideração especialmente nas ações penais originárias desse E. Supremo Tribunal Federal, que já limitam e excepcionam o duplo grau de jurisdição.

Não se pode olvidar que, exclusivamente nas ações penais de competência desse E. Supremo Tribunal Federal, o número e os tipos de recursos possíveis são absolutamente limitados. E inexiste juízo revisional.

Nelson Hungria afirmava que o Supremo Tribunal Federal tem o supremo privilégio de errar por último.

Na mesma linha, em debate que se tornou célebre, Rui Barbosa afirmara que “a alguém deve ficar o direito de errar por último”.

Privilégio ou direito, é certo que as decisões desse E. Supremo Tribunal Federal não têm instância revisional ou recursal e exatamente nisto suas ações penais originárias se diferem de todas as demais – o que justifica um tratamento também diverso quando o tema é o juízo de garantias.

E, neste ponto, o presente caso é sintomático dessa necessidade. A ausência de grau recursal ganha contornos ainda mais preocupantes diante de um processo marcado por medidas cautelares deferidas sempre monocraticamente.

Foram dezenas de buscas e apreensões, quebras de sigilo, cautelares e prisões, todas deferidas antes de iniciada a ação penal.

Ainda mais importante, e conforme será adiante detalhado, parte da investigação tramitou, em determinados momentos, sem a participação da Procuradoria-Geral da República e sem o debate no colegiado.

A limitada participação do colegiado importa porque, nos termos do voto do d. Ministro Dias Toffoli, a existência de julgamentos colegiados seria também fundamento para não aplicar nos tribunais as regras do juízo de garantias. Conforme consta de seu voto condutor, “a colegialidade, por si só, é fator e reforço da independência e da imparcialidade judicial”.

Ao mesmo tempo, no âmbito desse E. Supremo Tribunal Federal, são parcas as medidas possíveis contra as decisões do Ministro relator. Os únicos recursos possíveis são, em regra, os agravos e os embargos infringentes, não sendo possível sequer impetrar habeas corpus. Ao final do feito, também não existe recurso capaz de devolver a outra Corte a matéria factual ou de mérito.

Eis porque, as ações originárias desse E. Supremo Tribunal Federal formam um conjunto de feitos ainda mais específico, com contornos únicos que as diferenciam dos demais processos originários dos tribunais.

A ausência de recursos e os impedimentos às ações constitucionais, neste ponto, acabam por limitar a colegialidade que justificaria o afastamento da figura do juízo de garantias.

E, de fato, o presente caso traz inúmeras medidas que, implementadas, até hoje não foram analisadas pelo colegiado ou, se o foram, tal só se deu depois de elas estarem cristalizadas.

Por fim, há a própria eficácia do sistema acusatório. A leitura dos autos mostra que a presidência e condução da investigação foi feita por meio de

decisões monocráticas. Ademais, também revela que, em diferentes momentos, há uma inegável aproximação do d. Ministro Relator com a figura dos juízes instrutores existentes em tantos outros ordenamentos.

Por exemplo, tem-se que ao receber notícia de fato, o Ministro Relator determinou de ofício a instauração de investigação, sem encaminhar a informação à Procuradoria-Geral da República. Também de ofício, o d. Ministro Relator determinou a realização de diligências e depoimentos.

 

Ainda que não se reconheça que tais iniciativas do d. Ministro Relator levam à nulidade do feito – o que se aduz por dever de ofício – é inescapável reconhecer que sua atuação foi a de verdadeiro juiz instrutor.

 

O que, todavia, expõe de forma cristalina as razões pelas quais é necessário ou mesmo inescapável aplicar às ações penais originárias dessa C. Suprema Corte as regras do juízo de garantia.

 

De um lado, porque a ausência de instância de revisão, por si só, já excepciona outra importante garantia, qual seja, o duplo grau de jurisdição. De outro, especialmente porque os contornos dessa ação facilitam a aproximação do Ministro à figura do juiz instrutor e, como se sabe, o sistema acusatório não deixa espaço para as iniciativas judiciais aqui verificadas.

 

Neste ponto, a ementa do acórdão da ADI 6.298 ganha inegável importância e se apresenta como salutar norte a ser seguido:

 

“(d) Esta Corte assentou a compreensão de que ‘O princípio fundante do sistema ora analisado, a toda evidência, é o princípio acusatório, norma decorrente do due process of law (art. 5º, LIV, CRFB) e prevista de forma marcante no art. 129, I, da CRFB, o qual exige que o processo penal seja marcado pela clara divisão entre as funções de acusar, defender e julgar, considerando-se o réu como sujeito, e não como objeto da persecução penal’ (ADI 4414, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, j. 31/05/2012).

(e)     Deriva do princípio acusatório a vedação, a priori, à iniciativa do juiz na fase

de investigação e a substituição da atuação probatória das partes. A posição do juiz no

processo é regida pelos princípios da imparcialidade e da equidistância, porquanto ‘[…] A separação entre as funções de acusar defender e julgar é o signo essencial do sistema acusatório de processo penal (Art. 129, I, CRFB), tornando a atuação do Judiciário na fase préprocessual somente admissível com o propósito de proteger as garantias fundamentais dos investigados” (ADI 4414, Relator Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 31/05/2012).

(f)     A legítima vedação à substituição da atuação probatória do órgão de acusação significa que o juiz não pode, em hipótese alguma, tornar-se protagonista do processo. Simultaneamente, remanesce a possibilidade de o juiz, de ofício: (a) ‘determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante’ (artigo 156, II); (b) determinar a oitiva de uma testemunha (artigo 209); (c) complementar a sua inquirição (artigo 212) e (d) ‘proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição’ (artigo 385).”4 (grifamos)

 

 

E, de fato, é possível entender com clareza porque muitos dos países que têm a figura de um juiz envolvido na apuração preliminar e inquisitorial adotam, em regra, o juízo de garantias. Neste ponto, quando do julgamento da ADI 6.298, o d. Ministro Luiz Fux trouxe uma rica análise, apontando que “no direito comparado, diversamente do que sustentam os defensores da novel concepção normativa, não é esta a ratio essendi que preside as causas de impedimento, mas sim o fato de, no modelo vigente em diversos países europeus, ainda atribuir-se à autoridade judicial, na fase de investigação, competências características dos órgãos de persecução penal (polícia e Ministério Público)”. Continua o d. Ministro:

 

“Em Portugal, na Alemanha, na Espanha, na França e na Itália, tanto o promotor como o juiz são denominados ‘magistrados’ e pertencem à mesma estrutura judicial. O juiz de instrução, nestes ordenamentos, detinha competência para decretar medidas cautelares de ofício, independentemente de pedido do Ministério Público – o qual, aliás, também detém competência para decretar medidas cautelares e probatórias.

Ainda hoje, trata-se de sistemas processuais nos quais o juiz de instrução e o membro do Ministério Público possuem funções que se confundem, atuando conjuntamente, diversamente do que vigora no Brasil.

Como veremos adiante em maior detalhe, os juízes de instrução detêm, nos sistemas processuais europeus, competências híbridas de autoridade policial, Parquet e autoridade judicial.

 

4 STF, ADI 6298/DF.

Por esta razão, na década de 1980, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) valeu-se do conceito de imparcialidade objetiva para invalidar, à luz da Convenção, a acumulação, pela autoridade judiciária julgadora, das funções de investigar, de acusar e de julgar – profundamente entranhada na tradição processual Europeia.

Neste contexto, o conceito de imparcialidade objetiva foi nuclear no julgamento do caso Piersack vs. Bélgica (1982). Naquele caso, o TEDH discutiu se havia violação ao direito a um juiz imparcial na situação em que um magistrado, que presidiu o Tribunal e condenou o reclamante, havia sido, anteriormente, coordenador da promotoria que investigou o caso. Considerou-se, aludindo à competência investigativa de ofício do juiz de instrução, que ‘o exercício prévio no processo de determinadas funções processuais pode provocar sérias dúvidas de parcialidade’, de modo que ‘a imparcialidade é denominada ‘objetiva’ justamente porque deriva não da relação do juiz com as partes, mas de sua prévia relação com o objeto do processo’.

Note-se, portanto, que a ideia de imparcialidade objetiva foi empregada para superar a sistemática inquisitorial do processo penal na Europa, em que não havia separação total entre as funções de investigar e de julgar.

Tanto é assim que, em 1989, julgando o caso Hauschildt v. Dinamarca, o Tribunal Europeu traçou um limite ao emprego do conceito de imparcialidade objetiva. Segundo assentou o TEDH naquele julgado, o mero fato de o juiz ter atuado na fase da investigação não conduz ao seu impedimento para funcionar na fase de julgamento, não derivando, portanto, sua parcialidade automática. A Corte considerou não violada a imparcialidade objetiva no caso da Dinamarca, pela seguinte razão: ‘Na Dinamarca, a investigação é conduzida pelo Ministério Público, com o auxílio da polícia, e não por um juiz’.”

 

 

Este o exato ponto. Se é certo que “o juiz exerce, na fase do inquérito, a função de fiscalizar a legalidade e constitucionalidade dos atos praticados pelas autoridades de persecução penal (polícia e Parquet)”5, é também claro que a ausência destes personagens acaba por alterar o papel daquele.

 

Não foi sem razão que, ao analisar a figura do juiz de garantias, o d. Ministro Luiz Fux destacou que “A legítima vedação à substituição da atuação probatória do órgão de acusação significa que o juiz não pode, em hipótese alguma, tornar-se protagonista do processo”. Mas e quando essa não é a realidade factual do processo – como no presente

 

   

5 STF, ADI 6298, voto do Min. Luiz Fux.

caso, no qual inúmeras razões fizeram o magistrado transbordar o seu papel e alijar o Parquet

dos autos?

 

Então o juízo de garantias se torna uma exigência e mesmo a existência de rito previsto em lei diversa não é suficiente para impedir a aplicação da regra nova à ação penal.

 

Conforme leciona Robert Cooter, lembrado no voto do d. Ministro Luiz Fux no acórdão da ADI 6.298, “As leis não são apenas argumentos técnicos misteriosos; elas são instrumentos para se atingir metas sociais importantes”. Nessa toada, o d. Ministro também ressalta que:

 

“Na dimensão objetiva, a imparcialidade é garantida: (1) por meio da separação entre as funções de investigar, acusar e julgar; (2) por meio das

regras de impedimento e de suspeição definidas nos artigos 252 e 254 do Código de

Processo Penal, aplicando-se independentemente de o juiz, subjetivamente, considerar-se apto a proferir uma decisão imparcial nas hipóteses ali previstas.

Neste sentido, o ordenamento confere profusos instrumentos às partes, voltados a tornar normativamente efetiva a garantia de imparcialidade.”

 

 

O juízo de garantias, ainda que recente, é mais um desses instrumentos que, no presente caso, tornará efetiva a separação entre a atividade de investigação e a atividade de julgar.

 

É nesta órbita que se baseia o pedido para que se aplique, nas ações penais originárias desse E. Supremo Tribunal Federal, as regras do juízo de garantias, adaptadas às peculiaridades do rito aqui seguido.

 

Afinal, e acima de tudo, tem-se que “o juiz de garantias é instituto representativo do verdadeiro modelo adversarial e essencial à constitucionalização do processo penal moderno, centrado na prestação jurisdicional comprometida com os direitos e garantias do acusado e no fortalecimento constante da imparcialidade do julgador”.

Diante do exposto, requer-se que se reconheça a necessidade de distribuir os autos a um novo Relator, antes do recebimento da denúncia, a fim de que sejam aplicadas, respeitadas as diferenças de rito, as regras do juízo de garantias nas ações penais originárias desse E. Supremo Tribunal Federal, em razão do papel atuante, semelhante ao dos juízes instrutores, exercido pelo Magistrado neste caso e, especialmente, em razão da inexistência de instância revisora quando as ações penais são originárias da Corte mais alta.

 

 

III.  Da incompletude da prova  

 

O presente processo está marcado pelos diversos pedidos de acesso à integralidade da prova, dentre os quais aqueles apresentados pelo Peticionário.

 

Isso porque, depois de obter da i. Serventia um HD externo supostamente contendo “cópia integral do processo principal e todos os apensos do processo em epígrafe, incluindo todas as mídias acauteladas”, a defesa não teve acesso à completude da prova.

 

Os números já demonstram o quanto aquém se está do todo.

 

Os autos dessa Pet. 12.100 registram a apreensão de celulares, mídias e computadores de: Ailton Gonçalves Moraes Barros; Almir Garnier Santos; Amauri Feres Saad; Anderson Gustavo Torres; Angelo Martins Denicoli; Augusto Heleno Ribeiro Pereira; Bernardo Romão Correa Neto; Cleverson Ney Magalhães; Eder Lindsay Magalhães Balbino; Estevam Theophilo Gaspar de Oliveira; Filipe Garcia Martins Pereira; Guilherme Marques Almeida; Hélio Ferreira Lima; Jose Eduardo de Oliveira e Silva; Laércio Vergílio; Marcelo Costa Camara; Mario Fernandes; Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira; Rafael Martins de Oliveira; Ronald Ferreira de Araújo Júnior; Sergio Ricardo Cavaliere de Medeiros; Tércio Arnaud Tomaz; Walter Souza Braga Netto; e Valdemar da Costa Neto.

 

Já os autos da Pet. 10.405 – origem de muito do que é aqui utilizado, inclusive da delação do corréu Mauro Cid, e nos quais a própria Polícia Federal informa inexistirem diligências em andamento – trazem a apreensão de diversos dispositivos eletrônicos de Cláudia Helena Acosta Rodrigues da Silva, Camila Paulino Alves

Soares, Gutemberg Reis de Oliveira, Marcelo Fernandes de Holanda, Marcelo Moraes Siciliano, Farley Vinicius Alcantara, Eduardo Crespo Alves, Ailton Gonçalves Moraes Barros, Mauro Cesar Barbosa Cid, Luis Marcos dos Reis, Max Guilherme Machado de Moura, Sérgio Rocha Cordeiro, Marcelo Costa Câmara e do próprio Jair Messias Bolsonaro.

 

Ao total, foram cumpridos 38 mandados de busca nos quais dezenas de celulares e centenas de computadores, pen drives e HDs foram apreendidos.

 

Mas o HD externo fornecido à defesa – que deveria conter “cópia integral do processo principal e todos os apensos do processo em epígrafe, incluindo todas as mídias acauteladas”6 – trouxe apenas 7 celulares!

 

Na pasta denominada “PET 12100 mídias”, com 392 GB e

111.176 arquivos distribuídos em 3.412 pastas, estavam copiados os aparelhos apreendidos “em posse” de “Mauricio Cid” (sic) e “Gabriela Santiago” (laudo n. 1294/2023); “em nome de Cid”, pertencente à filha de Mauro Cid (laudo 1303/2023); os dois aparelhos apreendidos no cumprimento do mandado de busca que teve como alvo Marcelo Costa Câmara (laudo 1795/2023); e os dois celulares apreendidos quando do cumprimento do mandado de busca que teve como alvo Ailton Gonçalves Moraes Barros (laudo 1782/2023).

 

Em poucas palavras, foi dado acesso à cópia integral do espelhamento destes setes aparelhos, mas negou-se o mesmo acesso aos demais celulares e mídias.  

Todo e qualquer pedido de acesso às provas arrecadadas e utilizadas tem recebido a mesma resposta: “Basta consultar o andamento processual desta Pet, para verificar que os advogados constituídos pelo investigado JAIR MESSIAS BOLSONARO sempre tiveram total acesso aos autos, inclusive retirando cópias e com ciência dos despachos proferidos nestes autos” (Peças 1066 e 1188).

 

 

   

6 Conforme certidão exarada pela z. Serventia.

Há um detalhe que merece ser destacado: o acesso aos autos não contempla o acesso à prova, já que esta não foi juntada. Em outras palavras, neste caso o acesso aos autos não é o mesmo que o acesso à prova. Aliás, não significa sequer o conhecimento da conjunto da prova já utilizada na denúncia proposta.

 

Neste sentido, as petições e o agravo7 apresentados pelo Defendente anotaram alguns exemplos não exaustivos, mas capazes de estampar bem o prejuízo hoje imposto à defesa.

 

De partida, nem mesmo o espelhamento do celular do Peticionário – apreendido há quase dois anos – foi fornecido aos subscritores.  

Já seria grave, mas a denúncia ainda traz mensagem retirada deste celular. Assim como também utiliza mensagem trocada entre os corréus Mario Fernandes e Mauro Cid na tentativa de relacionar o Peticionário ao documento denominado “Punhal Verde Amarelo”8, sem fornecer o conjunto completo à defesa. Traz também conversas entre Bormevet e Giancarlo na tentativa de relacionar o Peticionário com a acusação intitulada “Abin Parelela”9, em conversas cujo teor integral continua desconhecido dos defensores. Etc…

 

O que a denúncia mais tem, aliás, são conversas entre terceiros que não tiveram a participação ou o conhecimento do ex-Presidente.

 

Insista-se: não se está dizendo que a defesa não teve acesso a estes diálogos, pois sabe-se que estão no Relatório da Polícia Federal e na denúncia. Da mesma forma, os áudios destacados estão disponíveis.

 

 

   

7 Ainda não julgado pelo colegiado.

8 Diz a denúncia que “A ciência do plano pelo Presidente da República e sua anuência a ele são evidenciados por diálogos posteriores, comprobatórios de que Jair Bolsonaro acompanhou a evolução do esquema e a possível data de sua execução integral. Assim, em áudio por WhatsApp de 8.12.2022, Mário Fernandes relata a Mauro Cid que havia estado pessoalmente com Jair Bolsonaro e debatido o momento ideal de serem ultimadas as ações tramadas” (p. 127 da denúncia).

9 De acordo com a inicial, “Bormevet informou a Giancarlo, na ocasião, que possuía demanda urgente e pediu que ele pesquise ‘quais carros estão em nome do filho de Renan do PR. Veja a mãe dele também’, afirmando se tratar de ‘msg do 01’” – que a denúncia diz ser o ex-Presidente.

O que não está disponível são as copias dos celulares, das mídias e dos computadores, na íntegra.

 

Não seria razoável que a Defesa pudesse ver toda a troca de mensagens e destacar os trechos do seu interesse? Por que não pode verificar toda a mídia para saber se a denúncia se sustenta? Ou mesmo para poder indicar as suas testemunhas? E como examinar a cadeia de custódia, quando se disponibiliza apenas trechos de interesse da acusação?

 

É evidente que, a fim de ter na denúncia trechos de conversas mantidas com ou sobre o Peticionário, todo o teor do aparelho já foi periciado e espelhado – sem o que não há cadeia de custódia e, portanto, inexiste confiabilidade na prova.

 

Ou seja, as conversas completas, sem seleções ou qualquer limitação, são provas disponíveis apenas ao Ministério Público Federal, mas que, para a defesa, transformaram-se em provas inacessíveis, junto com tantas outras.

 

Por isso – e conforme sempre esteve claro nos pedidos defensivos – não se requeria os excertos utilizados pela Acusação, mas a integralidade da prova. O pedido defensivo era (e ainda é) obter é uma das mais evidentes premissas de qualquer processo democrático: o que é dado à acusação conhecer precisa também ser dado à defesa conhecer (Peça 1215, id 1d48cee8).

 

E, de fato, não se pode abrir mão de conhecer a integralidade da prova; o devido processo legal não permite tal limitação; não há defesa sem que estes mesmos elementos analisados de forma completa pela acusação sejam também apresentados aos advogados.

 

No entanto, aqueles exemplos, que serviam apenas para demonstrar a gravidade do cerceamento de defesa, geraram certidões elaboradas pela Secretaria Judiciária a pedido do d. Ministro Relator10.

 

   

10 Peça 1256, id 6ebe455a; Peça 1257, id 2b85e54e; Peça 1258, id 5ed90cc3; Peça 1259, id abf6ad29; Peça 1260, id 41cb165e; Peça 1261, id 69eb2079

E então veio ao presente feito verdadeira confissão de que as

provas não estão nos autos!

 

Certificou-se nos autos que apenas em 24 de fevereiro de 2025 – após os pedidos da defesa e com o prazo já aberto – foi juntado o ofício enviado ainda em novembro de 2024 pela a Autoridade Policial diretamente ao gabinete do d. Ministro Relator. Referido ofício, que permaneceu acautelado longe dos autos, trazia pen drive com os áudios selecionados e recortados do todo analisado:

   

 

O ofício também demonstra que o que vem sendo entregue à defesa é só o que foi antes selecionado pelos órgãos persecutórios, impedindo-se a análise de elemento probatório de forma completa e sem cortes.  

A única mídia indicada no levantamento realizado a pedido do

D. Ministro Relator foi este pen drive de apenas 16 GB que trazia um recorte específico e limitado de áudios (só aqueles utilizados no Relatório Final). Algo de todo diferente do que sempre foi requerido pelos defensores:

 

O QUE A DEFESA APONTOU COMO

AUSENTE DOS AUTOS: O que a r. decisão indicou estar

PRESENTE NOS AUTOS: Requereu-se         o          ESPELHAMENTO

COMPLETO           DO           CELULAR          DO

Peticionário:

 

“nem mesmo o espelhamento do celular do ora Agravante – apreendido há quase dois anos – foi fornecido aos subscritores. E, ainda assim, a denúncia traz conversa retirada deste aparelho!!” Apontou-se  para  Relatório  com  as

conclusões policiais sobre UMA CONVERSA, sem nada dizer sobre o espelhamento do celular:

 

“Da leitura do Relatório de Análise de Polícia Judiciária          nº 4812470/2024 – SAOP/DICINT/CCINT/CGCINT/DIP/PF,

é plenamente possível constatar o diálogo entre Maurício Pazini Brandão e o acusado JAIR MESSIAS BOLSONARO, inclusive salientando que o trecho mencionado pela Procuradoria-Geral da República na denúncia consta na página 3.787 (fl. 3784 do pdf).” Requereu-se    o    ESPELHAMENTO

COMPLETO do celular do acusado Mário Fernandes:

 

“O celular de Mário Fernandes – do qual outras conversas, com interlocutores diverso, também são utilizadas na denúncia – foi apreendido, mas seu espelhamento não veio aos autos que foram fornecidos à defesa.” Apontou-se as páginas nas quais estão

apenas as TRANSCRIÇÕES DAS MENSAGENS

ESCOLHIDAS pela Polícia Federal:

 

“As transcrições estão juntadas aos autos da PET 13.236, tendo sido amplo integral acesso às defesas e tornado público em 26/11/2024, o que demonstra que tanto a Defesa de JAIR MESSIAS BOLSONARO quanto a Procuradoria-Geral da República tinham conhecimento da IPJ – RA nº 044/2024.”

  E apontou-se para

o novo link, no qual existiria apenas e tão somente “O ÁUDIO MENCIONADO              pela

Defesa”:

 

“A Secretaria Judiciária certificou, a pedido desse relator – em 27/2/2025 –, que a Polícia Federal encaminhou todos os áudios mencionados no Relatório Final nº 4546344/2024, inclusive o áudio mencionado pela Defesa de JAIR MESSIAS BOLSONARO (eDoc. 1.259): (…) Requereu-se o espelhamento completo DE

TODOS OS CELULARES de Mauro Cid:

 

“Mesmo a conversa com Mauro Cid, da qual referido ‘relato’ foi retirado, não está inteiramente disponível à defesa: o delator tem dois telefones11 e apenas um, o pessoal e no qual não há registro de tais mensagens, fez parte do material compartilhado com os advogados.” Apontou-se  para  laudo  e  pasta  que

mostram a análise conjunta de um celular do corréu (item 09 do laudo) E UM CELULAR DE SUA ESPOSA (item 10 do

laudo):

 

“O Perito Criminal Federal, Wilson dos Santos Serpa Júnior, destacou no item de Considerações Técnicas que ‘Para visualizar e analisar os dados de todos os itens periciados em conjunto, clique no arquivo ‘analiseConjunta_Of1832448-2023.bat’ localizado na pasta raiz de destino’.” – quais seja, os itens 9 e 10 daquele laudo (celular apreendidos com Mauro Cid e celular que “estava ‘EM

POSSE DE GABRIELA SANTIAGO”. Requereu-se    o    ESPELHAMENTO

COMPLETO dos celulares de Bormevet e de Giancarlo, cuja conversa foi utilizada:

 

“Diz a denúncia, quando trata da acusação que chama de ‘Abin Paralela’ que ‘Bormevet informou a Giancarlo, na ocasião, que possuía demanda urgente e pediu que ele pesquise ‘quais carros estão em nome do filho de Renan Apontou-se para o RELATÓRIO COM AS

conclusões Policiais, sem a íntegra das conversas:

 

“Nos autos da PET 12.732/DF, cujo pleno acesso às defesas dos acusados está garantido, constata-se a existência do Relatório de Análise de Material  Apreendido  nº  2054984/2024

DOIC/CCINT/CGCINT/DIP/PF às fls. 214-

   

11 Conforme consta do laudo pericial nº 1294/2023 – INC/DITEC/PF, o réu delator teria dois números de celulares: +5524992643302 e +5561994054085. Sendo que apenas o espelhamento do primeiro, identificado em mensagens trocadas pelo próprio Mauro Cid como seu número “pessoal”, foi fornecido com as cópias da PET 12.100.

do PR. Veja a mãe dele também’, afirmando se

tratar de ‘msg do 01’’ – que a denúncia diz ser o Agravante. É outra prova retirada de conversas de celulares às quais a defesa só pode acessar o recorte pontual feito pela acusação e parafraseado na denúncia.’” 250, do vol. 1, no qual se analisa a conversa entre o

acusado MARCELO ARAUJO BORMEVET e GIANCARLO GOMES RODRIGUES, em que

abordam exatamente o trecho do diálogo mencionado pela Procuradoria-Geral da República.” Requereu-se         O            ESPELHAMENTO   COMPLETO DO MATERIAL ELETRÔNICO

apreendido com Alexandre Ramagem: Este EXEMPLO não foi citado pelo d. Relator. “Afinal, o Procurador pôde, por exemplo, fazer ‘A análise do material eletrônico vinculado a Alexandre Ramagem’ (p. 56 da denúncia). E, no entanto, a defesa não pode analisar esse ‘material eletrônico’, nem conhecer a íntegra da conversa recortada no parágrafo anterior, nem conhecer o que foi apreendido!!”   Requereu-se a possibilidade de FAZER ANÁLISE INDEPENDENTE sobre os dados do celular de Marília Ferreira de Alencar: Apontou-se onde estava a ANÁLISE REALIZADA PELO ÓRGÃO POLICIAL nos TRECHOS SELECIONADOS: “De forma idêntica, a Polícia Federal e a Procuradoria também tiveram a oportunidade de analisar os ‘dados extraídos do celular de Marília Ferreira de Alencar’ (p. 81 da denúncia). De acordo com o MPF, a prova estaria juntada na PET 11.781, mas, ao obter cópia destes autos não é mais surpresa que o quanto concedido à defesa não continha os elementos probatórios utilizados, pois não havia mídias apensadas.” “Diversamente do alegado pela Defesa, os elementos de prova mencionados pelo denunciado JAIR MESSIAS BOLSONARO estão disponíveis e podem ser verificados no Relatório de Análise Técnico- Científica CODE/SSPEA/PGR nº 1/2024, nos autos da PET 11.781, vol. 6, fls. 1.391-1.434, assim como no Relatório de Análise de Polícia Judiciária nº 4/2023.  

 

O requerimento defensivo nunca foi o acesso a recortes, transcrições ou àquilo que escolhido por uma Autoridade de forma absolutamente parcial. O que tem se requerido é o acesso completo aos elementos probatórios.

 

No âmbito dos celulares do corréu Mauro Cid, as notícias são no sentido de que nada menos que sete aparelhos, em três diferentes diligências, foram

apreendidos com ele durante a investigação12. Por isso, a defesa teve a cautela de pesquisar todos os itens do material fornecido pela Serventia, tendo verificado que o segundo aparelho espelhado é o celular da esposa (não denunciada) do corréu delator.

 

Apenas um celular pertencente a Mauro Cid – aquele que o próprio, em troca de mensagens, identifica como particular – foi fornecido à defesa.

 

É incontroverso, portanto, que os autos trazem apenas a parcela dos elementos probatórios, o que, de certa forma, foi reconhecido pelo Eminente Relator, na r. decisão que encaminhou o agravo da defesa ao Ministério Público Federal (em trecho também presente na r. decisão posterior – Peça 1269, id b94b0104):

 

“Dessa forma, sendo pacífico o entendimento do Supremo Tribunal Federal no sentido de que o denunciado se defende dos fatos que lhe são imputados na denúncia, com todos os elementos de prova apontados pelo Ministério Público juntados aos autos e à disposição da defesa (HC 241.179 AgR, Rel. Min. Cristiano Zanin, Dje de 14/6/2024; HC 207.127 AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski Dje de 9/11/2021; HC 119.264, Rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma, Dje de 5/6/2014; HC 83.335, Rel. Min. Elle Gracie, Segunda Turma, Dje de 19/12/2003), mantenho a decisão que indeferiu os pedidos formulados por Jair Messias Bolsonaro por seus próprios fundamentos.” (Peça 1233, id 149d5252) (destacamos).

 

 

É cediço que o acusado se defende dos fatos descritos na denúncia… não de sua capitulação jurídica. E também é certo que o que não está nos autos, não está no mundo.

 

Ora, se as mídias foram apreendidas e analisadas nestes autos, então deveriam estar aqui juntadas quando do oferecimento da denúncia.

 

Esta jurisprudência é pacífica!!

 

 

 

 

12           https://www.metropoles.com/colunas/paulo-cappelli/moraes-divulga-relacao-de-bens-apreendidos- com-mauro-cid (acessado em 02.03.2025).

Eis porque, não é à toa que nenhum dos precedentes indicados nas r. decisões mencionam que a prova dos autos deve ser constituída exclusivamente pelos elementos “apontados pelo Ministério Público”.

 

Aliás, a afirmativa constante da r. decisão para indeferir o acesso da defesa às provas é contrária e oposta àquela há muito já pacificada.

 

A JURISPRUDÊNCIA CITADA A JURISPRUDÊNCIA PACIFICADA Ag.Reg.  no    HC   241.179/SP:   inépcia   da

denúncia.

 

“I – De acordo com o art. 41 do Código de Processo Penal – CPP, a inicial acusatória deve conter ‘a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias’. Essa redação objetiva não apenas possibilitar o enquadramento legal da conduta tida como criminosa, como também ensejar a defesa do acusado, uma vez que este se defende dos fatos que lhe são imputados.” HC    218.265:  disponibilização   dos   dados

extraídos de aparelhos telefônicos.

 

“A Jurisprudência desta Corte já assentou ser corolário do contraditório e da ampla defesa o pleno acesso aos elementos de prova coligidos no decorrer da persecução penal. (…)

Implica cerceamento de defesa a não disponibilização dos dados extraídos de

aparelhos telefônicos apreendidos.”13  

 

A JURISPRUDÊNCIA CITADA A JURISPRUDÊNCIA PACIFICADA Ag.Reg. no HC 207.127: Inépcia da denúncia:

 

“I – De acordo com o art. 41 do Código de Processo Penal – CPP, a inicial acusatória deve conter ‘a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias’. Essa redação objetiva não apenas possibilitar o enquadramento legal da conduta tida como criminosa, como também ensejar a defesa do acusado, uma vez que este se defende dos fatos que lhe são imputados.” Rcl 61.894/SP: paridade de armas e comunhão da prova:

 

“Primeiramente, a meu ver, não cabe à autoridade judicial ou ao Ministério Público selecionar quais das provas colhidas, incorporadas aos autos referentes aos fatos objeto de investigação são ou não úteis ao desenvolvimento da estratégia defensiva no trâmite da ação penal.

Como os órgãos incumbidos da investigação e da acusação tiveram amplo acesso aos elementos apreendidos e selecionaram aqueles que, relacionados ao caso, seriam úteis para o oferecimento da denúncia, entendo, em razão

da paridade de armas e do princípio da

   

13 STF, HC n. 218.265 MC-Ref/SP, Rel. Min. ANDRÉ MENDONÇA, 2ª Turma, j. em 22.08.2023, pub.

29.08.2023.

  comunhão da prova que deve ser concedida

à defesa idêntica oportunidade a fim de que ela própria possa verificar os eventuais dados probatórios que possam ser utilizados em seu benefício.”14  

A jurisprudência citada na r. decisão A JURISPRUDÊNCIA PACIFICADA HC 119.264: Princípio da congruência entre

acusação e sentença:

 

“1. O princípio da congruência ou correlação no processo penal estabelece a necessidade de correspondência entre a exposição dos fatos narrados pela acusação e a sentença. Por isso, o réu se defende dos fatos, e não da capitulação jurídica da conduta a ele imputada.” ARE 1.290.074-AgR-segundo: disponibilização

da íntegra da interceptação

 

“(…) 2. É pacífico o entendimento desta Corte no sentido de que ‘prescinde a transcrição integral do conteúdo das conversas captadas por meio de interceptação telefônica, judicialmente autorizada por procedimento legal, sendo bastante que dos autos constem excertos suficientes a embasar o oferecimento da denúncia e, por conseguinte, a sentença condenatória. Na mesma linha, não há que se falar em nulidade, uma vez que o material colhido, resultante das interceptações telefônicas, ficou disponível, sem restrições, para consulta da defesa’ (ARE 1.127.868-AgR, Rel. Min. Luiz Fux).”15  

 

A jurisprudência colacionada na r.

DECISÃO A JURISPRUDÊNCIA PACIFICADA NESSA C.

Corte HC 83.335-7: pedido de desclassificação da conduta:

 

“1. A jurisprudência da Corte se firmou no sentido de que o réu se defende dos fatos a ele imputados, e não do tipo penal indicado, ainda que incorretamente, na denúncia. Pedido de desclassificação que se mostra inviável no momento em que se instaura a ação penal, tendo em vista a possibilidade de emendatio ou mutatio libelli em momento processual oportuno. HC 90.099/RS: a prova pertence aos autos, não à parte:

 

“Refiro-me ao postulado da comunhão da prova, cuja eficácia projeta-se e incide sobre todos os dados informativos, que, concernentes à ‘informatio delicti’, compõem o acervo probatório coligido pelas autoridades e agentes estatais. Esse postulado assume inegável importância no plano das garantias de ordem jurídica reconhecidas ao investigado e ao réu pois, como se sabe, o princípio da comunhão (ou

   

14 STF, Rcl 61.894/SP, Rel. Min. Edson Fachin.

15 STF, ARE 1.290.074-AgR-segundo/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, 1ª Turma, j. em 16.05.2022.

2. Alegação da atipicidade da conduta que envolve  da aquisição) da prova assegura, ao que sofre

o exame de matéria fática, sendo, assim, persecução penal ainda que submetida esta ao incompatível com a própria natureza do habeas regime de sigilo-, o direito de conhecer os corpus.                                                                            elementos de informação já existentes nos autos

3. Ordem indeferida.”                                            e cujo teor possa ser, eventualmente, de seu

interesse, quer para efeito de exercício da auto- defesa, quer para desempenho da defesa técnica. É que a prova penal, uma vez regularmente introduzida no procedimento persecutório, não pertence a ninguém, mas integra os autos do respectivo inquérito ou processo, constituindo,   desse   modo,   acervo

plenamente acessível a todos quantos sofram, em referido procedimento sigiloso, atos de persecução penal por parte do Estado.

(…)”16  

 

Aqui, o debate posto gira em torno do princípio da comunhão das provas! Trata-se de princípio diuturnamente reafirmado por essa C. Suprema Corte, ao lado da lição de que não existe contraditório sem conhecimento.

 

Neste tema, e com maestria, o i. Ministro Gilmar Mendes consignou não ser “razoável que prova colhida com autorização da Justiça deixe de ser juntada aos autos”. Vale trazer à baila o trecho de seu voto:

 

“Em segundo lugar, o investigado sustenta a nulidade das escutas telefônicas em virtude da seletividade dos diálogos, haja vista ter tido acesso apenas e tão somente às gravações que interessavam à acusação, pois não lhe foram fornecidas cópias de gravações de conversas que desconstruiriam a tese esboçada na denúncia.

Ressalte-se que o processo criminal rege-se pelo princípio da verdade real. Assim, o processo criminal e a investigação criminal devem pugnar pelo amplo conhecimento dos fatos, e nada autoriza à polícia e ao Ministério Público esquivarem-se da verdade, agindo de forma seletiva em relação à prova colhida pré-processualmente.

[…]

 

 

 

   

16 STF, HC 90.099/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 27.10.2009.

Convém, ainda, afirmar que a Polícia não exerce, durante a investigação, o papel de parte, mas de braço do Estado, utilizado na busca da verdade real. Não é razoável que prova colhida com autorização da Justiça deixe de ser juntada aos autos pela só razão de não se encartar na tese construída pelo Ministério Público e pela polícia.

O mínimo que os cidadãos esperam de sua polícia judiciária é que ela seja fiel à verdade dos fatos e que não atue no sentido da seletividade da coleta das provas.

Parece claro que o denunciado tem o direito de conhecer todos os áudios captados com autorização judicial, além de ter acesso a todas as degravações realizadas pela polícia por determinação judicial.

(…)

É o próprio contraditório que fica arranhado quando a totalidade dos áudios capturados não é fornecida à parte investigada.”17

 

 

Rogério Lauria Tucci nos ensina que não existe contraditório

sem conhecimento:  

“De um modo geral, entendem os processualistas que a tutela judicial eficaz de um direito subjetivo material ‘reclama, sempre, a necessidade de informação, consoante as formas traçadas pelas normas processuais, ao titular da antagônica situação, abrangida pela relação jurídica cuja definição é solicitada a agente do Poder Judiciário – juiz ou tribunal’.

(…)

E Pontes de Miranda, por sua vez, já intuía, com a sempre louvada genialidade, que a determinação da contraditoriedade da instrução criminal, em nível constitucional, afasta ‘qualquer possibilidade de expedientes inquisitoriais, com as características de opressão e conseqüentes parcialidades ou arbitrariedades. Seja judicial, seja judicialiforme, ou perante o juiz, ou perante a polícia, ou perante as autoridades administrativas, a instrução criminal tem de ser, por força da Constituição, contraditória’.”18

 

 

E conclui o autor que, “Em suma, e já agora na exegética expressão de Joaquim Canuto Mendes de Almeida, ninguém ‘pode defender-se sem conhecimento dos termos da imputação que lhe é feita. Essa revelação de fatos e de provas ao indiciado, essa acusação do seu crime

   

17 STF, Inq. n. 2.266/AP, Rel. Min. GILMAR MENDES, Plenário, j. em 26.05.2011, pub. 13.03.2012.

18 Rogério Lauria Tucci. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. – 2. ed. rev. e atual. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 177/182.

é, também, uma garantia necessária da defesa que, não obstante, importa, naturalmente, ao menos na forma, uma contrariedade antecipada às alegações e provas do acusado’”19.

 

Uma única frase, lecionada por Ada Pellegrini Grinover, resume a injustiça aqui narrada: “as garantias do ‘devido processo legal’ não admitem prova secreta, sendo aberrantes e inconstitucionais disposições que assim determinam”20. Nesse sentido, insuperável a lição do mestre Joaquim Canuto Mendes de Almeida, antes já invocado por Tucci:

 

“A primeira nota processual do contraditório, podemos identificá-la na ciência, que cada litigante deve ser dada, dos atos praticados pelo contendor. Estimulado pela notícia desses atos é que, conhecendo-os, o interessado em contrariá-los pode efetivar essa contrariedade. Quando os ignore, é flagrante a impossibilidade de contrariá-los a tempo de lhes tolher os efeitos (…)”21

 

 

Ao comentar o significado de ampla defesa, Manoel Gonçalves Ferreira Filho aduz que é necessário zelar para que o acusado “tenha pleno conhecimento da acusação e das provas que a alicerçam”; tal princípio “proscreve os processos secretos que ensejam o arbítrio” 22. E os professores Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho também lecionam que:

 

“A garantia do contraditório não tem apenas como objetivo defesa entendida em sentido negativo – como oposição ou resistência –, mas sim principalmente a defesa vista em sua dimensão positiva, como influência, ou seja, como direito de incidir ativamente sobre o desenvolvimento e o resultado do processo. É essa visão que coloca ação, defesa e contraditório como direitos a que sejam desenvolvidas todas as atividades necessárias à tutela dos próprios interesses ao longo de todo o processo, manifestando-se em uma série de posições de vantagem que se titularizam quer no autor, quer no réu.

(…)

 

   

19 Rogério Lauria Tucci. Ob. cit., p. 184/185.

20 Grinover, Ada Pelegrini, in Revista Brasileira de Ciência Criminais, n. 17, pág. 122.

21 Joaquim Canuto Mendes de Almeida. Princípios fundamentais do processo penal. – São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1973, p. 79/80.

22 Manoel Gonçalves Ferreira Filho. Comentários à Constituição brasileira de 1988. Vol. 1. – São Paulo: Saraiva, 1990, p. 68.

Salienta-se, assim, o direito à prova como aspecto de particular importância no quadro do contraditório, uma vez que a atividade probatória representa o momento central do processo: estritamente ligada à alegação é à indicação dos fatos, visa ela a possibilitar a demonstração da verdade, revestindo-se de particular relevância para o conteúdo do provimento jurisdicional. O concreto exercício da ação e da defesa fica essencialmente subordinado à efetiva possibilidade de se representar ao juiz a realidade do fato posto como fundamento das pretensões das partes, ou seja, de estas poderem servi-se das provas.”23

 

 

Qual a influência ativa que a defesa poderia ter quando é dado apenas ao Ministério Público conhecimento completo de prova produzida?

 

Tratando de dados extraídos de celulares, “A Jurisprudência desta Corte já assentou ser corolário do contraditório e da ampla defesa o pleno acesso aos elementos de prova coligidos no decorrer da persecução penal”, pois “Implica cerceamento de defesa a não disponibilização dos dados extraídos de aparelhos telefônicos apreendidos”24.

 

Conforme também já destacado pelo e. Ministro Edson

Fachin, em lição impecável:

 

“Primeiramente, a meu ver, não cabe à autoridade judicial ou ao Ministério Público selecionar quais das provas colhidas, incorporadas aos autos referentes aos fatos objeto de investigação são ou não úteis ao desenvolvimento da estratégia defensiva no trâmite da ação penal.

Como os órgãos incumbidos da investigação e da acusação tiveram amplo acesso aos elementos apreendidos e selecionaram aqueles que, relacionados ao caso, seriam úteis para o oferecimento da denúncia, entendo, em razão da paridade de armas e do princípio da comunhão da prova que deve ser concedida à defesa idêntica oportunidade a fim de que ela própria possa verificar os eventuais dados probatórios que possam ser utilizados em seu benefício.”25

23 Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho. As nulidades no processo penal. – 10. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 145.

24 STF, HC n. 218.265 MC-Ref/SP, Rel. Min. ANDRÉ MENDONÇA, 2ª Turma, j. em 22.08.2023, pub.

29.08.2023.

25 STF, Rcl 61.894/SP, Rel. Min. Edson Fachin.

Em linha idêntica, a inesquecível lição do e. Ministro Celso de

Mello:

 

“Cabe assinalar, neste ponto, um outro aspecto relevante do tema ora em análise, considerados os diversos elementos probatórios já produzidos nos autos da persecução penal e, portanto, a estes já formalmente incorporados. Refiro-me ao postulado da comunhão da prova, cuja eficácia projeta-se e incide sobre todos os dados informativos, que, concernentes à ‘informatio delicti’, compõem o acervo probatório coligido pelas autoridades e agentes estatais. Esse postulado assume inegável importância no plano das garantias de ordem jurídica reconhecidas ao investigado e ao réu pois, como se sabe, o princípio da comunhão (ou da aquisição) da prova assegura, ao que sofre persecução penal ainda que submetida esta ao regime de sigilo-, o direito de conhecer os elementos de informação já existentes nos autos e cujo teor possa ser, eventualmente, de seu interesse, quer para efeito de exercício da auto-defesa, quer para desempenho da defesa técnica. É que a prova penal, uma vez regularmente introduzida no procedimento persecutório, não pertence a ninguém, mas integra os autos do respectivo inquérito ou processo, constituindo, desse modo, acervo plenamente acessível a todos quantos sofram, em referido procedimento sigiloso, atos de persecução penal por parte do Estado.

(…)

Oque não se revela constitucionalmente lícito, segundo entendo, é impedir que o indiciado (ou aquele sujeito a investigação penal) tenha pleno acesso aos dados probatórios, que, já documentados nos autos (porque a estes formalmente incorporados), veiculam informações que possam revelar-se úteis ao conhecimento da verdade real e à condução da defesa da pessoa investigada ou processada pelo Estado, ainda que o procedimento de persecução penal esteja submetido a regime de sigilo.”26

 

 

Nem mesmo a súmula vinculante 14 – que determina o acesso aos documentos juntados no inquérito policial e protege, como não poderia deixar de ser, as diligencias investigativas em andamento – justifica o que se vê no presente feito. Afinal, já estamos na fase do processo penal e todas as diligências que embasaram a denúncia devem ser conhecidas pelos réus.

 

 

 

 

 

 

   

26 STF, HC 90.099/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 27.10.2009.

E a situação é mais grave na medida em que o que se pretende conhecer é o espelhamento dos telefones já apreendidos, diligência esta já concluía há tempos.

 

Conforme consigna o precedente do d. Ministro Cezar Peluso, “se o sigilo é aí necessário à apuração e à atividade instrutória, a formalização documental de seu resultado já não pode ser subtraída ao indiciado nem ao defensor, porque, é óbvio, cessou a causa mesma do sigilo”27.

 

Ademais, trata-se de sigilo a ser imposto quando da investigação – que aqui já está encerrada, diante do oferecimento da denúncia.

 

Razão pela qual, desde já requer-se que o presente feito também garanta o efetivo exercício do contraditório e da ampla defesa, o que só será possível com o seu pronto saneamento, a fim de garantir também à defesa do Peticionário conhecimento de todo o conjunto probatório já arrecadado, especialmente o espelhamento dos celulares, computadores, HDs e pen-drives apreendidos nestes autos, bem como aqueles que aqui tiveram seu teor utilizado, para que possa realizar sua análise com paridade de armas, com a concessão de prazo razoável para análise dos dados, desde já comprometendo-se com a entrega das mídias necessárias para armazenar o espelhamento ora requerido.

 

 

IV.   O DOCUMENT DUMP QUE MARCA O PROCESSO ENTREGUE À DEFESA

 

 

Conforme demonstrado, a defesa não teve acesso à íntegra da prova produzida nestes autos. Contudo, no que pode surgir como uma aparente contradição, os defensores também se encontram soterrados em uma quantidade gigantesca não só de documentos, mas de autos, apensos e feitos apartados. Em milhares de páginas e centenas de gigabytes.

 

 

 

   

27 STF, HC 88.190, voto do Rel. Min. Cezar Peluso, 2ª Turma, j. em 29.08.2006, DJ 06.10.2006.

Essa contradição, no entanto, é apenas aparente e, antes, traduz uma tática acusatória que, por si só, atinge tanto o exercício da ampla defesa e do contraditório, como também e especialmente, a justa causa para a ação penal.

 

A leitura da denúncia, que deveria servir de guia das imputações e indícios não só para a defesa, mas também para os julgadores, não tem método, lógica ou qualquer tipo de organização.

 

Pois não se trata apenas de ter autos volumosos. Antes, é a desorganização das informações postas pela acusação em um processo que já é volumoso.

 

Ao consultar a Pet 12.100 nos autos eletrônicos, a defesa encontra um processo com mais de 1300 Peças, dentre as quais estão as cópias dos 18 volumes, com mais 4.700 páginas que se iniciaram no formato físico e foram depois digitalizados.

 

Para além destes autos principais, este processo já tinha 7 outros procedimentos que constam como apensos: o Inq 4874 e as Pets 9.005, 11.027, 11.085, 11.774, 12.080 e 13.236.

 

São 405 GB de informação, distribuídos em 3.426 pastas e 112.891 arquivos. As cópias que somam 35.539 páginas.

 

Ao mesmo tempo, o Inq 4874 traz mais de uma centena de pastas, com outras dezenas de documentos compactados que levam a outras pastas e a outros documentos compactados que, ao fim, tem apenas dois arquivos de texto, dificultando sobremaneira a consulta e a compreensão do quanto ali está armazenado. Uma dezena de cliques até chegar-se a um documento.

 

A quantidade de feitos, páginas e dados já impressionava, mas o oferecimento da denúncia trouxe surpreendente constatação: o que informava a acusação aqui apurada não eram (só) aqueles outros autos.

Ao oferecer a denúncia, o Parquet requereu “a concessão de acesso às defesas dos denunciados – excepcionadas eventuais diligências em curso – aos elementos informativos constantes das Petições n 9.842, 11.108, 11.552, 11.781, 12.159, 12.732, 13.236 e da Ação Penal

n. 2417, que instruíram a presente denuncia”.

 

São 8 novos autos que, com exceção à Pet 13.236, eram até agora desconhecidos da defesa e que foram repentinamente apresentados pelo Ministério Público Federal.

 

As cópias das Pets 11.108, 11.552, 11.781, 12.101, 12.159 e

12.732 subitamente somaram aos autos antes existentes outros 57 GB, distribuídos em 310 pastas, 1.468 arquivos e 45.725 novas páginas.

 

Em pouco tempo, a defesa foi soterrada em milhares de folhas que não trazem a prova e que, muitas vezes, não tem relação com as imputações.

 

Uma somatória parcial já alcança mais de 81 mil páginas!! Sem contar os processos eletrônicos, que somam mais de 2.800 peças28 (vários destas com dezenas de páginas). E a todos estes autos ainda se somou o processo no qual firmada a delação do corréu Mauro Cid, que traz mais de 900 páginas e 46 arquivos de mídia.

 

A quantidade de documentos que hoje formam os autos é gigantesca, para dizer muito pouco. Já seria grave, mas esse conjunto imenso de folhas e processos é apresentado pela acusação de forma desorganizada, sem qualquer sistemática.

 

O Parquet traz aos autos processos que a denúncia não explica porque buscou juntar ao feito, que nem sequer são mencionados na inicial. Resta ao Peticionário a hercúlea tarefa de responder uma acusação que não indexa ou organiza essa verdadeira barafunda de autos e páginas sem qualquer mapa ou guia (função que deixou de ser desempenhada pela acusação posta).

 

 

 

 

28 Somando-se a Pet 12.100, a Pet 9.842 e a Ação Penal 42417.

Afinal, a denúncia traz mais de duas centenas de notas de rodapé que em alguns momentos indicam a Pet (petição) na qual a informação ou suposto indício poderiam ser encontrados, mas ora citam apenas os números de IPJ ou RAPJ, sem qualquer outra indicação. Só para, sem qualquer explicação, depois alterar as siglas utilizadas (e sem indicação de autos ou folhas):

   

 

 

 

As menções aos depoimentos do delator também são sintomáticas do método adotado pela acusação: algumas citações indicam autos, outras apontam datas e, ao final, colocam apenas o local: depoimento prestado no Supremo Tribunal Federal.

 

Há também as citações que não indicam nada disso, mas sim o número do termo de depoimento (seja quando traz o depoimento do delator, seja quando traz a oitiva de outras pessoas):

             

 

O que a Defesa deve fazer?? Encontrar estes documentos e depoimentos nas mais de 81 MIL página que hoje formam esta Pet 12.100? Adivinhar onde os depoimentos estão nos 14 diferentes procedimentos juntados/indicados?

Os autos estão tão embaralhados que em alguns casos nem a Procuradoria-Geral consegue localizar os documentos que utiliza, dando como fonte o Relatório Final que cita a informação, não o documento que está sendo citado:

   

 

 

E não é só: em outros diversos momentos – para maior estarrecimento da defesa – materiais apreendidos tem como referência a data da busca!! Dada a forma como a denúncia é posta, a leitura e navegação pela imensa quantidade de autos e folhas fornecidos não é tarefa possível:

 

 

 

 

De repente, e também sem outra razão ou aviso, a Procuradoria-Geral decide acabar de vez com qualquer referência ou indicação: o depoimento de Clebson Ferreira de Paula Vieira, por exemplo, ocupa uma extensa nota de rodapé que, no entanto, não informa de que autos (e, muito menos, de que páginas) a citação foi retirada (p. 80/81 da denúncia).

 

Ora usa-se o número de processo adotado nesse E. Supremo Tribunal Federal, ora a indicação é do número (diverso) adotado pela Polícia Federal:

Seriam os mesmos autos? Se sim, por que não usar o mesmo número? Se não, porque não apontar para a numeração utilizada no Tribunal (e adotada na cota, por exemplo)?

 

Resta claro o intuito de confundir para impedir a compreensão da acusação e, via de consequência, o exercício da defesa.  

Sem que a denúncia traga indicações e menções claras ou minimamente organizadas aos elementos dos autos – leia-se, sem números de folhas e sem número de processo – a defesa é obrigada a sair em verdadeiras caçadas pelos documentos citados. Tudo em um prazo que já seria inequivocamente exíguo se estivéssemos diante de documentos e indícios corretamente indexados pela acusação e em autos lineares e de leitura simples.

 

No presente caso, com 7 novos processos sendo trazidos repentinamente ao feito pela Procuradoria-Geral, parte deles físicos, somando-se a autos que já eram complexos e imensos, a tarefa se torna impossível.

 

É grave e ilegal. Afinal, é “a partir da conexão que o órgão acusador faz entre o fato alegado, de um lado, e a prova pré-constituída que lhe daria respaldo, de outro lado” que “se pode contrariar eficazmente a imputação e, mais do que isso, avaliar- se a razoabilidade da litispendência. Se o órgão acusador não estabelece, de forma razoável, de que maneira extrai da prova que instrui a demanda o nexo com os fatos que imputa, isso impede que o demandado e, a rigor, o próprio Estado controlem a plausibilidade da acusação”29.

 

 

 

29 YARSHELL, Flávio Luiz. Prova Documental Volumosa: perplexidades geradas pelo document dump. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2019-out-20/flavio-yarshell-perplexidades-geradas- document-dump>.

Eis porque, a desorganização da denúncia e dos autos por ela juntados atinge diretamente a verificação da justa causa da ação penal. Se não é possível verificar diretamente a prova que embasaria esta ou aquela imputação não se pode presumir, no âmbito penal, sua existência e comprovação.

 

E não estamos diante de uma falha, mas de uma tática acusatória. Situação que hoje tem nome e é veementemente condenada. Trata-se de inaceitável “document dump”, conhecido também como “bulk discovery” ou “hide and seek play”. Mais uma vez citando o professor Flávio Luiz Yarshell, trata-se do “fornecimento de um elevado volume de documentos com intuito de dificultar o exame do requerente”.

 

Não há exemplo mais preciso de um document dump do que a juntada de milhares de páginas, distribuídas em diversos autos que, conforme confessa o Parquet, eram até o momento desconhecidas da defesa. Processos que, em alguns casos, nem mesmo são mencionados na inicial acusatória.

 

O professor explica que ao propor uma ação penal, o ônus acusatório não está apenas em especificar fatos e circunstâncias, mas especialmente na “demonstração do nexo que esses fatos têm com o material probatório que instrui a acusação” – o que ganha ainda mais relevância em casos como o presente, ou seja, “situações em que o órgão acusador, para além de alentadas peças inaugurais, ‘despeja’ nos autos um volume expressivo de documentos – impressos ou em formato eletrônico”30.

 

É diante dessa realidade, que inegavelmente também está aqui presente, que o Professor passa a analisar os abusos acusatórios que, com cada vez mais frequência, ocorrem no processo penal brasileiro:

 

“E, como foi dito inicialmente, no contexto de documentação extremamente volumosa – física ou digital – a questão passou a ter implicações ainda mais relevantes.

 

   

30 YARSHELL, Flávio Luiz. Prova Documental Volumosa: perplexidades geradas pelo document dump. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2019-out-20/flavio-yarshell-perplexidades-geradas- document-dump>.

Trata-se de um fenômeno não exatamente novo, embora atual. Ele é particularmente conhecido e debatido, dentre possíveis outros lugares, nos Estados Unidos da América, e ali traduzido na expressão document dump: o réu é literalmente coberto por milhares de páginas de documentos, muitos dos quais obtidos pelo acusador no curso de outras investigações ou processos, constituindo-se, por vezes, em material irrelevante para a controvérsia. Esses documentos podem ser produzidos em formato tradicional ou eletrônico, deixando o réu afogado em meio a grande volume de prova, numa situação parecida com a busca de uma agulha no palheiro.

(…)

E, de fato, com o avanço tecnológico e o advento da electronic discovery, alargou-se o campo para o abuso no referido contexto, com uma nova gama de possibilidades que passam por ‘enterrar’ o acusado em meio a milhares ou milhões de páginas de documentos irrelevantes ou duplicados; e chegam até mesmo à produção de dados tão cheios de problemas técnicos que acabam por ser essencialmente inutilizáveis.

(…)

Os efeitos da tática de pedir descobertas indefinidas e/ou de despejar documentos sobre o adversário são obviamente nefastos, para as partes e mesmo para o Judiciário. Por isso é que, no contexto da discovery, progressivamente passou a haver grande ênfase para o caráter colaborativo das partes, que devem se abster de empregar táticas que criem embaraços ou ônus excessivos para o adversário. E é curioso observar que, na experiência estadunidense, os excessos da discovery estão frequentemente ligados ao relativo baixo custo da providência; o que paradoxalmente aponta para abusos cometidos pelo próprio Estado. Qualquer semelhança será mera coincidência…”

 

 

No mesmo sentido são os alertas do Promotor Sauvei Lai:

 

“(…)

41.   Um novo tipo de estratégia do e-documento dump é observado também pela doutrina estrangeira que anota ‘Another technique is to fail to produce document indices that help the requesting party review the documents even though such indices exist”31 ou, em tradução simples, ‘Outra técnica é deixar de produzir índices de documentos que ajudem a parte solicitante a revisar os documentos, mesmo que tais índices existam’ (…).

 

 

 

   

31       HOPWOOD,    William   et    al.   Fighting   Discovery   Abuse   in    Litigation.   Disponível   em:

<https://www.researchgate/publication/279516352_Fighting_Discovery_Abuse_in_Litigation>.

42.   Aliás, a ausência de organização e de indexação é um tiro mortal desferido contra a Teoria da Informação, cuja premissa primordial é justamente a transmissão de uma informação de forma compreensível para ser útil.

43.    A tática abusiva do e-document dump objetiva o oposto, inviabilizando ou, ao menos, retardando o processo de compreensão dos dados despejados pelo receptor ou fazendo-o excessivamente oneroso e custoso, de modo a torná-los inúteis para o objetivo pré-fixado. Não só prejudicando o receptor, porque, muitas vezes, a intenção seria confundir ‘o próprio julgador acerca do que seja efetivamente dotado de relevância’32 (…).

(…)

47. Há indiscutível interesse do Judiciário de se prevenir o e-document dump, que – além de solapar o devido processo legal (art. 5º, inciso LIV, da CRFB/1988) com todos os desdobramentos anteriormente examinados e de obstruir uma desejável instrução criminal qualificada – impede ou, no mínimo, confunde a análise judicial dos limites objetivos e subjetivos da coisa julgada (do art. 5º, inciso XXXVI, da CRFB/1988), pois obriga o Juiz a comparar um volume gigantesco e desorganizado de provas com as de outras investigações ou ações penais semelhantes, por ventura existentes, correndo-se o risco de violação do princípio do ne bis in idem (art. 95, incisos III e V, do CPP), verdadeira cláusula assecuratória da dignidade humana do art. 1º, inciso III, da CRFB/1988.”33

 

 

Em caso semelhante e menos grave que o presente, o MM. Juízo da 12ª Vara Federal Criminal do Distrito Federal rejeitou a denúncia oferecida no processo que ficou conhecido como “Quadrilhão do MDB” diante da juntada de milhares de documentos não indexados de forma clara na inicial. A decisão, com razão, mereceu repercussão, tendo então anotado com fundamento para a rejeição da denúncia que:

 

“Esse procedimento evidencia, a um só tempo, abuso do direito de acusar e ausência de justa causa para a acusação. É que, ao somar às irrogações genéricas contidas na denúncia uma quantidade indiscriminada e invencível de documentos, o Ministério Público Federal impede possam os Denunciados contraditar os fatos e as provas que lhes dão supedâneo.”

32 Souza, Alexander Araújo. O abuso do direito no processual penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 168.

33  LAI, Sauvei. Despejo de provas excessivas e inúteis no processo penal. Disponível em:

<https://sauveilai.jusbrasil.com.br/artigos/1397716038/despejo-de-provas-excessivas-e-inuteis-no- processo-penal#_ftn1>.

 

O problema da denúncia oferecida pelo Parquet vai muito além da mera quantidade de páginas. Reside antes na barafunda de documentos que, de forma indiscriminada, foram jogados nos presentes autos. Em casos como o presente, a defesa torna-se verdadeiro exercício de adivinhação!

 

O document dump ora demonstrado é tática acusatória que impede o recebimento da denúncia e a continuidade da ação penal na forma como proposta: seja porque afronta os arts. 41 e 395, III, do Código de Processo Penal, seja porque produz um processo marcado pelo impedimento ao exercício do contraditório e da ampla defesa. De toda a forma, a rejeição da denúncia é medida que se impõe.

 

 

V.     Das nulidades verificadas nos autos do INQ 4878/DF e da PET 10.405/DF: a vinculação com o presente caso  

A denúncia que ora se responde – e também as provas que a subsidiam – tem origem direta nas apurações realizadas nos autos do INQ 4878/DF, que deu origem à PET 10.405/DF.

 

Com efeito, e como se verá em detalhes mais adiante, o INQ 4878/DF foi instaurado para apurar eventual delito de divulgação de dados de inquérito sigiloso em virtude de live realizada pelo então Presidente da República em 04 de agosto de 2021.

 

Foi no âmbito daquela apuração que se decretou o afastamento do sigilo telemático de Mauro César Barbosa Cid, “para acesso ao conteúdo de dados armazenados em serviços de nuvem (cloud storage) em nome de MAURO CÉSAR BARBOSA CID, com fulcro no art. 240, § 1º, alínea e e h do Código de Processo Penal, art. 7º, incisos III e art. 10, §1º da Lei 12.965/2014”34.

34 Conforme se verifica do relatório do eminente Min. Relator nos autos do Inq 4878 AgR-terceiro, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 21-10-2024, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 23-10-2024 PUBLIC 24-10-2024.

E foi no âmbito – e em decorrência – desta investigação que se determinou a autuação da PET 10.405/DF, no bojo da qual foram decretadas outras inúmeras medidas cautelares de quebras de sigilo fiscal, bancário e telemático de diversas pessoas físicas e jurídicas.

 

Foi também na PET 10.405/DF que foram decretadas as medidas cautelares cumpridas no dia 03 de maio de 2023, no que se denominou de “Operação Venire”, no bojo da qual foram cumpridos, dentre outras medidas, 16 (dezesseis) mandados de busca e apreensão e 06 (seis) mandados de prisão preventiva (decisão proferida às fls. 2.169-2.245 da PET 10.405/DF).

 

E foi no cumprimento dos referidos mandados de busca e apreensão que foram apreendidos os aparelhos celulares do Peticionário, de Mauro César Barbosa Cid e outros, cujo conteúdo é largamente utilizado pela peça acusatória (confira- se, por exemplo, fls. 93, 100, 101, 116, 136, 168, 169, 178, 209 e 238 da denúncia).

 

A lista dos alvos que tiveram seus dispositivos apreendidos no cumprimento dos mandados expedidos na PET 10.405/DF, aliás, é extensa e inclui as seguintes pessoas: Cláudia Helena Acosta Rodrigues da Silva, Camila Paulino Alves Soares, Gutemberg Reis de Oliveira, Marcelo Fernandes de Holanda, Marcelo Moraes Siciliano, Farley Vinicius Alcantara, Eduardo Crespo Alves, Ailton Gonçalves Moraes Barros, Mauro Cesar Barbosa Cid, Luis Marcos dos Reis, Max Guilherme Machado de Moura, Sérgio Rocha Cordeiro, Marcelo Costa Câmara e do Peticionário Jair Messias Bolsonaro.

 

Foi também no bojo da PET 10.405/DF, por meio da mesma decisão (fls. 2.169-2.245), que se decretou a prisão preventiva de Mauro Cesar Barbosa Cid que, em decorrência da referida medida, celebrou em seguida acordo de colaboração premiada com a autoridade policial, cujos depoimentos são também largamente utilizados pela denúncia.

 

Assim, as nulidades que serão a seguir apresentadas são diretamente relacionadas e prejudiciais à continuidade do presente feito, que, inclusive, foi distribuído por dependência e prevenção à PET 10.405/DF:

 

 

Nesses termos, porque as provas aqui utilizadas são diretamente originárias das apurações levadas a efeito no INQ 4878/DF e na PET 10.405/DF, esta defesa apontará a seguir, de maneia detalhada e fundamentada, a nulidade dos referidos procedimentos, por diversas razões, e a consequente ilicitude dos elementos de prova deles decorrentes

 

 

VI.  Ilegalidade da decisão que determinou a instauração do INQ 4878/DF por afronta ao art. 230-B do RISTF  

O Regimento interno do Supremo Tribunal Federal veda o processamento de qualquer comunicação de crime, determinando seu envio para a Procuradoria-Geral da República:

 

Art. 230-B. O Tribunal não processará comunicação de crime, encaminhando-a à Procuradoria-Geral da República.

 

A jurisprudência também proíbe e reconhece que compete exclusivamente ao Ministério Público essa verificação, “não podendo o STF substituir tal atribuição”:

 

“2. Em respeito ao sistema acusatório e, notadamente, à titularidade da atribuição de representar por abertura de inquérito exclusiva da PGR, conforme compreensão adotada pela Suprema Corte em casos semelhantes, não há como o Judiciário substituir a atividade ministerial exercendo juízo valorativo sobre fatos alegadamente criminosos, atribuição exclusiva do Parquet. 3. Os fatos e suas eventuais provas devem ser entregues à Procuradoria Geral da República, autoridade a quem cabe o juízo acerca da viabilidade de abertura de investigação em face de crime de ação penal pública envolvendo autoridades com prerrogativa de foro, não podendo o STF substituir tal atribuição. 4. Agravo regimental não provido. ” (Pet 11024 ED, Relator Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, julgado em 03/04/2023)

 

 

No presente caso, em contrariedade à lei e à jurisprudência, o Ministro Relator recebeu comunicação de crime do Tribunal Superior Eleitoral e determinou, de ofício a instauração de inquérito (fls. 17-18 do INQ 4878).

 

Com efeito, conforme fls. 02-07 dos autos do INQ 4878, o Tribunal Superior Eleitoral encaminhou o ofício GAB-SPR nº 2931/2021 ao Eminente Ministro Alexandre de Moraes contendo notícia-crime em face do então Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro:

 

 

 

Como a decisão sobre a necessidade de instauração de investigação cabe à Procuradoria-Geral da República, na medida em que o RISTF dispõe que: “O Tribunal não processará comunicação de crime, encaminhando-a à Procuradoria-Geral da República”, a comunicação cuidou de ressaltar que as sugestões de diligências estavam sendo feitas “Caso venha a ser instaurada investigação acerca dos fatos aqui noticiados” (fls. 06 do INQ 4878):

   

 

No entanto, ao receber a notícia-crime, o eminente Ministro Relator acolheu a notícia criminis e determinou, a instauração de inquérito policial contra o então Presidente da República e outros (fls. 12-19):

 

“Diante todo o exposto, ACOLHO A NOTITIA CRIMINIS ENCAMINHADA PELO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, DETERMINANDO A INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO ESPECÍFICO, PARA INVESTIGAÇÃO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA JAIR MESSIAS BOLSONARO, DO DEPUTADO FEDERAL FELIPE BARROS E DO DELEGADO DA POLÍCIA FEDERAL VICTOR NEVES FEITOSA CAMPO, A SER AUTUADO E DISTRIBUIDO POR PREVENÇÃO AO INQUÉRITO 4.781, DE MINHA

RELATORIA, nos termos do art. 76 do Código de Processo Penal.”

 

 

 

Nesses termos, de um lado o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal dispõe que “Art. 230-B. O Tribunal não processará comunicação de crime, encaminhando-a à Procuradoria-Geral da República.”, do outro, o eminente Ministro Alexandre de Moraes processou a notícia-crime, determinando, de ofício a instauração de inquérito policial.

 

A mesma live que originou a notícia-crime encaminhada pelo TSE também foi objeto de notitia criminis apresentada por Alencar Santana Braga e outros, autuada como PET 9833. E da leitura daquele feito, verifica-se que tão logo distribuída a notitia criminis, a eminente Ministra Carmen Lúcia determinou a remessa dos autos à Procuradoria-Geral da República:

 

“Necessária, pois, seja determinada a manifestação inicial do Procurador-Geral da República, que, com a responsabilidade vinculante e obrigatória que lhe é constitucionalmente definida, promoverá o exame inicial do quadro relatado a fim de se definirem os passos a serem trilhados para a resposta judicial devida no presente caso. 4. Manifeste-se a Procuradoria-Geral da República. Publique-se. Brasília, 3 de agosto de 2021. Ministra CÁRMEN LÚCIA”

Assim, a atuação em violação à determinação regimental e à jurisprudência que estabelece que: “Os fatos e suas eventuais provas devem ser entregues à Procuradoria Geral da República, autoridade a quem cabe o juízo acerca da viabilidade de abertura de investigação em face de crime de ação penal pública envolvendo autoridades com prerrogativa de foro”35 tem como consequência a nulidade da investigação instaurada sem a oitiva prévia da Procuradoria-Geral da República, maculando o INQ 4878 desde o seu nascedouro.

 

Nesses termos, requer-se seja reconhecida e declarada a nulidade da decisão proferida às fls. 12-19 do INQ 4878, bem como das determinações dela constantes, com as consequências daí decorrentes.

 

Mas não é só.

 

 

 

VII.       Ofensa ao princípio acusatório: determinação de realização de depoimentos, diligências e o afastamento de servidor público sem requerimento da Polícia Federal ou da Procuradoria-Geral da República – Violação ao art. 3-A do CPP  

Na mesma decisão que processou a comunicação de crime em violação ao art. 230-B do RISTF, verifica-se outras ilegalidades, consubstanciadas na violação ao disposto no art. 3-A do CPP. Vejamos.

 

O artigo 3-A do CPP proíbe a iniciativa do juiz na fase de inquérito: “O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação”.

 

A jurisprudência do STF proíbe igualmente a iniciativa probatória na fase de inquérito, além de determinar que a única atuação do juiz na fase de inquérito é para proteger os direitos do investigado:

 

 

35 Pet 11024 ED, Relator Min. Dias Toffoli, primeira turma, julgado em 03/04/2023.

“[…] A separação entre as funções de acusar defender e julgar é o signo essencial do sistema acusatório de processo penal (Art. 129, I, CRFB), tornando a atuação do Judiciário na fase pré-processual somente admissível com o propósito de proteger as garantias fundamentais dos investigados” (ADI 4414, Relator Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 31/05/2012). (grifamos)

 

 

“(…) a interpretação do art. 3º-A mais compatível com a integralidade do texto constitucional mantém a previsão normativa de que o processo penal tem estrutura acusatória, vedada a iniciativa do juiz na fase de investigação, mas exige que a parte final do novel dispositivo seja lida de modo a vedara substituição da atuação de qualquer das partes. Além disso, deve-se compreender que o dispositivo não veda a possibilidade de o magistrado, no curso do processo, agir, pontualmente, nos limites legalmente autorizados, para dirimir dúvida sobre ponto relevante. (…)”(ADI 6298, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 24- 08-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n  DIVULG 18-12-2023

PUBLIC 19-12-2023) (grifamos)

 

 

 

Como se verifica, o Plenário do Supremo Tribunal Federal analisando especificamente o art. 3-A do CPP manteve intacta a previsão normativa de que é “vedada a iniciativa do juiz na fase de investigação” não alterando a redação ou conferindo interpretação diversa no tocante à fase de investigação.

 

Não se trata de novidade, pois, há mais de vinte anos a Suprema Corte já afirmava a incompatibilidade com o modelo constitucional de dispositivo da Lei nº 9.034/1995 que permitia a produção e realização de ofício de diligências probatórias pelo magistrado, inclusive por comprometer o princípio da imparcialidade e consequente violação ao devido processo legal. (ADI 1570, Rel. Maurício Corrêa, P., DJ 22.10.2004).

 

No presente caso, no entanto, além de receber comunicação de crime e determinar de ofício a instauração de inquérito, o Ministro relator, que não pode ter iniciativa na fase de investigação, determinou, de ofício, (i) o afastamento de delegado de polícia federal (ii) a determinação de diligências probatórias, dentre elas a determinação

de oitivas e (iii) a expedição de determinações para redes sociais diversas (fls. 18-19 do INQ 4878):

 

 

“(…) PARA O PROSSEGUIMENTO DAS INVESTIGAÇÕES, DETERMINO, AINDA:

(a)  o afastamento do Delegado de Polícia Federal Victor Neves Feitosa Campo da Presidência do Inquérito nº 1361/2018-4/DF, com requisição ao Diretor- Geral da Polícia Federal de instauração de procedimento disciplinar para apurar os fatos (divulgação de segredo); que, igualmente, deverá providenciar a substituição da autoridade policial;

(b)  oitiva de dois dos envolvidos na divulgação dos dados sigilosos, no prazo máximo de 10 (dez) dias:

(b.1) VICTOR NEVES FEITOSA CAMPO, Delegado de Polícia Federal; (b.2) FELIPE BARROS, Deputado Federal;

(c)    a expedição de ofício para que as empresas FACEBOOK, TWITTER, TELEGRAM, (CLOUDFARE) E BITLY procedam à imediata exclusão/retirada das publicações divulgadas nos links a seguir, preservando o seu conteúdo, com disponibilização ao SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL” (grifamos)

 

 

 

 

Assim, enquanto o art. 3-A do CPP dispõe ser vedada a iniciativa do juiz na fase de investigação, no presente caso o que se verificou foram iniciativas tomadas de ofício, como a determinação para que fossem realizadas oitivas de envolvidos, nominando-os, além do afastamento de servidor público, cujo afastamento também encontra óbice no art. 282, § 2º do CPP, que não permite a sua realização sem pedido da autoridade policial ou ministerial.

 

A proibição desse tipo de conduta tem razão de ser na nociva contaminação que a atuação em substituição à acusação exerce na imparcialidade daquele que deveria atuar de forma equidistante.

 

A determinação de diligências probatórias e cautelares sem qualquer provocação da autoridade policial ou da Procuradoria-Geral da República afasta

o magistrado de sua posição constitucionalmente demarcada36 dentro do sistema acusatório, comprometendo a imparcialidade exigida pelo modelo constitucional vigente.

 

Requer-se, por mais essa razão, seja reconhecida e declarada a nulidade da decisão proferida às fls. 12-19 do INQ 4878, por violação ao art. 3-A do Código de Processo Penal, reconhecendo-se a nulidade das investigações conduzidas no referido procedimento, com a consequências legais daí decorrentes.

 

 

VIII.    Ilegalidade na instauração da PET 10.405/DF. Decisão que, a pretexto de determinar diligência probatória para análise da Procuradoria-Geral da República no INQ 4878/DF, determina que o seu resultado seja juntado em novo procedimento sem a participação da Procuradoria-Geral da República  

Encerrados os trabalhos de Polícia Judiciária no âmbito do INQ 4878/DF, a Polícia Federal elaborou relatório final, juntado aos autos em 02/02/2022. Em seguida, remetidos os autos para a Procuradoria-Geral da República, esta postulou o arquivamento dos autos por atipicidade das condutas.

 

No entanto, diante do pedido de arquivamento, o eminente Ministro Relator determinou a realização de diligência consistente em “relatório minucioso de análise de todo o material colhido a partir da determinação da quebra de sigilo telemático”.

 

A justificativa apresentada pelo Ministro Relator, foi a seguinte:

 

Trata-se de inquérito instaurado a partir de notitia criminis encaminhada pelo TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL para investigação das condutas do Presidente da República JAIR MESSIAS BOLSONARO, do Deputado Federal

36 COUTINHO. Jacinto Nelson de Miranda. Sistema acusatório: cada parte no lugar constitucionalmente demarcado. Revista de informação legislativa, v. 46, n. 183, p. 103-115, jul./set. 2009, p. 114: “A cultura acusatória, do seu lado, impõe aos juízes o lugar que a Constituição lhes reservou e de importância fundamental: a função de garante! Contra tudo e todos, se constitucional, devem os magistrados assegurar a ordem posta e, de consequência, os cidadãos individualmente tomados. À ordem de prevalência, nesta dimensão, não se tem muito o que discutir, mormente porque não há direito coletivo mais relevante que aqueles fundamentais dos cidadãos”

FILIPE BARROS e do Delegado da Polícia Federal VICTOR NEVES FEITOSA CAMPOS relacionadas à divulgação de dados de inquérito sigiloso da Polícia Federal, por meio de perfis verificados nas redes sociais, com o objetivo de expandir a narrativa fraudulenta contra o processo eleitoral brasileiro, com objetivo de tumultuá-lo, dificultá-lo, frustrá-lo ou impedi-lo, atribuindo-lhe, sem quaisquer provas ou indícios, caráter duvidoso sobre a lisura do sistema de votação no Brasil.

Em 2/2/2022, foi juntado aos autos o relatório final das investigações. É o relatório. DECIDO.

A Polícia Federal, ao concluir a investigação encaminhou as mídias que contém o material obtido da quebra de sigilo telemático (RE 2021.0077841-SR/PF/DF), não elaborando, entretanto, relatório específico da referida diligência, essencial para a completa análise dos elementos de prova pela Procuradoria-Geral da República.

Dessa maneira, oficie-se à autoridade policial, Delegado de Polícia Federal Fábio Alvarez Shor, para que encaminhe aos autos, no prazo de 15 (quinze) dias, relatório minucioso de análise de todo o material colhido a partir da determinação da quebra de sigilo telemático, preservado o sigilo das informações.” (decisão proferida em 02.05.2022, nos autos do INQ 4878/DF.

Mas se a justificativa era propiciar “a completa análise dos elementos de prova pela Procuradoria-Geral da República”, pode-se concluir que o seu resultado deveria ser juntado no Inquérito e entregue para a Procuradoria-Geral da República. No entanto, cumprida a diligência, deu-se algo diverso (fl. 02 da Pet 10.405/DF):

   

Como se verifica, não se determinou a juntada do resultado no inquérito 4878/DF, em que determinada a sua produção. Determinou-se a autuação do seu resultado com Pet autônoma e sigilosa. Esta decisão inaugurou a PET 10.405/DF (fl. 02).

 

Não houve remessa dos autos para a Procuradoria-Geral da República, tampouco vista do resultado da diligência probatória.

 

Mas a diligência probatória não foi determinada para propiciar “a completa análise dos elementos de prova pela Procuradoria-Geral da República”?

 

Como se vê, enquanto a justificativa para a adoção da diligência probatória era possibilitar a completa análise dos autos pela Procuradoria-Geral da República, a sequência dos fatos aponta o inverso disso, determinando a sua autuação em novo procedimento e sem sequer dar vista de tal material para a Procuradoria-Geral da República.

O que se verificou foi o início de uma nova investigação: “As investigações deverão ser conduzidas pelo Delegado de Polícia Federal Fábio Alvarez Shor, autoridade policial designada para atuar nestes autos”.

De modo igualmente incompreensível, determinou-se que a nova investigação deveria ser autuada como Pet sigilosa, tendo como primeira consequência a ausência de ciência pela Procuradoria-Geral da República do teor das diligências probatórias. Fosse determinada a instauração de novo inquérito policial, a Procuradoria- Geral da República deveria obrigatoriamente intervir, receber os autos em vista e exercer o controle externo da atividade policial, nos termos do art. 52, XII e parágrafo único do RISTF, cuja dispensa de oitiva não é permitida nem mesmo em casos de urgência.

“Art. 52. O Procurador-Geral terá vista dos autos: (…)

XII – nos inquéritos de que possa resultar responsabilidade penal; (…)

Parágrafo único. Salvo na ação penal originária ou nos inquéritos, poderá o Relator dispensar a vista ao Procurador-Geral quando houver urgência, ou quando sobre a matéria versada no processo já houver o Plenário firmado jurisprudência.”

O Plenário dessa Suprema Corte, aliás, não deixa qualquer dúvida: “A coleta de elementos informativos, em toda e qualquer investigação, para não albergar percepções ou afazeres inconstitucionais, deve ser amiúde acompanhada pari passu pelo Ministério Público, que, como se sabe, é o titular da acusação.”37

Se o inquérito deve “ser amiúde acompanhada pari passu pelo Ministério Público”, o que se viu nos autos foi a determinação de juntada do resultado da diligência (determinada no inquérito) em uma Pet sigilosa, longe da fiscalização da Procuradoria-Geral da República.

Tudo isso, apesar de a Suprema Corte circunscrever a participação do Judiciário na investigação criminal: “tornando a atuação do Judiciário na fase pré-processual somente admissível com o propósito de proteger as garantias fundamentais dos investigados” (ADI 4414, Relator Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 31/05/2012).

Por mais essas razões, requer-se, respeitosamente, seja reconhecida e declarada a nulidade, com as consequências legais daí decorrentes, da decisão proferida à fl. 02 da PET 10.405/DF, que determinou a autuação do resultado da referida diligência como uma Pet sigilosa, longe do INQ 4878/DF e do conhecimento da Procuradoria-Geral da República, curiosamente a alegada destinatária da prova.

Ademais, ao longo de quatro meses, a Polícia Federal elaborou 10 (dez) relatórios de análise de dados do investigado Mauro Cid, armazenados em nuvem.

37 ADPF 572, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 18-06-2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-271 DIVULG 12-11-2020 PUBLIC 13-11-2020 REPUBLICAÇÃO: DJe-087 DIVULG 06-05-2021 PUBLIC 07-05-2021.

E, durante todo esse tempo, a Procuradoria-Geral da República não recebeu os autos com vista, mediante carga, em nenhuma oportunidade, mesmo sendo certo que a Polícia Federal além dos 10 (dez) relatórios de análise de dados, apresentou 03 (três) representações pela decretação de medidas cautelares como afastamento do sigilo bancário, fiscal e telemático de dezenas pessoas. Nenhuma dessas representações foram levados ao conhecimento da Procuradoria-Geral da República, o que, com a máxima vênia, viola as disposições que regem a matéria.

De início, porque o Plenário dessa Suprema Corte determina que “A coleta de elementos informativos, em toda e qualquer investigação, para não albergar percepções ou afazeres inconstitucionais, deve ser amiúde acompanhada pari passu pelo Ministério Público”38.

Em segundo lugar, por que o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal determina que o Procurador-Geral da República terá vista “nos inquéritos de que possa resultar responsabilidade penal” (art. 52, caput e parágrafo único do RISTF)

Em terceiro lugar, porque o art. 46 da Lei Complementar 75 de 1993 dispõe expressamente que a Procuradoria-Geral da República deverá manifestar- se previamente: “Incumbe ao Procurador-Geral da República exercer as funções do Ministério Público junto ao Supremo Tribunal Federal, manifestando-se previamente em todos os processos de sua competência.”.

Em quarto lugar, porque o art. 38 da Lei Complementar nº 75/1993 dispõe expressamente que deve ser garantido o direito de acompanhar a investigação: “Art. 38. São funções institucionais do Ministério Público Federal as previstas nos Capítulos I, II, III e IV do Título I, incumbindo-lhe, especialmente: (…) II – requisitar diligências investigatórias e instauração de inquérito policial, podendo acompanhá-los e apresentar provas;”.

38 ADPF 572, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 18-06-2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-271 DIVULG 12-11-2020 PUBLIC 13-11-2020 REPUBLICAÇÃO: DJe-087 DIVULG 06-05-2021 PUBLIC 07-05-2021.

Não é o caso de se alongar, bastando reproduzir o quanto decidido pelo Plenário desse Supremo Tribunal Federal quanto ao tema:

“(…) 3. Deveras, mesmo nos inquéritos relativos a autoridades com foro por prerrogativa de função, é do Ministério Público o mister de conduzir o procedimento preliminar, de modo a formar adequadamente o seu convencimento a respeito da autoria e materialidade do delito, atuando o Judiciário apenas quando provocado e limitando-se a coibir ilegalidades manifestas.” (Inq 2913 AgR, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Relator(a) p/ Acórdão: LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 01-03-2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-121 DIVULG 20- 06-2012 PUBLIC 21-06-2012)

Por todas essas razões, requer-se, respeitosamente, seja declarada a nulidade integral da PET 10.405/DF, desde a sua instauração até o momento em que remetidos os autos com vista à Procuradoria-Geral da República, declarando-se a ilicitude das provas produzidas no curso do referido procedimento e das provas delas decorrentes, nos termos do art. 157, caput e §1º do Código de Processo Penal.

IX.  Pedido de arquivamento, na Pet 10.405/DF, não apreciado.

Como se viu acima, a PET 10.405/DF foi conduzida por meses sem que fosse dado conhecimento à Procuradoria-Geral da República quanto aos relatórios de análise da Polícia Federal e sem que lhe fosse permitida a manifestação prévia quanto aos pedidos de afastamento do sigilo de dados dos investigados.

No entanto, o eminente Ministro Relator da PET 10.405/DF concedeu vistas da íntegra dos autos para a Procuradoria-Geral da República, pela primeira vez, em decisão datada de 07.10.2022.

Com o acesso aos autos, e constatando as inúmeras nulidades levadas a efeito desde a instauração do procedimento, amplamente detalhadas acima, a Procuradoria-Geral da República apresentou a manifestação de fls. 1399-1493, por meio da qual, ao longo de 93 páginas, argumentou que estaria caracterizada a ilegal fishing expedition, que estaria configurada a violação ao sistema processual acusatório, que estariam

caracterizadas ilegalidades e inconstitucionalidades na apuração levada a efeito na PET 10.405/DF e, ao final requereu o arquivamento da PET 10.405/DF.

Nas palavras da Procuradoria-Geral da República: “Sob os diversos fundamentos expendidos ao longo desta manifestação, requer o arquivamento desta Petição nº 10405/DF, com a consequente inutilização de todos os seus elementos probatórios e determinação de desentranhamento dos autos dos Inqs. 4.781/DF e 4.874/DF para os quais foram compartilhadas”.

Diante do pedido de arquivamento, vale aqui reproduzir o entendimento desse Supremo Tribunal Federal:

“a jurisprudência deste Egrégio Supremo Tribunal Federal é pacífica quanto à obrigatoriedade de acolhimento das razões de arquivamento apresentadas pela Procuradoria-Geral da República, ressalvadas as hipóteses de extinção da punibilidade ou atipicidade dos fatos, situações nas quais deve o Juiz decidir a respeito, para acolher ou rejeitar essas questões relativas ao direito material e ao próprio jus puniendi, vinculando a acusação em decisão que se assemelha à rejeição da denúncia ou à absolvição sumária”39

Esse é o entendimento dessa Corte sobre o tema.

No entanto, no mesmo dia, e como se o pedido de arquivamento não existisse, deferiu-se nova quebra de sigilo de dados fiscais e bancários de diversas pessoas físicas e jurídicas (fls. 1.494-1.513 da PET 10.405/DF).

Veja agora a forma como foi mencionado o pedido de arquivamento de 93 laudas apresentado pela Procuradoria-Geral da República:

“Essas circunstâncias, segundo a Polícia Federal, demonstram a relevância e necessidade, em complemento às medidas investigativas já autorizadas, da ‘quebra do 39 Inq 4513 AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 05-09-2022, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-259 DIVULG 16-12-2022 PUBLIC 19-12-2022.

sigilo bancário e fiscal da empresa CEDRO DO LIBANOS, de seus sócios e da pessoa de VANDERLEI CARDOSO DE BARROS para que se possa analisar e identificar a origem dos recursos que entram na referida empresa e são transferidos, desde 2019, para o Sargento do Exército LUIS MARCOS DOS REIS’.

Regularmente intimada, a Procuradoria-Geral da República apresentou manifestação (fls. 1.399-1.493).

É o relatório. Decido.

(…)” (fl. 1.496 da PET 10.405/DF)

Como se observa, o pedido de arquivamento formulado pelo Ministério Público Federal recebeu a seguinte consideração: “Regularmente intimada, a Procuradoria-Geral da República apresentou manifestação (fls. 1.399-1.493). É o relatório. Decido.”

O pedido de arquivamento não foi submetido ao Plenário do Supremo Tribunal Federal, colegiado competente para a sua apreciação na medida em que Jair Bolsonaro era o Presidente da República (cf. art. 5º, inciso I, parte final, do RISTF).

 

Era o caso de indeferimento do pedido? Que se indicasse, então, as razões. O que não se pode admitir, com o máximo respeito, é simplesmente seguir conduzindo a investigação e deferindo quebras de sigilo como se o pedido, com repercussões jurídicas evidentes, não existisse.

 

Basta, aqui, mencionar que a Procuradoria-Geral da República apontou a ilicitude das provas que estavam sendo utilizadas para fundamentar as representações e os deferimentos de afastamento de sigilo, de modo que o pedido não podia ser ignorado.

 

Requer-se, portanto, seja reconhecida e declarada a nulidade do feito, com as consequências daí decorrentes, desde a juntada do pedido de arquivamento não apreciado até a presente data, providência que, desde já, se requer.

X.     Da  Nulidade da Pet  10.405/DF por estar configurada Fishing Expedition  

Nobres Ministros: O que se verificou ao longo de toda a tramitação da PET 10.405/DF talvez seja o maior exemplo de fishing expedition já visto até hoje. Vejamos.

 

a)     O OBJETO E A FINALIDADE QUE JUSTIFICOU A MEDIDA DE AFASTAMENTO DO SIGILO

 

Como se apontou mais acima, no curso do Inquérito 4878/DF, destinado a apurar eventual delito de violação de dados de inquérito sigiloso (art. 153, §1º-A, CP) em virtude de live realizada pelo então Presidente da República em 04 de agosto de 2021, a Polícia Federal requereu o afastamento do sigilo telemático da nuvem de Mauro Cid, o que foi deferido pelo eminente Ministro Alexandre de Moraes.

 

Consoante suas próprias palavras: “Em 31/10/2021, deferi representação formulada pela autoridade policial para acesso ao conteúdo de dados armazenados em serviços de nuvem (cloud storage) em nome de MAURO CÉSAR BARBOSA CID, com fulcro no art. 240, § 1º, alínea e e h do Código de Processo Penal, art. 7º, incisos III e art. 10, §1º da Lei 12.965/2014. Dada a relevância da decisão, transcrevo seu inteiro teor:”.

 

A justificativa e a finalidade da medida era a seguinte:

 

“A medida ora requerida está devidamente justificada, eis que o requerido, MAURO CÉSAR BARBOSA CID, teria recebido cópia do inquérito policial sigiloso indevidamente divulgado do Deputado Federal FILIPE BARROS, o que pode indicar a origem da subsequente publicação da documentação nos meios de comunicação”

Ou seja, a medida objetivava especificamente verificar dados que apontassem maiores informações sobre a origem e publicação do mencionado inquérito sigiloso nos meios de comunicação.

Não por acaso, aliás, a decisão foi proferida, como se transcreveu acima, com fundamento no artigo 240 do CPP, que, sabemos todos, disciplina a medida cautelar de busca e apreensão e cujo artigo 243 exige a expressamente a delimitação do motivo e dos fins da diligência.

b)    DO CUMPRIMENTO E ENCERRAMENTO DA DILIGÊNCIA JUSTIFICOU A QUEBRA DO SIGILO

Deferida a diligência, com a finalidade e justificativa apontadas pela decisão, a Polícia Federal elaborou o Relatório de Análise (RMA 001/2022) com “o detalhamento analítico dos documentos apreendidos em decorrência do cumprimento de MEDIDA CAUTELAR para acesso ao conteúdo de dados armazenados em serviço de nuvem em poder de MAURO CÉSAR BARBOSA CID, exarado pelo Excelentíssimo Senhor Ministro ALEXANDRE DE MORAES do Supremo Tribunal Federal – STF, nos autos do Inquérito STF 4878 – DF.”, cf. Peça 43 do INQ 4878/DF:

Como se verifica, elaborou-se Relatório de Análise com o detalhamento analítico do conteúdo de dados armazenados em nuvem.

O relatório fez diversas análises dos documentos encontrados no serviço de nuvem da empresa Apple e, ao final, o delegado responsável pela análise, Dr. Fábio Shor, destaca que: “Em relação ao material constante no serviço de nuvem da empresa Google (Google Drive), a análise não identificou dados relevantes para a presente investigação”.

E justamente por isso, no dia 31/01/2022, a autoridade policial produziu o relatório final da investigação e, ao final, concluiu: “dá-se por encerrado o trabalho da Polícia Judiciária da União”.

É certo que foi determinada a elaboração de um relatório complementar, mas sempre com o intuito de comprovar a denúncia feita ao TSE.

No entanto, o que se viu, com a máxima vênia, foi o início de uma fishing expedition, verificada no presente caso a partir daquilo que o professor Alexandre Morais da Rosa denominou como uma das hipóteses de vedada pescaria probatória: a “Continuidade da busca e apreensão depois de obtido o material objeto da diligência”40.

 

Vejamos.

 

c)     DOS LIMITES IMPOSTOS PARA O CUMPRIMENTO DA DILIGÊNCIA E A PROIBIÇÃO DE FISHING EXPEDITION

 

Esta Suprema Corte, em diversas oportunidades, já manifestou repúdio à condução de investigações caracterizadas como fishing expedition.

40 Alexandre Morais da Rosa. A prática de fishing expedition no processo penal. Consultor Jurídico. Publicado em 02.07.2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-jul-02/limite-penal- pratica-fishing-expedition-processo-penal/

A literatura sobre o tema também é vasta, sendo relevante apontar a definição do Professor Alexandre Morais da Rosa, para quem: “Fishing expedition, ou pescaria probatória, é a procura especulativa, no ambiente físico ou digital, sem “causa provável”, alvo definido, finalidade tangível ou para além dos limites autorizados (desvio de finalidade), de elementos capazes de atribuir responsabilidade penal a alguém.”41.

 

O referido professor prossegue com a indicação das variadas formas pelas quais a pescaria probatória poderia se configurar:

 

“6) Hipóteses de pescaria probatória

A criatividade dos agentes públicos oportunistas no “aproveitamento” de diligências, com ou sem autorização, para colocar em prática à expedição probatória pode se configurar, entre outras hipóteses:

a)  Busca e apreensão sem alvo definido, tangível e descrito no mandado (mandados genéricos);

b)  Vasculhamento de todo o conteúdo do celular apreendido;

c)  Continuidade da busca e apreensão depois de obtido o material objeto da diligência;

d)  Investigações criminais dissimuladas de fiscalizações de órgãos públicos (Receita

Federal, controladorias, Tribunais de Contas, órgãos públicos etc.);

e)  Interceptação ou monitoramento por períodos longos de tempo;

f)    Prisão temporária ou preventiva para “forçar” a descoberta ou colaboração premiada ou incriminação;

g)  Buscas pessoais (ou residenciais) desprovidas de “fundada suspeita” prévia e objetiva; e,

h)    Quebra de sigilo (bancário, fiscal, dados etc.) sem justificativa do período requisitado.”

Desse “catálogo de ilegalidades” que caracterizam a proibida pescaria probatória mostra-se extremamente relevante para o presente caso a hipótese

41 Alexandre Morais da Rosa. A prática de fishing expedition no processo penal. Consultor Jurídico. Publicado em 02.07.2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-jul-02/limite-penal- pratica-fishing-expedition-processo-penal/

indicada no item (c), que caracteriza a proibida pescaria probatória o ato de “Continuidade da busca e apreensão depois de obtido o material objeto da diligência”.

 

Sobre esse ponto, e consoante o informativo n. 731, o Superior Tribunal de Justiça, decidiu que “Admitir a entrada na residência especificamente para efetuar uma prisão não significa conceder um salvo-conduto para que todo o seu interior seja vasculhado indistintamente, em verdadeira pescaria probatória (fishing expedition), sob pena de nulidade das provas colhidas por desvio de finalidade”.

 

Naquele julgamento, o eminente Ministro Relator apontou dois exemplos que indicam o referido desvio de finalidade após finalizada a diligência:

 

“Dois exemplos bem ilustram a questão. Imagine-se que, no decorrer de uma investigação pela prática dos crimes de furto e receptação, a autoridade policial represente pela concessão de mandado de busca e apreensão, a fim de recuperar um celular subtraído, cujo localizador (GPS) aponte estar em determinada moradia. Deferida a ordem para a procura do aparelho, a polícia, por ocasião do cumprimento da diligência, aproveita a oportunidade para levar cães farejadores com o objetivo de verificar a possível existência de drogas no local, as quais acabam sendo encontradas.

Pense-se, ainda, na situação em que uma motocicleta é roubada e tem início

perseguição policial aos assaltantes, os quais se refugiam em casa. Como decorrência do flagrante delito de roubo, os policiais ingressam no local, efetuam a prisão e apreendem o veículo subtraído. Na sequência, decidem aproveitar o fato de já estarem dentro do imóvel para procurar substâncias entorpecentes.

Em ambas as situações hipotéticas trazidas, conquanto seja perfeitamente lícito o ingresso em domicílio, é ilegal a apreensão das drogas, por não haver sido precedida de justa causa quanto à sua existência e por não decorrer de mero encontro fortuito – esse admissível – mas sim de manifesto desvio de finalidade no cumprimento do ato, o qual, no primeiro caso, se limitava a autorizar o ingresso para a recuperação do celular subtraído; no segundo, apenas para efetuar a prisão do roubador e recuperar a motocicleta subtraída.”42

 

 

42 HC n. 663.055/MT, Relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 22/3/2022, DJe de 31/3/2022

Em adição, o Supremo Tribunal Federal já manifestou sérias preocupações com o afastamento do sigilo de dados telemáticos, notadamente diante do risco de se converter tal medida em prática ilegal de fishing expedition.

 

Nesse sentido, a Suprema Corte assentou a extrema necessidade de se atentar – em homenagem ao princípio da proporcionalidade – para a finalidade para a qual foi deferida a medida: “O Tribunal tem enfatizado a necessidade de a quebra ser proporcional ao fim a que se destina, sendo vedada a concessão de indiscriminada devassa da vida privada do investigado”43.

 

Na mesma decisão, e dado que “o modo de vida das pessoas está cada vez mais ligado ao uso de tecnologias das comunicações” o Supremo Tribunal Federal impôs um importante limite – expressamente afirmado na decisão como um dever – dirigido às autoridades: o acesso deve ser mínimo e limitado ao estritamente necessário:

 

“A grande convergência de informações para esses mecanismos implica o dever, por parte das autoridades investigativas, de minimizar o acesso aos dados pessoais do investigado, limitando-se ao estritamente necessário para a investigação, sob pena de ferimento irreparável do direito à intimidade e à privacidade.”44

 

 

Mais adiante, o Supremo Tribunal Federal enfatizou novamente este limite, determinando que o acesso deve recair sobre o mínimo possível para a finalidade da diligência:

 

“Nesse contexto, a quebra de sigilo das comunicações deve ser medida excepcionalíssima, e, ainda mais, deve recair sobre o mínimo possível para o desenvolvimento da investigação (seja ela judicial ou legislativa). A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), aliás, embora não se dirija

43 MC no Mandado de Segurança nº 38176. Relator Ministro Nunes Marques, julgado em 01/09/2021 e publicado em 09/09/2021.

44 MC no Mandado de Segurança nº 38176. Relator Ministro Nunes Marques, julgado em 01/09/2021 e publicado em 09/09/2021.

especificamente à disciplina das medidas de investigação, deixou claro, no art. 4º, § 1º, que tais medidas devem sempre ser proporcionais e estritamente necessárias ao atendimento do interesse público, observados o devido processo legal, os princípios gerais de proteção e os direitos do titular previstos na própria LGPD.”45

 

 

Esses deveres impostos às autoridades, aliás, também encontram reflexos nas limitações impostas ao lapso temporal abrangido pela medida de afastamento do sigilo. Se o acesso deve ser (i) excepcional, (ii) limitado ao estritamente necessário para a investigação e se (iii) a medida deve recair sobre o mínimo possível, evidentemente que o afastamento não pode abranger um período não relacionado à finalidade da medida.

 

Por essa razão que há mais de uma década os Tribunais deste País vêm anulando decisões que permitem o acesso aos dados telemáticos por período ilimitado ou por período desproporcional à finalidade e objeto da diligência.

 

Nesse sentido:

 

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. OPERAÇÃO REVELAÇÃO. CORRUPÇÃO ATIVA. MEDIDAS CAUTELARES DETERMINADAS. AFASTAMENTO DE SIGILO DE CORREIO ELETRÔNICO. DURAÇÃO DA CONSTRIÇÃO. PRAZO: DE 2004 A 2014. FUNDAMENTAÇÃO PARA A QUEBRA DO SIGILO DO E- MAIL NO PERÍODO. AUSÊNCIA. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. NÃO OBSERVÂNCIA. OFENSA ÀS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS. FLAGRANTE ILEGALIDADE. EXISTÊNCIA. ORDEM CONCEDIDA.

1.   A quebra do sigilo do correio eletrônico somente pode ser decretada, elidindo a proteção ao direito, diante dos requisitos próprios de cautelaridade que a justifiquem idoneamente, desaguando em um quadro de imprescindibilidade da providência.

2.   In casu, a constrição da comunicação eletrônica abrangeu um ancho período, superior a dez anos, de 2004 a 2014, sem que se declinasse adequadamente a necessidade da medida extrema ou mesmo

45 MC no Mandado de Segurança nº 38176. Relator Ministro Nunes Marques, julgado em 01/09/2021 e publicado em 09/09/2021.

os motivos para o lapso temporal abrangido, a refugar o brocardo da proporcionalidade, devendo-se, assim, prevalecer a garantia do direito à intimidade frente ao primado da segurança pública.

3.   Lastreadas as decisões de origem em argumentos vagos, sem amparo em dados fáticos que pudessem dar azo ao procedimento tão drástico executado nos endereços eletrônicos do acusado, de se notar certo açodamento por parte dos responsáveis pela persecução penal.

4.  Ordem concedida, com a extensão aos co-investigados em situação análoga, a fim de declarar nula apenas a evidência resultante do afastamento dos sigilos de seus respectivos correios eletrônicos, determinando-se que seja desentranhado, envelopado, lacrado e entregue aos respectivos indivíduos o material decorrente da medida.”46

 

 

As limitações impostas ao afastamento do sigilo de dados protegidos constitucionalmente foram detalhadamente abordadas pelo Eminente Ministro Cezar Peluso em celebre decisão proferida na Medida Cautelar no MS nº 25.81247, a partir da qual, dentre outros fundamentos, se fez a seguinte indagação: “Que interesse jurídico pode enxergar-se na revelação de dados íntimos de outros períodos?”

 

A primeira é que se exigem, ao lado dos requisitos da motivação (a) e da pertinência temática com o que se investiga (b), outros de não menor peso. Um deles é a necessidade absoluta da medida (c), no sentido de que o resultado por apurar não possa advir de nenhum outro meio ou fonte lícita de prova. Esta exigência é de justificação meridiana, suscetível de ser entendida por toda a gente, pela razão óbvia de que não se pode sacrificar direito fundamental tutelado pela Constituição – o direito à intimidade -, mediante uso da medida drástica e extrema da quebra de sigilos, quando a existência do fato ou fatos sob investigação pode ser lograda com recurso aos meios ordinários de prova. Restrições absolutas a direito constitucional só se justificam em situações de absoluta excepcionalidade. O outro requisito é a existência de limitação temporal do objeto da medida (d), enquanto predeterminação formal do período que, constituindo a referência do tempo provável em que teria ocorrido o fato investigado, seja suficiente para lhe esclarecer a ocorrência por via tão excepcional e extrema. E é não menos cristalina a racionalidade desta condição decisiva, pois nada legitimaria devassa ilimitada da vida bancária, fiscal e

46 HC n. 315.220/RS, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 15/9/2015, DJe de 9/10/2015.

47 Proferida em 17 de fevereiro de 2006.

comunicativa do cidadão, debaixo do pretexto de que Comissão Parlamentar de Inquérito precise investigar fato ou fatos específicos, que são sempre situados no tempo, ainda quando de modo só aproximado. Ou seja – para que se não invoque nenhuma dúvida ao propósito

-, a Constituição da República não tolera devassa ampla de dados da intimidade do cidadão, quando, para atender a necessidade legítima de investigação de ato ou atos ilícitos que lhe seriam imputáveis, basta seja a quebra de sigilos limitada ao período de tempo em que se teriam passado esses mesmos supostos atos. Que interesse jurídico pode enxergar-se na revelação de dados íntimos de outros períodos? Só a concorrência de todos esses requisitos autoriza, perante a ordem constitucional, à luz do princípio da proporcionalidade, a prevalência do interesse público, encarnado nas deliberações legítimas de CPI, sobre o resguardo da intimidade, enquanto bem jurídico e valor essencial à plenitude da dignidade da pessoa humana.”

 

 

Mais recentemente, do mesmo modo, por ocasião do julgamento da Reclamação nº 43.479, sob a condução do eminente Ministro Gilmar Mendes e com apoio em sólida literatura, apontou-se:

 

“No que se refere à loteria probatória, anoto que o conceito jurídico de fishing expedition nos Estados Unidos compreende a ideia de um inquérito ou uma busca e apreensão desnecessariamente extensa ou não relacionada ao processo (DA SILVA, Viviani Ghizoni; SILVA, Phelipe Benoni Melo e; ROSA, Alexandre Morais da. Fishing Expedition e Encontro Fortuito na Busca e na Apreensão: Um dilema oculto do processo penal. 1ª ed. Florianópolis: Emais, 2019. p. 40). Também pode ser compreendido como “uma investigação que não segue o objetivo declarado, mas espera descobrir uma prova incriminadora ou digna de apreciação”, ou, ainda, uma investigação realizada “sem definição ou propósito, na esperança de expor informação útil” (DA SILVA, Viviani Ghizoni; SILVA, Phelipe Benoni Melo e; ROSA, Alexandre Morais da. Fishing Expedition e Encontro Fortuito na Busca e na Apreensão: Um dilema oculto do processo penal. 1ª ed. Florianópolis: Emais, 2019. p. 40).

(…)

Na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, fez-se menção ao conceito de fishing expedition no julgamento do HC 137.828 (Rel. Min. Dias Toffoli, j. 14.12.2016), no qual se discutia a ilicitude de interceptação telefônica não fundamentada

em provas razoáveis. No AgRg-INQ 2.245 (Red. do acórdão Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, j. 29.11.2006), também julgado por esta Corte, o Tribunal decidiu pela ilegalidade da quebra de sigilo bancário com base em lista genérica de pessoas que fizeram uso de conta titularizada por pessoa jurídica. Nesse julgamento, rejeitou-se essa ampla e indiscriminada devassa da privacidade que se encontra na base da compreensão da proibição do fishing expedition, embora sem se fazer menção expressa a essa nomenclatura”48

 

 

Nesses termos, essas as balizas, juntamente com os limites impostos pelo art. 240 e seguintes do CPP, analisados acima, formam um arcabouço jurídico e jurisprudencial que proíbe a prática de fishing expedition.

 

No entanto, como se verá a seguir, o que se verificou na PET 10.405/DF, da primeira até a última página, foi uma inacreditável prática de pescaria probatória, violadora de todas as balizas e limites acima apontados.

 

É o que será demonstrado a seguir

 

d)    DA PESCARIA PROBATÓRIA NO CASO CONCRETO

 

Como acabou de se demonstrar, de forma detalhada, a Polícia Federal elaborou um detalhado relatório de análise de nuvem (RMA 001/2022), em cumprimento à medida de afastamento do sigilo telemático de nuvem com o objetivo de identificar elementos que pudessem esclarecer o suposto recebimento e publicação de inquérito sigiloso em live realizada pelo então Presidente da República em 04 de agosto de 2021.

 

A diligência de “busca” – deferida com fundamento no art. 240 do CPP, inclusive – foi cumprida e teve seu objeto exaurido. Por essa razão, inclusive, a Polícia Federal encerrou os trabalhos de Polícia Judiciária.

 

 

48 Rcl 43479, Relator(a): GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 10-08-2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-215 DIVULG 28-10-2021 PUBLIC 03-11-2021.

Em seguida, e como se viu, o eminente Ministro Relator determinou que a Polícia Federal elaborasse relatório minucioso de análise de todo material colhido a partir da determinação da quebra do sigilo telemático:

 

Trata-se de inquérito instaurado a partir de notitia criminis encaminhada pelo TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL para investigação das condutas do Presidente da República JAIR MESSIAS BOLSONARO, do Deputado Federal FILIPE BARROS e do Delegado da Polícia Federal VICTOR NEVES FEITOSA CAMPOS relacionadas à divulgação de dados de inquérito sigiloso da Polícia Federal, por meio de perfis verificados nas redes sociais, com o objetivo de expandir a narrativa fraudulenta contra o processo eleitoral brasileiro, com objetivo de tumultuá-lo, dificultá-lo, frustrá-lo ou impedi-lo, atribuindo-lhe, sem quaisquer provas ou indícios, caráter duvidoso sobre a lisura do sistema de votação no Brasil.

Em 2/2/2022, foi juntado aos autos o relatório final das investigações. É o relatório. DECIDO.

A Polícia Federal, ao concluir a investigação encaminhou as mídias que contém o material obtido da quebra de sigilo telemático (RE 2021.0077841-SR/PF/DF), não elaborando, entretanto, relatório específico da referida diligência, essencial para a completa análise dos elementos de prova pela Procuradoria-Geral da República.

Dessa maneira, oficie-se à autoridade policial, Delegado de Polícia Federal Fábio Alvarez Shor, para que encaminhe aos autos, no prazo de 15 (quinze) dias, relatório minucioso de análise de todo o material colhido a partir da determinação da quebra de sigilo telemático, preservado o sigilo das informações.” (decisão proferida em 02.05.2022, nos autos do INQ 4878/DF)

 

 

No entanto, no cumprimento dessa diligência verifica-se que as autoridades incorreram em manifesta fishing expedition.

 

Isso porque, o que se verificou foi que a Polícia Federal passou a apresentar relatórios semanais ao Gabinete do Ministro Relator da Pet 10.405/DF, cf. se verifica às fls. 343 da referida Pet 10.405/DF:

 

 

 

Com esse procedimento, ao longo de quase um ano, a Polícia Federal apresentou mais de 10 (dez) relatórios de análises, apresentou 6 (seis) representações pelo afastamento de dados cobertos pelo sigilo constitucional, deferidos pelo eminente Ministro Relator.

 

No entanto, nenhum desses mais de 10 (dez) relatórios possuía qualquer relação com o objeto da investigação inicial de suposta divulgação de inquérito sigiloso em live realizada pelo então Presidente da República.

 

Conforme anotou a Procuradoria-Geral da República, a autoridade policial passou a juntar aos autos relatórios de análise “que remontam a temáticas das mais diversas possíveis, a exemplo listas de indicados para a medalha mérito da Defesa, entrega de presente (foto do Presidente estampada em uma pedra de granito) de um artista ao Chefe do Executivo, escala de motoristas da Presidência, segurança institucional do Presidente, pousos e decolagens de avião e helicóptero, eventos presidenciais, inclusive reuniões com diversos agentes públicos dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, inclusive com Ministro do STF, informações sobre exames médicos, estado de saúde, remédios, internação, funeral de um militar, ato normativo do CAMEX sobre redução de tarifa na importação de skate e instrumento musical e até mesmo singela mensagem para que fosse providenciada imediatamente uma folha para anotação pelo Presidente da República” (fls. 1431-1432, PET 10.405/DF).

 

Além disso, da análise dos diversas relatórios apresentados pela Polícia Federal, verifica-se que o objeto da investigação passa por rápidas e impressionantes mudanças de objeto, que não podem ser explicadas de outra forma que não a percaria probatória.

O objeto do inquérito 4878/DF, no bojo do qual se decretou o afastamento do sigilo telemático dos dados armazenados em nuvem tinha como objeto apurar o eventual recebimento e divulgação de inquérito sigiloso em live realizada pelo então Presidente da República em 04 de agosto de 2021.

 

Em seguida, iniciada a fishing expediton passou-se a investigar fatos completamente diversos, consubstanciado em grupo de WhatsApp da Ajudância de Ordens da Presidência da República com o envio e recebimento de comprovantes de pagamentos diversos, com suspeita, segundo a autoridade policial, de eventual desvio de recursos do suprimento de fundos do Governo Federal.

 

De forma reveladora da pescaria probatória, veja-se o que disse a decisão do Ministro Relator que deferiu a primeira representação pelo afastamento do sigilo de dados na PET 10.405/DF:

 

“Com a análise do material, foram identificados dados de um grupo de WhatsApp, composto por servidores públicos lotados na Ajudância de Ordens da Presidência da República, que, conforme defende a Polícia Federal, por suas características merecem ser aprofundados por meio de medidas cautelares que possam viabilizar novas oportunidades para a investigação. Então, a Polícia Federal, em atendimento aos artigos 8º e 9º, I, da Instrução Técnica nº 01-DICOR/PF, formulou a seguinte hipótese criminal:

(…)

Conforme aponta a Polícia Federal, da análise dos dados telemáticos de MAURO CÉSAR BARBOSA CID, foi identificado grupo de WhatsApp que contém várias imagens de notas fiscais de estabelecimentos comerciais, comprovantes de depósitos e recibos atestando recebimentos de valores, a indicar que o grupo possivelmente concentrava o conteúdo de recursos financeiros para prestação de contas.”

 

 

Chama a atenção, de início, que o que se busca, segundo afirma expressamente a decisão, é “viabilizar novas oportunidades para a investigação.”.

Com o máximo respeito, se o acesso aos dados telemáticos deve ser excepcional e limitado ao estritamente necessário para a investigação e se é proibida a “continuidade da busca e apreensão depois de obtido o material objeto da diligência”, não há justificativa para o que ocorreu no presente caso.

 

Em segundo lugar, veja-se que àquela altura já nem se falava mais no objeto inicial da investigação iniciada no INQ 4878/DF. O curioso, no entanto, é que a determinação de novas pesquisas na nuvem de Mauro Cid foi determinada pelo Ministro Relator justamente para propiciar ao Ministério Público a completa análise do material naquele inquérito.

 

A pescaria probatória, assim, prosseguiu, por meses e meses, tendo a Polícia Federal alterado o objeto da investigação e os alvos de suas medidas cautelares diversas vezes.

 

As quebras prosseguiam sem qualquer linha investigativa vinculada ao inquérito 4878/DF, vasculhando a vida de diversas pessoas físicas e jurídicas sobre os mais diversos fatos.

 

Nesse sentido, é também reveladora da pescaria probatória a quarta representação policial, constante às fls. 1.370 e seguintes da PET 10.405/DF, por meio da qual a autoridade policial muda os rumos da investigação e para solicitar o afastamento do sigilo de dados da empresa CEDRO DO LÍBANO COMÉRCIO DE MADEIRAS E MATERIAIS PARA CONSTRUÇÃO e de outras diversas pessoas.

 

Esse episódio também foi objeto de crítica da Procuradoria- Geral da República, que denunciou a pescaria probatória que se encontrava em curso:

 

“A última representação da Polícia Federal, única em que o eminente Ministro Relator abriu vista para prévia manifestação da PGR no prazo exíguo de 5 (cinco) dias, chegou ao ponto de ampliar significativamente a nova investigação em curso nesta Petição nº 10.405, que passou a abarcar até mesmo contratos públicos e licitações da MADEREIRA CEDRO DO LIBANO com a Universidade Federal do Espírito Santo e com a

Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (CODEVASF), cujos recursos orçamentários seriam supostamente provenientes de emendas parlamentares.”

 

 

Verifica-se, assim, que a investigação não possuía mais qualquer objeto ou qualquer finalidade.

 

Mais grave ainda é a verificação de que as diligências deferidas no curso da referida Petição 10.405/DF revelam que a investigação já não se voltava apenas a fatos pretéritos, na medida em que as diligências deferidas eram estendidas para que também alcançassem os fatos até a data da representação policial.

 

Uma investigação de fatos pretéritos e que foi ampliada e transformada em uma espécie de monitoramento.

 

Nesse sentido, exemplificativa é a decisão proferida às fls. 1494-1513, por meio da qual o eminente Ministro Relator, em outubro de 2022, estendeu as quebras de sigilo de agosto até setembro de 2022:

   

Sintomático e revelador da fishing expedition é a verificação de que o período de investigação também foi retroagido para janeiro de 2018, período em que, sabemos todos, Jair Messias Bolsonaro nem sequer era Presidente da República. Nesse sentido, veja-se o que se decidiu às fls. 1.507-1.508 da Pet 10.405/DF:

   

 

Mas não é só.

 

Como não havia objeto definido, os atos de fishing expedition continuavam e a Polícia Federal alterava a todo momento o objeto das apurações. Assim é que, a partir do 11º relatório de análise, fls. 1.700 e seguintes, a investigação muda de objeto novamente.

 

Veja-se agora que, em dezembro de 2022, passados mais de seis meses do início da apresentação dos relatórios semanais em cumprimento à determinação do Ministro Relator, a autoridade policial confirma a pescaria probatória nos dados da nuvem de Mauro Cid e informa o seguinte:

 

“A análise do material ocorreu diante da determinação judicial de transcrição dos áudios contidos na novem do servidor MAURO CÉSAR BARBOSA CID.

Neste relatório serão expostos fatos que ocorreram no final do segundo semestre de 2021 conforme áudios e mídias (imagens, documentos, etc.) oriundos, principalmente, do aplicativo de mensagens WhatsApp.

Esses fatos foram concentrados em um evento denominado CARTÕES DE VACINA. Na análise dos áudios e das mídias serão expostas os fatos detalhados e as pessoas em torno destes fatos”

 

 

Aqui, já se está diante do quarto objeto distinto de

investigação.

 

Mais grave ainda é a verificação nos autos de que o início de um novo objeto investigativo implicava no abandono do objeto da investigação anterior. Assim é que, inaugurado o objeto “Cartões de Vacina”, não mais se investigou o objeto anterior.

 

Isso é sintomático e revelador de que, em verdade, não se investigava um fato determinado, mas uma pessoa.

 

Prova disso é que a autoridade policial apresentou relatório final (fls. 5.677 e ss. da Pet 10.405/DF) e que contemplava tão somente o último objeto da apuração, sendo de se notar, igualmente, que a fishing expedition encerrou-se justamente no momento em que as apurações apontaram fatos relativos ao Cartão de Vacina de Jair Messias Bolsonaro.

 

Em resumo, não há dúvidas quanto à caracterização de proibida fishing expedition, verificada desde a primeira página da PET 10.405/DF até a deflagração das medidas cautelares que ensejaram a busca e apreensão na residência de Jair Messias Bolsonaro, e na prisão de Mauro Cid e outros investigados, conforme decisão proferida às fls. 2.169 e seguintes dos autos da referida Pet.

 

Por todas essas razões, requer seja reconhecida e declarada a nulidade absoluta da PET 10.405/DF, bem como sejam declaradas ilícitas as provas produzidas no curso do referido procedimento, bem como aquelas delas derivadas, nos termos do art. 157, caput e §1º do Código de Processo Penal.

XI.  Violação ao sistema acusatório. Compartilhamento de ofício de provas na Pet 10.405/DF, sem pedido ou provocação de qualquer parte, seja ela Polícia Federal ou Procuradoria-Geral da República. Iniciativa probatória vedada por lei: art. 3-A do CPP  

Como se viu, a Lei proíbe que juízes tenham iniciativa probatória na fase de investigação. Isso quer dizer que o juiz não pode compartilhar, de ofício, provas com outros processos sem que seja provocado.

 

A jurisprudência também proíbe a atuação de ofício para o compartilhamento de prova em prejuízo dos investigados e sem requerimento das partes:

 

“A partir da análise dos atos probatórios praticados pelo magistrado, verifica-se que houve uma atuação direta do julgador em reforço à acusação. Não houve uma mera supervisão dos atos de produção de prova, mas o direcionamento e a contribuição do juiz para o estabelecimento e para o fortalecimento da tese acusatória. Ao final da instrução, sem qualquer pedido do órgão acusador, ou seja, após o exaurimento da pretensão acusatória já que o representante do MP entendeu como suficiente o lastro probatório produzido, o julgador determinou a juntada de quase 800 folhas em quatro volumes de documentos diretamente relacionados com os fatos criminosos imputados aos réus. Depois, ao sentenciar, o juízo utilizou expressamente tais elementos para fundamentar a condenação. O cenário é evidente: o magistrado produziu, sem pedido das partes, a prova que ele mesmo utilizou para proferir a condenação que já era almejada, por óbvio.” (RHC 144615 A GR / PR)

 

 

A literatura sobre o tema, do mesmo modo, não deixa qualquer dúvida quanto à proibição de atuação de ofício do magistrado na fase de investigação, consoante as lições de Renato Brasileiro de Lima, para quem o juiz deve abster-se de praticar qualquer ato de ofício no curso das investigações, sob pena de comprometimento da imparcialidade:

 

 

“Pelo menos até o advento da Lei n. 13 .964/19, o Código de Processo Penal vedava a decretação de medidas cautelares de ofício pelo juiz apenas durante a fase

investigatória, admitindo-o, todavia, quando em curso o processo criminal. Com a nova redação conferida aos arts. 282, §§ 2º e 4º, e 311, ambos do Código de Processo Penal, pelo Pacote Anticrime, denota-se que, doravante, não mais poderá o juiz decretar nenhuma medida cautelar de ofício, pouco importando o momento da persecução penal.

A mudança em questão vem ao encontro do sistema acusatório. Acolhido de forma explícita pela Constituição Federal de 1988 (art. 129, I), o sistema acusatório determina que a relação processual somente pode ter início mediante a provocação de pessoa encarregada de deduzir a pretensão punitiva (‘ne procedat judex ex officio’). Destarte, deve o juiz se abster de promover atos de ofício, seja durante a fase investigatória, seja durante a fase processual. Afinal, graves prejuízos seriam causados à imparcialidade do magistrado se se admitisse que este pudesse decretar uma medida cautelar de natureza pessoal de ofício, sem provocação da parte ou do órgão com atribuições assim definidas em lei.

Destoa das funções do magistrado exercer qualquer atividade de ofício que possa caracterizar uma colaboração à acusação. O que se reserva ao magistrado, em qualquer momento da persecução penal, é atuar somente quando for provocado, tutelando liberdades fundamentais como a inviolabilidade domiciliar, a vida privada, a intimidade, assim como a liberdade de locomoção, enfim, atuando como garantidor da legalidade da investigação, como, aliás, previsto no art. 3º-A do CPP, introduzido pela Lei n. 13.964/19.”49

 

 

No presente caso, o Ministro Relator determinou o compartilhamento, de ofício, da integralidade de uma investigação, inclusive de apensos sigilosos, com outras investigações policiais.

 

De forma ainda mais grave, o Magistrado, sem pedido ou provocação da Polícia Federal ou da Procuradoria-Geral da República, determina o compartilhamento de laudos futuros, de provas que sequer existiam, mas cujo compartilhamento já estava determinado (PET 10405, fls. 1165-1166):

 

 

 

 

 

 

 

 

49 Renato Brasileiro De Lima. Manual de Processo Penal, 8ª ed. Editora JusPODIVM, 2020, p. 946-949.

 

 

 

Com o máximo respeito, se a lei veda a iniciativa do juiz na fase de investigação, pode-se admitir o compartilhamento de provas por vontade própria do magistrado?

 

Se a Lei veda a iniciativa probatória do magistrado no inquérito, é possível se admitir como válida uma determinação prévia, ex ante, de compartilhamento de laudos e provas que nem sequer foram produzidas.

 

Se a prova ainda não foi produzida, se não se sabe o seu conteúdo, é válida a determinação de compartilhamento com outros procedimentos de

“todos os futuros laudos” de um afastamento de sigilo telemático de nuvem de investigado?

 

Percebam a gravidade: determinou-se, de ofício, o compartilhamento de “todos os futuros laudos” de um afastamento do sigilo telemático de nuvem de investigado.

 

Assim, a atuação ativa do magistrado que, sem provocação ou pedido, determina o compartilhamento de provas (já coletadas e futuras) com outros procedimentos também por ele indicados denota o afastamento da posição constitucionalmente demarcada50 pelo sistema acusatório, contaminando a sua capacidade de atuação equidistante e tendo como consequência a nulidade da diligência determinada com violação à lei (art.3-A do CPP)

 

Requer-se, portanto, seja reconhecida e declarada a violação ao art. 3-A, do Código de Processo Penal levada a efeito pelo magistrado às fls. 1165-1166 da PET 10.405, com as consequências legais daí decorrentes, notadamente com a anulação dos atos probatórios e decisórios posteriores e dele derivados, nos termos da Lei.

 

 

XII.         Da nulidade do acordo de colaboração premiada celebrado com Mauro Cid

 

 

No último dia 19 de fevereiro, ao determinar a notificação dos denunciados para que ofereçam resposta à acusação, o e. Ministro Relator levantou o sigilo da PET 11.767/DF referente ao acordo de delação premiada firmado entre a Polícia Federal e Mauro Cid.

 

Com o acesso aos autos, a defesa pode, finalmente, analisar os termos em que se firmou o Acordo de Colaboração, bem como os depoimentos e audiências realizadas.

 

50 COUTINHO. Jacinto Nelson de Miranda. Sistema acusatório: cada parte no lugar constitucionalmente demarcado. Revista de informação legislativa, v. 46, n. 183, p. 103-115, jul./set. 2009, p. 114.

Verificou-se, então, tratar-se de colaboração premiada viciada pela absoluta falta de voluntariedade e de uma colaboração marcada pelas mentiras, omissões e contradições

 

É bastante significativo, para dizer o menos, a verificação de duas audiências em que o acordo de colaboração deveria ter sido rescindido.

 

A primeira, realizada em março de 2024, justificou-se pelo vazamento de áudios em que o Colaborador relata da pressão que vinha sofrendo por parte dos investigadores. Os áudios foram prontamente reconhecidos pelo Colaborador que, desculpando-se, classificou suas falas como um desabafo e esclareceu que não pretendia que viessem a público. E a despeito desse reconhecimento revelar concreto e inequívoco descumprimento do quanto pactuado, manteve-se o Acordo.

 

A segunda, realizada 07 meses depois, foi designada pelo Ministro Relator para o fim de inquirir o Colaborador a respeito de uma série de mentiras na colaboração, lhe oportunizando a possibilidade de dizer a verdade, sob pena de prisão, à luz das conclusões encartadas em relatório final da autoridade policial – mais ainda em fase de investigação – a respeito dos fatos e investigados de seu interesse. Vejamos.

 

 

a)     UM BREVE HISTÓRICO E A AUSÊNCIA DE VOLUNTARIEDADE NO ACORDO DE COLABORAÇÃO PREMIADA

 

Mauro Cid foi preso em 03 de maio de 2023.

 

Em 16 de junho de 2023, foi determinado que quaisquer visitas ao custodiado MAURO CESAR BARBOSA CID, excetuadas aquelas realizadas por sua esposa, filhos e advogados constituídos, deverão ser expressamente autorizadas por este Relator.

 

Em 19 de agosto de 2023, foi CANCELADA A AUTORIZAÇÃO de visitação de MAURO CESAR LOURENA CID ao custodiado, porque (Pet. 10.405, fls. 4597):

 

 

 

Em 23 de agosto de 2023, após narrar o conteúdo de dois RAPJs enviados pela polícia federal, foi determinada a imposição de medida cautelar consistente na proibição de comunicação com os demais investigados nos autos, identificando Gabriela Santiago Ribeiro Cid, esposa do Colaborador, como investigada:

   

 

 

A um só tempo, portanto, foi formalizado que Gabriela Cid era investigada nos autos e, por consequência, foram proibidas as comunicações entre o casal.

Segundo os RAPJs, havia documentos e mensagens de whatsapp que justificavam o envolvimento de Gabriela Cid nas investigações do alegado golpe, para além daquela das vacinas:

   

 

 

   

Em 25 de agosto de 2023, uma sexta-feira, preso, Mauro Cid teria comparecido de forma espontânea e voluntária à sede da Polícia Federal, oportunidade em que assinou o Termo de Confidencialidade nº 2405578/2021 (fls. 23).

 

Em 28 de agosto de 2023, segunda-feira, é firmado o Acordo

de Colaboração.

 

Ou seja, foram apenas dois dias entre a formalização nos autos de que Gabriela Cid era investigada nas vacinas e na investigação de golpe e a assinatura do termo de confidencialidade.

 

Para a assinatura do Acordo, bastou um final de semana.

 

Neste histórico, verifica-se a efetividade do Acordo de Colaboração de Cid estava condicionada à autorização para que sua família viajasse ao exterior.

 

 

Colhe-se do áudio referente à audiência de homologação da colaboração, realizada em 06/09/2023:

 

JUIZ: A proposta de colaboração partiu da defesa, certo? DEFESA: Sim.

JUIZ: Então é isso. Eu verificando, agora, para efeito dessa audiência, que foram preenchidos os critérios de regularidade e voluntariedade, garantida também a ampla defesa do colaborador na presença de seu patrono, seu advogado em todos os atos, eu determino que os autos sejam remetidos ao juiz natural da causa, o Ministro Relator Alexandre Moraes, para fins de análise de homologação. Simples assim.

DEFESA: Excelência, eu preciso de uma coisa. Para ser efetivo esse acordo, é preciso que seja liberado e permitido que a família Cid possa ir para o exterior.

JUIZ: Isso é uma das condições do acordo, o Ministro Alexandre agora vai analisar os outros itens, os outros requisitos, que é a legalidade e tudo mais, e o que foi ajustado até em caráter emergencial, que é o requisito, mas isso é agora outra parte que o Ministro vai analisar, acredito que o mais rápido possível. Nós estamos cumprindo uma etapa que é a necessidade da audiência para verificar a voluntariedade e a regularidade, e agora a legalidade ele vai complementar na análise. (05:40 – 07:20; Peça 84, ID 9e890149).

 

Como quer que seja, a delação foi divulgada na Revista VEJA para todo o país, embora houvesse um acordo de confidencialidade decorrente da Lei.

 

Ainda mais grave é a manifestação de ausência de voluntariedade por parte do Colaborador nos áudios vazados por reportagem da revista VEJA, em que ele relatava a forte pressão a que estava submetido:

 

“todas as vezes eles falavam: ‘Ó, mas a sua colaboração. Ó, sua colaboração está muito boa’. Ele (o delegado) até falou: ‘Vacina, por exemplo, você vai ser indiciado por nove negócios de vacina, nove tentativas de falsificação de vacina. Vai ser indiciado por associação criminosa e mais um termo lá’. Ele falou assim: ‘Só essa brincadeira são trinta anos para você’”. (Peça 87, ID 0f7d4cd9).

 

 

Em março de 2024, Mauro Cid foi chamado a esclarecer o conteúdo dos referidos áudios. Inquirido pelo Magistrado Instrutor, o Colaborador afirmou que ouviu todos os áudios. Reconhece as falas, foram proferidas por mim, em conversa privada (fls. 277 da Pet 11767). Ainda, se desculpou, esclarecendo que Tudo o que falou foi um desabafo (fls. 277 da Pet 11767).

 

Ora, o Colaborador afirmou que não havia voluntariedade,

mas depois desculpou-se.

 

Em qual versão devemos acreditar? Na ausência de voluntariedade ou no suposto desabafo? Como confiar num delator que desacredita sua própria delação?

 

Não fosse suficiente, meses depois, em relatório específico dirigido ao Ministro Relator, a Polícia Federal apontou mentiras, contradições e omissões nas declarações de Mauro Cid.

O Ministério Público, ao tomar conhecimento do referido Relatório, pediu a prisão preventiva do Colaborador e afirmou o descumprimento do acordo.

 

No entanto, não houve decisão de prisão e nem se passou a discutir a rescisão do acordo, eis que foi designada uma audiência para propiciar ao Colaborador uma oportunidade de esclarecer.

 

O ponto central é exatamente esse: pode o Poder Judiciário oferecer uma oportunidade de o Colaborador se corrigir?

 

Entendemos que não, como será adiante exposto. Seja porque o Juiz não pode participar da colheita de provas, seja porque esta audiência, por óbvio, compromete a voluntariedade, exigida pela Lei.

 

 

b)    DO DESCUMPRIMENTO DAS CLÁUSULAS DO ACORDO DE COLABORAÇÃO

 

Como já dito anteriormente, após a divulgação pela revista VEJA de diversos áudios em que Mauro Cid revela a delação a um interlocutor e afirma que não teria falado a verdade em sua colaboração premiada, ele foi instado por este C. Supremo Tribunal a participar de uma audiência para confirmar a autenticidade das conversas e a veracidade do seu conteúdo.

 

Quando inquirido pelo Magistrado Instrutor sobre a autoria dos áudios, o Colaborador “Reconhece as falas, foram proferidas por mim, em conversa privada” (Peça 97, id 5bc0c691).

 

Dentre as falas publicadas, destaca-se:

“Eu vou dizer o que eu senti: já estão (os policiais) com a narrativa pronta deles, é só fechar, e eles querem o máximo possível de gente para confirmar a narrativa deles. É isso que eles querem” 51

 

“Eles (os policiais) queriam que eu falasse coisa que eu não sei, que não aconteceu”52,

 

 

Vê-se que o Colaborador afirma que suas palavras não correspondem à verdade e que não houve voluntariedade na delação.

 

É verdade que na audiência, em que foi decretada sua prisão, desmentiu-se, tratando o episódico como um desabafo.

 

Mas, é de se perguntar: a verdade foi revelada para o interlocutor ou teria sido um, digamos, infeliz desabafo?

 

É possível confiar num delator que inventa, nas suas palavras, a um parente próximo ou a um amigo íntimo que mentiu na delação?

 

Desabafo, segundo o dicionário, significa “franca expansão de sentimentos e pensamentos íntimos” ou “manifestação ou ocorrência que satisfaz um desejo que estivera impossibilitado de se realizar; desafogo, desopressão”.

 

A invenção de fatos que não ocorreram, ao que se saiba, não

se traduz em desabafo.

 

Não bastasse ter mentido, Mauro Cid também faltou com o dever de sigilo previsto na alínea “e”, da mesma cláusula 21 do Acordo de Colaboração.

 

É que, ainda durante a audiência realizada no dia 22 de março de 2024, o Magistrado Instrutor, Dr. Airton Vieria, questionou Mauro Cid: Quem era o interlocutor dessas mensagens que acabaram divulgadas pela revista online?

51  https://veja.abril.com.br/brasil/em-audios-exclusivos-mauro-cid-ataca-alexandre-de-moraes-e-a-pf

52  https://veja.abril.com.br/brasil/em-audios-exclusivos-mauro-cid-ataca-alexandre-de-moraes-e-a-pf

A resposta foi de que ele não sabia ao certo, mas, como o seu círculo de amizades estava muito restrito, ele acreditava que o diálogo somente poderia ter se dado com um familiar ou com um amigo muito próximo:

 

“Pelo (a) Magistrado Instrutor foi perguntado: Com quem o senhor conversou? Quem era o interlocutor dessas mensagens que acabaram divulgadas pela revista online? Com quem o senhor conversava, conversa essa que deu origem a esses áudios?

Colaborador respondeu: Só pra passar um contexto pro senhor.

Pelo (a) Magistrado Instrutor foi perguntado: À vontade.

Colaborador respondeu: Eu tô bem recluso, a minha vida tá sendo praticamente em casa, eu não tenho vida social, não tô trabalhando, e com quem eu me comunico, eu sou um circo de amigos muito próximos e familiares próximos. E efetivamente, pra quem eu falei, quem eu conversei, eu não me lembro. Até porque, como era uma conversa privada particular, de um desabafo, de um momento psicológico ruim, foi alguém próximo da família ou de um amigo muito próximo. Então, a gente ainda não conseguiu identificar quem seria, quem foi essa pessoa que eu conversei.

Porque esse meu núcleo próximo, dificilmente alguém teria a intenção de me prejudicar vazando notícias pra imprensa. E também, meu núcleo próximo não tem contato com a imprensa, como eu também não tenho, eu não falo com a imprensa. Então, a gente tá tentando ali dentro da família identificar ali quem possivelmente recebeu ou falou comigo, ou que passou pra alguém, se é que eu gravei um áudio, passou pra um terceiro, um quarto. E aí, isso foi meio cadeia de WhatsApp e acabou batendo na mão do repórter.

 

 

Note-se que, embora o Colaborador diga que não sabe quem foi o interlocutor, é com muita segurança que afirma que o diálogo somente poderia ter sido travado com um parente (prima, cunhado, irmão) ou um amigo muitíssimo próximo, pois seu círculo atual de amizades é restrito. Complementa sua afirmação dizendo que não sabe como a conversa teria chegado ao conhecimento da imprensa, pois, tem certeza de que nenhuma dessas pessoas que mencionou teria intenção de lhe prejudicar.

 

A estória de que o interlocutor era um familiar ou amigo próximo beira o ridículo, como também soa patética a afirmação de que não se lembra com quem teria mantido o diálogo.

E é de se indagar: por que ele mentiria para um familiar ou amigo muitíssimo próximo afirmando que estava sendo coagido pela Polícia para confirmar uma narrativa pronta?

 

Mesmo que fosse possível acreditar na narrativa do Colaborador sobre o vazamento, é certo que mentir e revelar o acordo constituem causas de rescisão, conforme expressamente consta do contrato de colaboração:

 

 

 

 

   

 

 

Parece claro que as cláusulas não excepcionam desabafos, nem revelações a primos, cunhados ou amigos íntimos…

 

A caso é de rescisão. Nada mais.

 

E ainda que não ocorra a rescisão, o que se admite para argumentar, não é possível acreditar em nenhuma palavra do Colaborador.

 

Mas, o caso se agrava.

 

Em novembro de 2024, novas mentiras, omissões e contradições foram descobertas e, uma vez mais, não se rescindiu o Acordo de Colaboração.

 

 

c)     A AUDIÊNCIA DE 21 DE NOVEMBRO E O PRINCÍPIO ACUSATÓRIO

 

Após a apresentação do relatório pela Autoridade policial em que foram apontadas “diversas inconsistências entre o conteúdo do acordo de Colaboração Premiada

firmado com Mauro César Barbosa Cid e as informações obtidas ao longo da investigação”, é que a Procuradoria Geral da República reconheceu o descumprimento dos termos acordados e a violação aos termos dispostos na cláusula 11 e desistiu de salvar o que já havia naufragado há tempos.

 

Ao invés de dar ao Colaborador mais uma chance de se explicar ou se retratar, o Procurador Geral da República, titular da ação penal, requereu a decretação da prisão preventiva de Mauro Cid e, finalmente, apontou a violação do acordo de colaboração (fls. 595/600, Pet 11.767; DF):

   

(…)

   

 

 

Com efeito, diante de ofício da Autoridade policial relatando que “o cotejo dos elementos probatórios revela que o Colaborador omitiu informações relevantes para o esclarecimento dos fatos” e manifestação da Procuradoria Geral da República pela prisão preventiva de Mauro Cid, tendo em vista que “o descumprimento dos termos acordados torna necessária medida mais grave”, o Ministro Relator designou audiência para “esclarecimentos relacionados aos termos da colaboração”:

“Diante das contradições existentes entre os depoimentos do colaborador e as investigações realizadas pela polícia federal na PET 13.236, designei a realização de audiência para oitiva de MAURO CESAR BARBOSA CID, no dia 21/11/2024, às 14hs, na sala de audiências do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, para esclarecimentos relacionados aos termos de colaboração (regularidade, legalidade, adequação e voluntariedade).” (fls. 606, Pet. 11.767/DF).

 

 

Nem a Lei, nem o contrato de colaboração aventam a hipótese de não rescindir o acordo; não há previsão de conferir ao Colaborador uma oportunidade para salvar seu acordo. Cabia apenas decidir pela decretação da prisão preventiva ou não.

 

Até porque, a única oportunidade de o Juiz interagir com o Colaborador está assim definida na Lei nº 12.850/13:

 

§ 7º Realizado o acordo na forma do § 6º deste artigo, serão remetidos ao juiz, para análise, o respectivo termo, as declarações do colaborador e cópia da investigação, devendo o juiz ouvir sigilosamente o colaborador, acompanhado de seu defensor, oportunidade em que analisará os seguintes aspectos na homologação:

I  – regularidade e legalidade;

II  – adequação dos benefícios pactuados àqueles previstos no caput e nos §§ 4º e 5º deste artigo, sendo nulas as cláusulas que violem o critério de definição do regime inicial de cumprimento de pena do art. 33 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), as regras de cada um dos regimes previstos no Código Penal e na Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal) e os requisitos de progressão de regime não abrangidos pelo § 5º deste artigo;

III  – adequação dos resultados da colaboração aos resultados mínimos exigidos nos incisos I, II, III, IV e V do caput deste artigo;

IV    – voluntariedade da manifestação de vontade, especialmente nos casos em que o colaborador está ou esteve sob efeito de medidas cautelares.

 

 

A leitura da íntegra da transcrição da oitiva de Colaborador, no entanto, demonstra que a audiência se afastou por completo de qualquer ato que pudesse ser compreendido como de controle da legalidade e voluntariedade da colaboração.

A audiência teve início com um breve – mas pontual – histórico a respeito da presente colaboração, tendo o Ministro Relator destacado seus benefícios, suas obrigações e as intercorrências havidas no passado – especificamente, os áudios vazados na imprensa que tocaram seriamente a voluntariedade do Colaborador – para, como referido acima, advertir ao Colaborador que:

   

 

 

Chama a atenção que, por meio da realização de uma audiência, designada com o objetivo de verificar as condições formais de regularidade do Acordo de Colaboração, ao Colaborador tenha sido dado verdadeiro ultimato para que falasse a verdade.

 

No caso concreto, como se verá, os questionamentos que permearam a audiência realizada no dia 21 de dezembro de 2024, tiveram por objeto o tema central da colaboração de Cid, com base no primeiro depoimento prestado pelo Colaborador, juntado as fls. 26 da Pet 11.767.

 

Ou seja, omissões e contradições, enfim, série de mentiras que permeiam as diversas versões apresentadas pelo Colaborador no âmbito de investigação que

apura a prática de atos relacionados a uma possível tentativa de execução de um golpe de estado e Abolição violenta do Estado Democrático de Direito ocorridos após o resultado do segundo turno das eleições presidenciais de 2022.

 

O objetivo da audiência não foi reafirmar a regularidade do Acordo, mas, sim, esmiuçar as declarações do Colaborador que, agora, são tomadas pelo próprio julgador.

 

A transcrição da audiência, mais uma vez, é clara. O Ministro Relator, após advertir sobre o risco de prisão e eventual responsabilização de seus familiares – solicitou que o Colaborador prestasse esclarecimentos específicos sobre o Peticionário, objetivamente sobre sua participação na operação conhecida como Punhal Verde Amarelo, realizada pelo grupo Copa 2022:

   

 

 

 

É garantia do Estado Democrático de Direito a rigorosa observância dos preceitos constitucionais, destacando-se o devido processo legal. Nele, a garantia de imparcialidade do juiz ganha extrema relevância no modelo adotado de processo penal acusatório, que proíbe a iniciativa do juiz na fase de inquérito (artigo 3-A do CPP).

 

Segundo a doutrina pátria, aqui transcrita nas palavras de Antônio Magalhaes Gomes Filho, “A imparcialidade constitui um valor que se manifesta sobretudo no âmbito interno do processo, traduzindo a exigência de que na direção de toda a atividade processual – e especialmente nos momentos de decisão – o juiz se coloque sempre super partes, conduzindo-se como um terceiro desinteressado, acima, portanto, dos interesses em conflito”53.

 

Resguardar a imparcialidade do juiz, de fato, é o primeiro passo a garantir que a prestação jurisdicional se dê com rigorosa observância ao devido processo

 

 

53 GOMES FILHO, Antonio Magalhães. A motivação das decisões penais. São Paulo: RT, 2013, p. 32.

legal, como esclarece o e. Ministro Gilmar Mendes no julgamento do AgRg no RHC nº. 144.615/PR:

 

“Mas qual o problema no fato de o juiz aderir à acusação, investigar e buscar a condenação?

Quem investiga forma hipóteses e orienta sua postura a partir de tais preconcepções. Trata-se, principalmente, daquilo descrito como ‘primado das hipóteses sobre os fatos’, um pensamento paranoico que se configura no momento em que o juiz busca o lastro probatório que embasará a sua própria decisão. (CORDERO, Franco. Procedimiento Penal. Vol. 1. Temis, 2000. p. 23).

Assim, ao assumir a tarefa de investigar e combater a corrupção, o juiz foge de sua posição legitimamente demarcada no campo processual penal. Assim, acaba por se unir ao polo acusatório, desequilibrando de modo incontornável a balança da paridade de armas na justiça criminal.

Portanto, a imparcialidade somente pode ser assegurada em um sistema acusatório que delimite adequadamente a separação das funções de investigar, acusar e julgar. Conforme Ferrajoli, ‘esse distanciamento do juiz relativamente aos escopos perseguidos pelas partes deve ser tanto pessoal como institucional’. (FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. 4ª ed. RT, 2014. p. 535). Por isso, na doutrina italiana, fala-se em ‘tercietà’, ou seja, que o julgador seja um terceiro, alheio e afastado dos interesses das partes. (FERRUA, Paolo. Il ‘giusto processo’. 3ª ed. Zanichelli, 2012. p. 103).

 

 

Nesse sentido, como já exposto, antiga é a lição do Plenário dessa Suprema Corte que, no julgamento da ADI 1570, advertiu que a Constituição Federal dispõe que as funções de investigador e inquisidor são atribuições conferidas ao Ministério Público e às Polícias Federal e Civil (CF, artigo 129, I e VIII e § 2º; e 144, § 1º, I e IV, e § 4º), observando que o envolvimento do magistrado nas investigações prejudica sua imparcialidade:

 

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 9034/95. LEI COMPLEMENTAR 105/01. SUPERVINIENTE. HIERARQUIA SUPERIOR. REVOGAÇÃO IMPLICITA. AÇÃO PREJUDICADA, EM PARTE. ‘JUIZ DE INSTRUÇÃO’. REALIZAÇÃO DE DILIGÊNCIAS PESSOALMENTE. COMPETÊNCIA PARA INVESTIGAR. INOBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL.   IMPARCIALIDADE   DO   MAGISTRADO.   OFENSA.

FUNÇÕES  DE  INVESTIGAR  E  INQUIRIR.  MITIGAÇÃO  DAS ATRIBUIÇÕES  DO  MINISTÉRIO  PÚBLICO  E  DAS  POLÍCIAS

FEDERAL E CIVIL.” (grifamos, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 22/10/2004).

 

 

No processo penal acusatório, citando a lição de Aury Lopes

Jr.:

 

“O juiz assume uma nova posição no Estado Democrático de Direito e a legitimidade de sua atuação não é política, mas constitucional, consubstanciada na função de proteção dos direitos fundamentais de todos e de cada um.

Esta é a posição que o juiz deve adotar quando chamado a atuar no inquérito policial: como garante dos direitos fundamentais do sujeito passivo. (…)

A atuação do juiz na fase pré-processual (seja ela inquérito policial, investigação pelo MP etc.) é e deve ser muito limitada. O perfil ideal do juiz não é como investigador ou instrutor, mas como controlador da legalidade e garantidor do respeito aos direitos fundamentais do sujeito passivo. É também a posição mais adequada aos princípios que orientam o sistema acusatório e a própria estrutura dialética do processo penal”.54(grifamos)

 

 

Bem por isso, também o procedimento de colaboração premiada buscou delimitar a atuação do magistrado, como destaca Frederico Valdez Pereira55:

 

“A preservação da imparcialidade judicial recomenda que ao juiz se atribua apenas, na fase preliminar, a tarefa de fiscalização sobre a observância das formalidades e da imparcialidade do acordo, no sentido de verificar se foram atendidos, numa primeira análise, os pressupostos legais e observados os direitos e garantias dos arrependidos, em controle do que se poderia chamar externo.

Atuação na fase investigativa, para além da fiscalização quanto à regularidade do procedimento colaborativo conduzido por membro do Ministério Público, aproximaria o magistrado por demais da figura

 

 

54 Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional, vol. 1, Rio de Janeiro, Ed. Lumen Juris, 2008, p. 245

55 “Delação Premiada – Legitimidade e Procedimento”, p. 153/154, 3ª ed., 2016, Juruá Editora)

do juiz de instrução, ensejando questionamentos sobre a imparcialidade para o julgamento posterior da causa.

(…)

Ao juiz compete aferir a observância preliminar dos pressupostos do instituto em concreto e se foram observadas as garantias do colaborador, sem se comprometer antecipadamente com a concessão de prêmio do agente, tão pouco se envolvendo em atos de cunho investigativo. SOMENTE DEPOIS DE ENCERRADA A CONDUTA COLABORATIVA E APURADOS OS FATOS, É QUE O JUIZ, AVALIANDO A EFICÁCIA DA COOPERAÇÃO, OS FATOS REVELADOS, A POSTURA COOPERANTE, BEM COMO TODOS OS DEMAIS ELEMENTOS ENVOLVIDOS, IRÁ RECONHECER OS EFEITOS BENÉFICOS DO INSTITUTO PERANTE O COLABORADOR, HOMOLOGADO OS AJUSTES QUANTO AO CONTEÚDO.”

 

 

Isso porque, vige o sistema processual acusatório, pelo qual há uma verdadeira separação das funções, em que cada um dos personagens de um processo criminal possui uma função previamente delimitada. Ministério Público e acusado são os protagonistas, enquanto o juiz deve julgar de forma imparcial e equidistante das partes, sem participar da colheita de provas.

 

Bem por isso, como forma de garantir sua imparcialidade, ao juiz é vedado participar da produção e coleta de provas durante o curso da investigação. Aliás, esse é um papel exclusivo da polícia e do Ministério Público.

 

Jacinto Coutinho ressalta que “O mais importante, contudo, ao sistema acusatório – é bom que se diga desde logo –, é que da maneira como foi estruturado não deixa muito espaço para que o juiz desenvolva aquilo que Cordero, com razão, chamou de ‘quadro mental paranoico’ em face de não ser, por excelência, o gestor da prova pois, quando o é, tem, quase que por definição, impede de o juiz ter a possibilidade de decidir antes e, depois, sair em busca do material probatório suficiente para confirmar a ‘sua’ versão, isto é, o sistema legitima a possibilidade da crença no imaginário, ao qual toma como verdadeiro.”56

 

 

56 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. O Papel do novo Juiz no Processo Penal, in Crítica à Teoria Geral do Direito Processual Penal, Rio de Janeiro: Renovar, 2001, pp. 3-56.

Desse modo, é certo que, no sistema acusatório vigente, não há espaço para a iniciativa intentada pelo Min. Relator.

 

Não cabe ao magistrado a tomada de depoimento do Colaborador, muito menos para a conferência de sua veracidade, ainda mais quando o titular da ação penal vislumbra que as inconsistências são causa para rescisão do acordo.

 

Não há juízo de valor sobre o mérito da colaboração premiada,

senão na sentença.

 

Já em 2017, quando do julgamento da Questão de Ordem na Petição 7.074/DF, que analisou justamente os limites de atuação do magistrado no acordo de colaboração, o Plenário dessa Suprema Corte asseverou que:

 

“QUESTÃO DE ORDEM EM PETIÇÃO. COLABORAÇÃO PREMIADA. I. DECISÃO INICIAL DE HOMOLOGAÇÃO JUDICIAL: LIMITES E ATRIBUIÇÃO. REGULARIDADE, LEGALIDADE E VOLUNTARIEDADE DO ACORDO. MEIO DE OBTENÇÃO DE PROVA. PODERES INSTRUTÓRIOS DO RELATOR. RISTF. PRECEDENTES. II. DECISÃO FINAL DE MÉRITO. AFERIÇÃO DOS TERMOS E DA EFICÁCIA DA COLABORAÇÃO. CONTROLE JURISDICIONAL DIFERIDO. COMPETÊNCIA COLEGIADA NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

1. Nos moldes do decidido no HC 127.483, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, DJe de 3.2.2016, reafirma-se a atribuição ao Relator, como corolário dos poderes instrutórios que lhe são conferidos pelo Regimento Interno do STF, para ordenar a realização de meios de obtenção de prova (art. 21, I e II do RISTF), a fim de, monocraticamente, homologar acordos de colaboração premiada, oportunidade na qual se restringe ao juízo de regularidade, legalidade e voluntariedade da avença, nos limites do art. 4ª, § 7º, da Lei n. 12.850/2013.

2.  O juízo sobre os termos do acordo de colaboração, seu cumprimento e sua eficácia, conforme preceitua o art. 4º, § 11, da Lei n. 12.850/2013, dá-se por ocasião da prolação da sentença (e no Supremo Tribunal Federal, em decisão colegiada), não se impondo na fase homologatória tal exame previsto pela lei como controle jurisdicional diferido, sob pena de malferir a norma prevista no

§ 6º do art. 4º da referida Lei n. 12.850/2013, que VEDA A

PARTICIPAÇÃO DO JUIZ NAS NEGOCIAÇÕES, CONFERINDO, ASSIM, CONCRETUDE AO PRINCÍPIO ACUSATÓRIO QUE REGE O PROCESSO PENAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO.

3.    Questão de ordem que se desdobra em três pontos para: (i) resguardar a

competência do Tribunal Pleno para o julgamento de mérito sobre os termos e a eficácia da colaboração, (ii) reafirmar, dentre os poderes instrutórios do Relator (art. 21 do RISTF), a atribuição para homologar acordo de colaboração premiada; (iii) salvo ilegalidade superveniente apta a justificar nulidade ou anulação do negócio jurídico, acordo homologado como regular, voluntário e legal, em regra, deve ser observado mediante o cumprimento dos deveres assumidos pelo colaborador, sendo, nos termos do art. 966, § 4º, do Código de Processo Civil, possível ao Plenário analisar sua legalidade.”57

 

 

Para o que toca especificamente a justificativa dada no presente feito pelo Min. Relator, vale transcrever as palavras do e. Min. Edson Fachin, Relator da referida Questão de Ordem:

 

“Essa “postura equidistante” do juiz em relação às partes no processo penal, informa o comando legal citado que prestigia o sistema acusatório; se as declarações do colaborador são verdadeiras ou respaldadas por provas de corroboração, apenas “no momento do julgamento do processo” é que será feito tal juízo (p. 122-23, Cibele Benevides Guedes Fonseca, na obra Colaboração premiada. Belo Horizonte: Ed. Del Rey, 2017). É no momento diferido, qual seja, a sentença, conforme previsto no § 11 do art. 4º da mencionada Lei, que serão analisados os elementos trazidos pela colaboração e sua efetividade (p. 104, Márcio Adriano Anselmo, na obra Colaboração premiada: o novo paradigma do processo penal brasileiro. Rio de Janeiro: Ed. M. Mallet, 2016).

A colaboração premiada, portanto, é instrumento voltado exclusivamente ao aparelhamento das funções investigativas, impondo ao Poder Judiciário, nessa fase, atuação restrita à verificação da regularidade, legalidade e voluntariedade do acordo.” 58

 

 

Mas não é só.

 

 

57 Petição nº 7.074/DF, Pleno, rel. Relator EDSON FACHIN, j. em 29.06.2017, p. no DJe em 03.05.2018.

58 Petição nº 7.074/DF, Pleno, rel. Relator EDSON FACHIN, j. em 29.06.2017, p. no DJe em 03.05.2018.

Como já dito, o Ministro ainda foi expresso em exigir esclarecimentos a respeito da participação do Peticionário nos fatos, especificamente na operação conhecida como Punhal Verde Amarelo, realizada pelo grupo Copa 2022. Mas não só sobre isso, no financiamento e organização dos acampamentos nos quarteis, em especial, de Brasília, e nos atos que levaram a tentativa de golpe de Estado do dia 08 de janeiro.

 

E finalizou com uma advertência: Novamente, dizendo ao colaborador e a seus advogados que nós temos agora todas as informações, inclusive as omissões e contradições.

 

Ao longo da audiência, o Ministro Relator questionou o Colaborador expressamente com relação a áudios e mensagens mencionadas pela investigação:

   

 

(Transcrição da sessão para oitiva de Colaborador – fls. 42 de 102)

 

   

(Transcrição da sessão para oitiva de Colaborador – fls. 43 de 102)

 

   

(Transcrição da sessão para oitiva de Colaborador – fls. 44 de 102)

 

   

(Transcrição da sessão para oitiva de Colaborador – fls. 45 de 102)

 

   

(Transcrição da sessão para oitiva de Colaborador – fls. 47 de 102)

 

   

(Transcrição da sessão para oitiva de Colaborador – fls. 65 de 102)

 

 

Os questionamentos, como dito, não tocam a regularidade, legalidade, adequação ou voluntariedade do Acordo de Colaboração. Pelo contrário, caracterizam-se como meio de obtenção de provas.

 

O e. Ministro Gilmar Mendes, em caso análogo, reconheceu a nulidade de sentença em razão atuação do julgador:

“A leitura das atas de depoimentos (eDoc 1, p. 80-83, 101-102) demonstra de um modo evidente a atuação acusatória do julgador. Ao analisar a sequência de atos verifica-se a proeminência do julgador na realização de perguntas, as quais fogem completamente ao controle da legalidade e voluntariedade de eventual acordo de colaboração premiada.

(…)

A partir da análise dos atos probatórios praticados pelo magistrado, verifica-se que houve uma atuação direta do julgador em reforço à acusação. Não houve uma mera supervisão dos atos de produção de prova, mas o direcionamento e contribuição do juiz para o fortalecimento da tese acusatória.”59.

 

 

O caso dos autos é grave.

 

Se de fato o Colaborador mentiu em sua colaboração, dois seriam os possíveis caminhos: (a) dar início a um procedimento que vise rescindir o acordo em razão de seu descumprimento (Cláusulas 21, letra b e 22 do Acordo de fls. 21), ou (b) aguardar a sentença para, valorando a colaboração, reconhecer a ausência de contribuição, negando-se os benefícios pactuados.

 

O que não era possível – porque contrário ao sistema acusatório e toda a legislação que regulamenta a colaboração premiada –, era o julgador conceder uma última chance ao Colaborador.

O que também não era possível – e não se pode admitir – é a tomada de depoimento de colaboração pelo Magistrado. Não há precedente na história desse país de um depoimento de colaboração tomado por um Magistrado, o que, sabemos, só ocorre por ocasião do interrogatório judicial.

Se os achados da investigação que se concluía naquela mesma data, são suficientes para comprovar as omissões, contradições mentiras do Colaborador, é verdadeiramente intrigante lhe ter sido dada uma última oportunidade.

 

 

59 RHC 144615 AgR/PR, 2ªT, rel. Min. EDSON FACHIN, j. em 25.08.2020.

Até porque, o simples fato de sua prisão ter sido requerida pelo Ministério Público já retirava a necessária voluntariedade. Ora, ou se corrigia ou seria preso.

 

É certo que o efeito de medidas cautelares sobre a voluntariedade do Colaborador recebeu atenção do legislador, que incluiu no inc. IV, § 7º, do art. 4º, da Lei nº 12.850/13 especial cautela à manifestação de vontade, especialmente nos casos em que o Colaborador está ou esteve sob efeito de medidas cautelares.

 

Bem por isso, o min. Dias Toffoli já alertou que “(…) é manifestamente ilegítima, por ausência de justificação constitucional, a adoção de medidas cautelares de natureza pessoal, notadamente a prisão temporária ou preventiva, que tenham por finalidade obter a colaboração ou a confissão do imputado, a pretexto de sua necessidade para a investigação ou a instrução criminal (…)”.

 

Ora, a colaboração deve ser voluntária e espontânea, tendo o Colaborador a obrigação de não mentir, nem omitir qualquer fato.

 

A respeito da importância e o impacto da violação da voluntariedade nos acordos de colaboração, a 1ª Turma dessa Suprema Corte, já advertiu:

 

 

“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIMES DE ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA, CORRUPÇÃO PASSIVA E LAVAGEM DE CAPITAIS (ARTIGOS 288 E 317, §1º, AMBOS DO CÓDIGO PENAL; E ARTIGO 1º DA LEI 9.613/1998). MEDIDAS DE BUSCA E APREENSÃO. ALEGAÇÃO DE NULIDADE. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. ORIGEM EM COLABORAÇÃO PREMIADA CONTRÁRIA À LEI. ALEGAÇÃO DE ILICITUDE DA PROVA, POR DERIVAÇÃO. PEDIDO DE DESENTRANHAMENTO DE TODOS OS ELEMENTOS INDICIÁRIOS PRODUZIDOS NA COLABORAÇÃO PREMIADA E DAS DEMAIS PROVAS DERIVADAS, COM O RETORNO DO FEITO AO STATUS QUO ANTE. INOCORRÊNCIA DAS ILICITUDES ALEGADAS. ACORDO DE COLABORAÇÃO PREMIADA VALIDAMENTE CELEBRADO. INSUBSISTÊNCIA DA TESE ALUSIVA À LIMITAÇÃO DO OBJETO DA DELAÇÃO AOS CRIMES DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA OU

PRATICADOS NO SEU CONTEXTO. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO INSTITUTO DA COLABORAÇÃO PREMIADA NO DIREITO BRASILEIRO. DO DIREITO PREMIAL À JUSTIÇA PENAL NEGOCIAL. LICITUDE ATRELADA À VOLUNTARIEDADE DAS PARTES E À COMPETÊNCIA DOS ÓRGÃOS ATUANTES. NARRATIVA DE CRIMES NÃO RELACIONADOS AOS QUE DERAM ORIGEM ÀS TRATATIVAS DA COLABORAÇÃO. ENCONTRO FORTUITO DE PROVAS. APROVEITAMENTO. PRECEDENTES. VALIDADE DA MEDIDA DE BUSCA E APREENSÃO. INSUFICIÊNCIA DA TESE DEFENSIVA DE PROVA ILÍCITA POR DERIVAÇÃO. MEDIDAS DE INSTRUÇÃO FUNDADAS EM ELEMENTOS COLIGIDOS, TAMBÉM, EM PROCEDIMENTO DE INVESTIGAÇÃO DIVERSO DA PRÓPRIA COLABORAÇÃO. FONTE AUTÔNOMA. RECURSO ORDINÁRIO EM

HABEAS CORPUS DESPROVIDO. […] 4. (a) Os requisitos de validade do Acordo de Colaboração Premiada como meio de obtenção de prova, que garantem a licitude das informações e dos elementos de corroboração nele produzidos contra os Delatados, são, essencialmente, os seguintes: (a.1) voluntariedade do Colaborador: corresponde à ‘liberdade psíquica do agente, e não a sua liberdade de locomoção’, dispensada a espontaneidade (Precedente: STF, HC 127.483, Pleno, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 27.08.2015). Eventual irregularidade praticada pelos órgãos de persecução penal na celebração ou durante a execução do Acordo, que venham a macular a voluntariedade do Colaborador, poderá gerar a ilicitude das provas produzidas a partir do momento em que praticada a irregularidade, contaminando os elementos de corroboração por ele fornecidos na sequência. (…). Existindo, nada obstante, dentre esses episódios, ao menos um em que se verifique a presença de conexão com objeto de feito previamente distribuído, adequada é a observância da regra prevista no art. 79, caput, do Código de Processo Penal, a demandar a distribuição por prevenção, nos exatos termos do art. 69, caput, do Regimento Interno da Corte Suprema”.60

 

 

 

Parece óbvio que a possibilidade de prisão e de rescisão de seu acordo maculam a voluntariedade, sendo a anulação da colaboração medida que se impõe. 60 STF, RHC nº. 219.193/RJ, Rel. Min. LUIZ FUX, 1ª Turma, j. em 08.11.2022, pub. no DJe em 11.11.2022.

XIII.    Do Mérito. As muitas contradições da denúncia

Como já se viu ao longo desta peça, é impossível apresentar ao Tribunal uma “resposta” completa, no sentido processual do termo, como exigiria o artigo 4º da Lei 8.038/90.

Para o direito processual, o termo “resposta” equivale ao ato de contestação ou contraposição a algo ou a alguém. Considerado todo o arcabouço legal brasileiro e o plexo de direitos e garantias nele estabelecidos, a resposta pressupõe o exercício do contraditório, que demanda o conhecimento integral da prova utilizada pela acusação bem como o exercício dialético em condições de igualdade (paridade de armas). Coisa que, infelizmente, ainda não ocorreu neste caso.

 

A investigação que está na origem desta ação penal, como já enfatizado, foi desdobrada, subdivida e compartimentada de forma deliberada; são inúmeras as inovações – ou seriam exceções? – adotadas neste caso e que não encontram precedentes no processo brasileiro.

 

Apesar disso, é possível notar, desde logo, graves inconsistências na narrativa acusatória. A denúncia formulada pela Procuradoria-Geral da República esmerou-se em contar uma boa “estória”, que alimenta boas manchetes e anima o imaginário popular, mas que não sustenta uma ação penal.

 

A construção segue um fio que pretende apresentar o golpe como o resultado inexorável de atos encadeados a partir de uma live do Peticionário datada de 29 de julho de 2021, quando “o então Presidente da República realizou transmissão ao vivo (“live”), nas dependências do Palácio do Planalto, para tratar especificamente do sistema eletrônico de votação”.

 

Desse momento em diante, toda a atividade política do peticionário – que é um político e à época Presidente da República! -, bem como toda a movimentação de assessores, ministros e subalternos, passa a ser integrante de um iter criminis distendido, que ao longo de 18 meses tentou atentar contra as instituições democráticas.

Essa é a síntese da denúncia. O golpe vinha sendo tentado, em atos públicos e em reuniões privadas, ao longo de 18 meses, diante de um Estado que nada fez para interromper o crime em curso.

 

Segundo a denúncia, “A ação coordenada foi a estratégia adotada pelo grupo para perpetrar crimes contra as instituições democráticas, os quais não seriam viáveis por meio de um único ato violento. A complexidade da ruptura institucional demandou um iter criminis mais distendido, em que se incorporavam narrativas contrárias às instituições democráticas, a promoção de instabilidade social e a instigação e cometimento de violência contra os poderes em vigor”.

 

Com todo o respeito, a complexidade da ruptura institucional não demanda um iter criminis distendido. De acordo com o Código Penal, ela demanda emprego de violência ou grave ameaça, aptas a impedir ou restringir o exercício dos poderes constitucionais.

 

Deixando de lado a crítica política que se pode fazer ao peticionário, bem como sua opinião sobre a confiabilidade das urnas eletrônicas, pergunta- se: houve emprego de violência ou grave ameaça ao longo de 18 meses?

 

Os poderes constitucionais – leia-se, Executivo, Legislativo e Judiciário – foram restringidos ou impedidos de funcionar?

 

É evidente que não.

 

Prossegue a denúncia, dizendo (p. 26/27):

 

   

   

 

Respeitosamente, é preciso discordar da acusação e recolocar as coisas em seus devidos lugares.

 

A dita sequência de atos que visavam romper a normalidade do processo sucessório refere-se a lives, entrevistas, reuniões. Não há um único ato violento ou ameaçador

neste período, requisito essencial para qualquer dos dois crimes contra as instituições democráticas.

 

O enredo criado para sustentar o romance, portanto, não é real. O iter criminis excessivamente distendido é permeado de lacunas onde o nexo causal se perde. Essas lacunas são preenchidas por presunções acerca do comando, da ciência ou a da anuência do peticionário em relação a todos os atos praticados pelos denunciados.

 

Mas não há dados concretos que permitam conectar, de forma objetiva, o peticionário à narrativa criada na denúncia, a todos os seus personagens e atos.

 

Como bem anotou o jornalista Elio Gaspari em recente coluna61, “O inquérito do 8 de janeiro documenta fatos que aconteceram. Os documentos da trama golpista revelam que os planos existiram e não foram adiante. As duas coisas podiam ter o mesmo objetivo, ainda assim, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa”.

 

E arremata, o articulista, dizendo: “Colocando-se a trama golpista de 2022 no mesmo processo do 8 de janeiro de 2023, esticaram-se as pernas e o pescoço do bicho, encolhendo- lhe a cabeça. Ficou bonito, até elegante, mas é uma girafa.”

 

Ainda que esmerada no vernáculo, a denúncia não pode ser uma peça de ficção, e tampouco preencher suas falhas narrativas com presunções sem nenhum fundamento.

 

Trata-se de peça técnica, que deveria conter a demonstração objetiva e minimamente detalhada dos fatos que a Acusação propõe sejam definitivamente estabelecidos ao longo do processo, animados pela indicação do nexo de causalidade entre a ação do acusado e o fato a ele imputado.

 

A denúncia é peça essencial, que tanto pode permitir o exercício

da defesa, como destruí-lo.

61 https://www1.folha.uol.com.br/colunas/eliogaspari/2025/02/trama-golpista-e-81-no-mesmo-processo-e-uma- girafa-no-supremo.shtml

Ao encadear eventos que não podem ser encadeados, a denúncia procura destruir a possibilidade de defesa do peticionário.  

Cabe à defesa, neste momento em que é impossível adentrar no mérito do processo em razão do desconhecimento da íntegra da prova, apontar que os lamentáveis eventos de 8 de janeiro não se relacionam aos atos anteriores imputados ao peticionário.

 

Ainda que se deseje criticar os discursos, pronunciamentos, entrevistas e lives de Jair Bolsonaro, ou censurar o conteúdo de reuniões havidas com comandantes militares e assessores, tais eventos não se confundem nem minimamente com atos de execução.

 

Os eventos do dia 8 de janeiro são produto da vontade própria de pessoas que devem responder por seus atos, mas não são (jamais foram) atos direcionados, ordenados ou planejados pelo Peticionário.

 

Por isso, nesta sede a defesa vai inverter a ordem dos fatos narrados na inicial para, em primeiro lugar, comprovar a inconsistências da denúncia, absolutamente inepta em apontar qualquer elo ou ligação entre o peticionário de os atos de 8 de janeiro de 2023. Em seguida, demonstrar-se-á que os demais fatos apresentados pelo Parquet, ainda que reprováveis, ou não caracterizam crime, ou, por hipótese, não passariam de atos preparatórios impuníveis, entre outras inconsistências.

 

 

XIV.      Rejeição da denúncia. Ausência de vínculo do peticionário com os atos de 8 de janeiro de 2023  

A denúncia carece dos elementos técnicos necessários para uma boa narrativa acusatória, e por isso escolheu construir um crescendo de atos e eventos que, segundo a narrativa, são direcionados à sua suposta conclusão, com os atos de 8 de janeiro de 2023.

O problema é que uns eventos não se relacionam com outros, e todos não seguem na direção do dia 8 de janeiro. Este último, por mais lamentável que seja, não contou com a participação ou com o apoio do peticionário.

 

E, como se sabe, por mais que a lei tenha tipos abertos, ela não autoriza a responsabilidade penal objetiva. A eventual responsabilidade de Jair Bolsonaro não pode ser presumida a partir de discursos ou supostas reuniões. É preciso encontrar uma ação ou omissão dele que permita vincular seu agir aos resultados naturalísticos do dia 8 de janeiro.

 

O vácuo probatório faz com que a denúncia busque criminalizar a atividade política do peticionário em geral, suas opiniões, e a forma como ele se relaciona com sua base eleitoral. Coisa bem diversa seria demonstrar que ele determinou a elaboração e a execução de crimes.

 

Vale recordar, como um norte para todo este capítulo, as palavras do professor Claus Roxin, que em entrevista concedida à Folha de São Paulo em novembro de 2012, expressava sua contrariedade à forma como sua famosa Teoria do Domínio do Fato vinha sendo cogitada na Ação Penal 470, o conhecido caso Mensalão62:

 

“É possível usar a teoria para fundamentar a condenação de um acusado supondo sua participação apenas pelo fato de sua posição hierárquica?

Não, em absoluto. A pessoa que ocupa a posição no topo de uma organização tem também que ter comandado esse fato, emitido uma ordem. Isso seria um mau uso.

O dever de conhecer os atos de um subordinado não implica em corresponsabilidade?

A posição hierárquica não fundamenta, sob nenhuma circunstância, o domínio do fato. O mero ter que saber não basta. Essa construção [“dever de saber”] é do direito anglo-saxão e não a considero correta. No caso do Fujimori, por exemplo, foi importante ter provas de que ele controlou os sequestros e homicídios realizados.

 

62 http://www1.folha.uol.com.br/poder/2012/11/1183721-participacao-no-comando-de-esquema-tem-de-ser- provada-diz-jurista.shtml

A opinião pública pede punições severas no mensalão. A pressão da opinião pública pode influenciar o juiz?

Na Alemanha temos o mesmo problema. É interessante saber que aqui também há o clamor por condenações severas, mesmo sem provas suficientes. O problema é que isso não corresponde ao direito. O juiz não tem que ficar ao lado da opinião pública.”

 

Com efeito, é relevante recordar que o Direito Penal consagra a responsabilização subjetiva, ao tempo em que rejeita a responsabilidade objetiva, em qualquer de suas formas.

 

Pois bem. Como se sabe, em 8 de janeiro de 2023, Jair Messias Bolsonaro já havia procedido à transição de governo e se encontrava nos Estados Unidos da América, para onde havia viajado em 30 de dezembro de 2022.

 

De lá, no dia 8, o peticionário inclusive criticou a depredação e a invasão dos prédios públicos em sua conta no X63, conforme amplamente divulgado pela imprensa64. No dia seguinte, estava internado em um hospital, com dores abdominais, em decorrência do atentado que sofreu em 201865.

 

Na tentativa de vincular o peticionário àqueles eventos, a denúncia começa por buscar a relação entre os manifestantes e Jair Bolsonaro.

 

Vejamos:

 

 

 

 

 

 

 

 

63

https://x.com/jairbolsonaro/status/1612242019564548097?ref_src=twsrc%5etfw%7ctwcamp%5etweetembed%7 ctwterm%5e1612242020961062912%7ctwgr%5ebfc147fa344f57308aad59bb9dd31dbe9ec03e67%7ctwcon%5e s2_&ref_url=https%3a%2f%2fagenciabrasil.ebc.com.br%2fgeral%2fnoticia%2f2023-01%2fbolsonaro-diz-que- depredacoes-e-invasoes-fogem-regra-da-democracia

64 https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2023-01/bolsonaro-diz-que-depredacoes-e-invasoes-fogem- regra-da-democracia

65 https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2023-01/ex-presidente-bolsonaro-e-internado-em-hospital- nos-eua

   

Como se vê, o “pleno controle” da “organização criminosa” sobre as manifestações é expresso por uma fala de Mauro Cid, “na condição de porta-voz de JAIR BOLSONARO”, e pela suposta e alegada atuação de Mario Fernandes. Pouco adiante, a denúncia afirma:

   

A conclusão é surpreendente: “A mensagem revela ser do conhecimento dos manifestantes que as coordenadas vinham diretamente de JAIR MESSIAS BOLSONARO”.

 

Vinham mesmo?

 

Ora, os trechos citados contêm apenas mensagens trocadas entre Mauro Cid e Mario Fernandes, ou entre este último e outros interlocutores.

 

O teor das mensagens ora reflete uma solicitação de contato com o peticionário (“Se o presidente pudesse dar um input ali…”, “se o senhor puder intervir junto ao presidente”, “…Vê com o Presidente aí”), ora uma resposta vaga (“pode deixar que eu vou comentar com ele”), ora uma tentativa de convencimento (“alguns caminhoneiros que conhecem o presidente fizeram contato”).

 

Ora, ora. Se consta o pedido para o Presidente dar um “input”, se há um pedido para o Colaborador “intervir junto ao Presidente”, parece mesmo óbvio que é

impossível dizer que “as coordenadas vinham diretamente de JAIR MESSIAS BOLSONARO”.

 

Aliás, tamanho o despropósito tal acusação que, é de se notar, sequer foram confirmadas pelo Colaborador.

 

O que a denúncia deveria indicar, mas não indica, é: o Presidente deu um input ali? O Presidente falou com alguém? Cid comentou com ele? Afinal, quem elegeu Mauro Cid como porta-voz do Peticionário? E como se sabe que as mensagens de Mauro Cid representavam a vontade ou a opinião do peticionário??

 

Não se sabe, mas presume-se. Afinal, segundo a acusação, Jair Bolsonaro era o Presidente, o líder da organização. Ele tinha que saber. Ele tinha controle. Não pelo que o ele fez, mas pelo que se presume que ele tenha feito.

 

A história se repete: um “domínio dos fatos” de forma a agredir uma teoria brilhante do Direito Penal. Um eufemismo para a responsabilização objetiva em razão do cargo.

 

Quando finalmente se alcança o que deveria ser o ápice da narrativa acusatória, posto que os atos de violência – elemento típico dos delitos contra as instituições democráticas que se pretende imputar -, ocorreram apenas no dia 8 de janeiro de 2023, a denúncia tergiversa.

 

Ao longo das 20 páginas dedicadas ao dia 8 de janeiro, a denúncia não cita um único indício, mensagem ou conversa que aponte ter Jair Bolsonaro determinado, ordenado ou solicitado qualquer ação, ou que mostre que ele tivesse mera ciência dos fatos que estavam por ocorrer.

 

Não há, e nem poderia haver.

Como resta evidente da delação de Mauro Cid, em janeiro de 2023 o peticionário já estava nos Estados Unidos e não tinha mais contato algum com seus antigos assessores, ministros ou comandantes.

 

Ao tratar das mensagens trocadas com Aparecido Portela no dia 31 de dezembro de 2022, Mauro Cid registrou, em depoimento ao Min. Alexandre de Moraes, que:

   

 

 

Em seguida o Min. Alexandre de Mores questiona o delator:

   

 

 

 

 

É preciso que a acusação se resolva: o delator falou a verdade ou mentiu? As palavras do Colaborador só valem quando acusam Jair Bolsonaro?

 

A denúncia curiosamente ignora quando o delator diz que ninguém sabia dos atos do dia 8 de janeiro, que as pessoas envolvidas naqueles atos não eram as mesmas que estavam nos acampamentos, que os caminhoneiros haviam ido embora e que não havia militares.

 

O registro, porém, permaneceu. E demonstra que os atos de 8 de janeiro, ao contrário do que pretende a denúncia, não foram orquestrados pelo peticionário e tampouco contaram com sua participação, comando ou anuência.

 

Muito ao contrário! O comportamento público e privado do peticionário evidencia, com ainda mais força, seu total descolamento dos atos de 8 de janeiro.

 

Em recente entrevista ao programa RODA VIVA66, o atual Ministro da Defesa, JOSÉ MÚCIO MONTEIRO FILHO, foi taxativo ao afirmar que, no início de dezembro de 2022, já havia sido escolhido pelo Presidente Lula para o cargo no Ministério da Defesa.

 

Era o início da entrevista. Logo aos 4’50’’, o Ministro conta que estava enfrentando dificuldades para ser recebido pelos comandantes militares naquele

 

 

66 Disponível em https://www.youtube.com/live/-ru8n2_v0si

momento, ainda no começo de dezembro de 2022, e diz que foi pedir a ajuda do peticionário para uma transição tranquila.

 

E o que faz o peticionário?  

Segundo o Ministro da Defesa, o peticionário imediatamente telefonou aos 3 comandantes das Forças Armadas, e contribuiu para uma transição tranquila. O Ministro registra que foi recebido pelos comandantes, e que inclusive abriu-se espaço para que o Comando do Exército, principal força militar brasileira, fosse transmitido antes da posse do Presidente Lula.

 

Não é possível ignorar que a transmissão do poderio militar é ato drasticamente contrário a um golpe violento contra o Estado de Direito.

 

Mas não é só. Em 30 de dezembro de 2022, o peticionário transmite uma live, pouco antes de viajar para os Estados Unidos, dirigindo-se ao público em geral e aos seus apoiadores em especial, para “prestar contas e depois entrar na questão política atual do nosso Brasil”.

 

Os seguintes trechos daquela transmissão são relevantes para

o tema em questão67:

 

“E sei que tem muita gente que me critica quando eu falo quatro linhas, mas eu não saí ao longo de quatro mandatos meus das quatro linhas porque ou vivemos a democracia ou não vivemos. Ninguém quer uma aventura. Agora muitas vezes dentro até das quatro linhas você tem que ter apoio.

Alguns acham que é o pega BIC e assine, faça isso, faça aquilo, está tudo resolvido, e repito, em nenhum momento fui procurado para fazer nada de errado, violentando seja o que for. Eu entendo que eu fiz a minha parte, estou fazendo até hoje a minha parte. Hoje são 30 de dezembro, até hoje eu fiz a minha parte dentro das quatro linhas.

(…)

 

67 Transcrição completa da live está disponível em https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas- noticias/2022/12/30/leia-a-integra-da-live-de-bolsonaro-desta-quinta.htm

Qualquer manifestação, uma vez que, como diz a lei, onde vai fazer a manifestação e tem as normas, participa as autoridades competentes, é bem-vindo. Nós não queremos o confronto, nem estimular ninguém a partir para

O CONFRONTO. E a pior maneira é você tentar resolver o assunto, creio, é no tiro. Creio no patriotismo de vocês, na guarra, na inteligência de vocês.

Sei o que vocês passaram ao longo desses dois meses de protestos, sol, chuva. (…)

(…)

O quadro que está à frente agora a partir de Janeiro não é bom. Não é por isso que a gente vai jogar a toalha, deixar de fazer oposição, deixar de criticar, deixar de conversar com seus vizinhos agora com muito mais propriedade, com muito mais conhecimento. E o que nós queremos?

(…)

Não vamos achar que o mundo vai acabar em 1º de janeiro. VAMOS PRO TUDO OU NADA? NÃO! NÃO TEM TUDO OU NADA. INTELIGÊNCIA, MOSTRAR QUE SOMOS DIFERENTES DO OUTRO LADO, QUE NÓS RESPEITAMOS AS NORMAS, AS LEIS, A CONSTITUIÇÃO.

(…)

(…) o Brasil não vai se acabar no dia 1º de janeiro. Temos aí 30 dias pela frente, que o Parlamento está de recesso. O Parlamento, que volta dia 1º de fevereiro, é um Parlamento mais conservador, mais de direita, menos dependente do poder Executivo, não vou discutir se foi bom ou não.

(…)

Você não pode querer resolver os problemas do Brasil apenas com o Poder Executivo, só o Poder Judiciário ou só o Poder Legislativo. Precisamos de três Poderes, e mais ainda. Quando você vê que alguém está fazendo coisa de forma repetida que você não gosta, NÃO VÁ PARA O ATAQUE, NÃO VÁ PARA AMEAÇAS, tenta, sei é que é difícil, chamar a pessoa para o seu lado.

(…)

Aqui cheguei, teve um propósito, se você está chateado, está constrangido, se coloque no meu lugar. Quando pergunto, onde errei, o que podia ter feito de melhor, eu tenho a convicção de que dei o melhor de mim, com sacrifício de quem estava ao meu lado, em especial minha esposa, minha filha, enteada.

E vocês também sofreram, sofrem agora, algum deve estar me criticando, “deveria ter feito isso, feito aquilo”. Você pode ter tido razão, mas eu não posso fazer algo que não seja bem feito sem que os efeitos colaterais não sejam danosos demais.

(…)

Então, vamos lá. Acredito em vocês, acredito no Brasil, acima de tudo acredito em Deus, temos um grande futuro pela frente. Perde-se batalhas, mas não vamos perder a guerra.

Muito obrigado a todos vocês por terem proporcionado esses quatro anos à frente da Presidência da República. Foi compreendido por muitos, por outros não, querendo uma perfeição.

Vocês sabem agora a importância da união, sabem dar valor à liberdade, o respeito

ao próximo, amar a família, buscar sempre a paz, a harmonia, não da boca para fora apenas. A importância para que nós possamos, nessa rápida passagem nossa aqui na Terra, vivermos em tranquilidade.

Muito obrigado a todos vocês. Um abraço a todos, com muita luta, mas um bom 2023 a todos.

Deus abençoe o nosso Brasil. Vamos em frente.”

 

 

 

Claramente, o peticionário aceitou sua derrota eleitoral e, sabedor da divisão política que tomava – e ainda toma – conta do país, conclamou seus apoiadores a aceitar a transição para o novo governo de forma pacífica e seguir fazendo oposição.

 

Sem tudo ou nada, sem violência, respeitando-se as leis e as instituições.

 

Dessa forma, verifica-se que em nenhuma parte da acusação há a descrição clara de que o peticionário sabia antecipadamente dos atos do 8 de janeiro, ou com eles tenha anuído ou prestado “auxílio moral e material”, como registrado logo no início da acusação.

 

E sem essa relação não pode haver acusação. Não basta dizer que ela era o Presidente da República e que havia um projeto para sua perpetuação no poder.

Retomando o raciocínio do professor Claus Roxin68, não é possível a condenação de um acusado supondo sua participação apenas pelo fato de sua posição hierárquica.

 

A pessoa que ocupa a posição no topo de uma organização, qualquer que seja, precisa ter comandado o fato delituoso, precisa ter emitido uma ordem, já que a posição hierárquica não fundamenta, sob nenhuma circunstância, o domínio do fato e, por consequência, a responsabilidade penal.

 

É precisamente esse o raciocínio que deve ser aplicado ao caso dos autos. A inicial deveria ter demonstrado, em relação ao peticionário os necessários indícios de autoria que estariam a vinculá-lo aos eventos de 8 de janeiro.

 

A falha da denúncia é fortemente repelida pela jurisprudência, valendo destacar julgado do eminente Ministro Celso de Mello, no julgamento do Inquérito 2.033/DF, pelo Pleno da C. Suprema Corte:

 

“Esse controle prévio de admissibilidade – que reclama o exame da adequação típica do comportamento atribuído ao acusado – também exige a constatação, ainda que em sede de cognição incompleta, da existência, ou não, de elementos de convicção mínimos que possam autorizar a abertura do procedimento judicial de persecução penal.

Isso significa, portanto, que, ainda que a conduta descrita na peça acusatória possa

ajustar-se, em tese, ao preceito primário de incriminação, mesmo assim esse elemento não basta, só por si, para tornar viável e admissível a imputação penal consubstanciada em queixa crime ou denúncia, conforme o caso.”

 

 

Por essas razões, o peticionário aguarda seja rejeitada a denúncia, por evidente falta de justa causa.

 

 

XV. A contradição entre acusação (denúncia) e acusação (delação).

68 http://www1.folha.uol.com.br/poder/2012/11/1183721-participacao-no-comando-de-esquema-tem-de-ser- provada-diz-jurista.shtml

A denúncia falha também porque traz narrativas contraditórias e excludentes, a começar porque, na tentativa de narrar um “golpe de estado”, a denúncia tenta reunir quatro diferentes elementos que não se comunicam entre si e que certamente não se comunicam com o Peticionário.

 

A verdade é que os diferentes “planos” se excluem e excluem também a minuta de decreto – no que então o Parquet produz uma denúncia na qual as páginas seguintes desmentem as anteriores, fazendo ruir todo o texto.

 

E apesar das muitas páginas dedicadas ao tema, a denúncia tem uma grave ausência: não há qualquer ligação destes tais “planos” com o Peticionário. Pelo contrário, a prova acusatória determina que sondagens feitas por diversas pessoas ao Presidente foram rechaçadas.

 

Nenhuma linha da denúncia narra que o Peticionário sequer soube da tal planilha que teria sido apreendida “em poder de Hélio Ferreira Lima”(p. 128 da denúncia). Aqui, não há fato ao qual a defesa possa se opor; inexiste imputação.

 

Quando o tema é o chamado “Punha Verde Amarelo”, a versão escolhida pela denúncia é contrária àquela fornecida no depoimento que Mauro Cid prestou ao d. Ministro Relator.

 

Afinal, enquanto a denúncia tenha explorar e criar uma história tendo como base as mensagens trocadas entre Mauro Cid e Mario Fernandes (este apontado como autor do documento nominado “Punhal Verde Amarelo”), o primeiro já havia explicado e esclarecido os textos e, também, a negativa já dada pelo então Presidente às supostas cogitações do general.

 

O delator foi questionado especificamente sobre a mensagem trocada com Mário Fernandes, no qual este teria narrado ter estado com o então Presidente, quando então Mauro Cid narrou que:

 

“O senhor Ministro Alexandre de Moraes (Relator) – (…)

Então eu começo por essa mensagem, o senhor confirma que o general Mário Fernandes esteve com o presidente?

COLABORADOR – Confirmo sim, Senhor”. Ele esteve com o presidente, e confirmo também que ele esteve sempre com aquele estímulo de incentivas e de pressionar o presidente a tomar alguma atitude.

O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (RELATOR) – Quando ele

mandou essa mensagem para o senhor, o senhor chegou a comentar com o presidente como tinha sido a conversa? O presidente comentou com o senhor?

COLABORADOR – Sobre os detalhes da conversa, não. Eu não me lembro qual foi o comentário do presidente depois da conversa. Mas pela minha resposta… Que eu falo para ele: ‘Mas, com certeza, não vai acontecer nada!’ Porque o presidente deve ter sinalizado que não tinha o que fazer. Porque tinha vezes que o pessoal ia lá falar com o presidente, e o presidente ficava tocado, digamos assim. E tinha vezes que ia gente lá, que o Presidente falava assim: ‘Pô’ – o jeito do presidente -, ‘você quer me fuder!’ Eram as palavras que o presidente usava, mandava o cara ir embora: ‘Você está querendo me fuder!’ Então, pela minha resposta – “Mas, com certeza, não vai acontecer nada’ -, eu creio que o presidente deve ter dado, nesse momento aqui, um chega-pra-lá nele, ou disse… Porque, normalmente, o presidente, só quando ele estava muito irritado, mas ele ouvia a pessoa e não falava com a pessoa na hora. Ele ouvida, ele concordava e, depois, ele tomava as decisões dele.” (fls. 650/650v da Pet 11.767)

 

 

Em idêntica toada, ao ser questionado sobre o vídeo enviado por Mário Fernandes, Mauro Cid respondeu ao d. Ministro Relator que nunca mostrou o arquivo ao então Presidente, porque:

 

“COLABORADOR – Não, senhor, até porque eu não ia mostrar um vídeo desse, até porque eu já sabia o que o general Freire Gomes pensava. E eu não ia interromper uma reunião… Eu era um tenente-coronel, não sou nem doido de interromper uma reunião para falar que o general Mário queria que eu mostrasse um vídeo. Aí, eu acho que eu que ia ser enforcado. Mas eu não mostrei e nem me lembro qual era o vídeo.”

 

 

A narrativa de Mauro Cid é muito mais linear e lógica do que aquela criada pela denúncia: o Presidente já havia rejeitado as propostas, fossem quais fossem.

Faz sentido. Apesar do que constava no tal plano “Punhal Verde Amarelo”, o Peticionário nunca planejou a prisão de ninguém, nem mesmo do Ministro Alexandre de Moraes.

 

É o que também sempre narrou o delator e, neste ponto, reconhece a acusação: acusado de receber uma suposta minuta de decreto-lei que previa a prisão de diversas autoridades, o então Presidente teria rejeitado. A segunda minuta de decreto-lei, porque ainda previa prisões, também teria sido alterada.

 

Restou – sempre de acordo com a denúncia – apenas uma minuta de decreto prevendo o Estado de Defesa no Tribunal Superior Eleitoral.

 

Minuta que, ninguém nega, nunca foi assinada.

 

Mas se no dia 14 de dezembro o então Ministro da Defesa tinha uma minuta de decreto que não previa qualquer prisão, então qual a relação do Peticionário com as ações dos “kids pretos” em busca da prisão do Ministro Alexandre de Moraes?

 

Narrativas tão opostas não podem existir na mesma denúncia.

 

E, por isso, a denúncia também não consegue narrar qualquer participação do Peticionário nas ações chamadas “Copa 22”. Não é só que não existem mensagens ou encontros; a própria lógica afasta essa ligação do Peticionário com qualquer ação violenta ou efetiva.

 

Insista-se: no dia 14 de dezembro a minuta do decreto que a denúncia imputa ao Peticionário já havia eliminado qualquer previsão de prisão. No dia 15 de dezembro, qualquer ação daqueles militares, que nem sequer se comunicaram com o Peticionário, se dava de forma não só independente, mas contrária aos atos que a acusação imputa ao ex-Presidente.

XVI.      Rejeição da denúncia. Narrativas contraditórias.  

 

Isto posto, não se olvida que este Supremo Tribunal Federal conhece perfeitamente os critérios que se exige para que a acusação penal seja apta. O acusado se defende dos fatos a ele imputados, os fatos devem estar bem descritos e devem conformar-se ao tipo legal apontado, sem o que faltará justa causa para ação penal.

 

No caso dos autos, a Procuradoria-Geral da República adotou como estratégia apresentar um verdadeiro cardápio de opções narrativas ao Tribunal, para que a Corte então escolha aquela que considere mais adequada para a condenação dos acusados.

 

Trata-se de uma semeadura de narrativas, feita na esperança de que alguma encontre respaldo na Corte e possa florescer.

 

O plantio de narrativas alternativas, contudo, gera problemas graves para a acusação. É que o “planos” não se conversam, não se concatenam, e são contraditórios entre si.

 

Em dado momento, a denúncia trata de quatro “planejamentos estratégicos” (pg. 128): “Punhal Verde Amarelo”, “Operação Luneta”, “Operação 142” e “Discurso Pós-Golpe”. Além desses, há a elaboração de decretos, que teriam contado com a participação do peticionário.

 

Pois bem.

 

A planilha com nome de “Desenho Op Luneta” foi encontrada em poder de Helio Ferreira Lima (denúncia, pg. 128). De acordo com a acusação, a planilha previa um “Golpe de Estado” cujo objetivo seria “reestabelecer a lei e a ordem por meio da retomada da legalidade e da segurança jurídica e da estabilidade institucional”. Adiante, a acusação registra (fls. 130/131) que a planilha “propunha a realização de novas eleições, bem como a investigação e emissão de relatório sobre o processo eleitoral anterior”. Pretendia, ainda, a prisão dos envolvidos nas supostas irregularidades verificadas nas eleições de 2022, dentre eles “pessoas

consideradas geradoras de instabilidade, indicadas pelo documento como integrantes do Supremo Tribunal Federal. As novas eleições propostas seriam coordenadas e fiscalizadas por integrantes da organização”.

 

Como se verifica do relatório final da investigação elaborado pela Polícia Federal (Relatório nº 4546344/2024), a planilha tinha como objetivo “eleições limpas” e “legalidade”, além do reestabelecimento do “regime jurídico e credibilidade do processo eleitoral”. O documento propunha “realizar a segurança e participar da coordenação e fiscalização de novo pleito eleitoral”, e o estabelecimento de um “gabinete de crise”. O documento cogita, ainda, a prisão de membros do Supremo Tribunal Federal e a “neutralização da capacidade de atuação do Ministro Alexandre de Morais”.

 

Não há, neste documento, cogitação de sequestrar e matar diversas autoridades. Além disso, não há qualquer indicação, em local algum dos autos, que a planilha fosse de conhecimento do ora peticionário.

 

As ações ali cogitadas são coisa bem diferente do conteúdo do chamado “Punhal Verde Amarelo”, documento que teria sido localizado com o General Mario Fernandes, que, de acordo com a denúncia era um “plano para neutralizar autoridades públicas centrais do sistema democrático” e “tramava contra a liberdade e mesmo a vida do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes e dos candidatos eleitos Luiz Inácio Lula da Silva e Geraldo Alckmin Filho” (fls. 120/121).

 

Ora, quem planeja novas eleições, escrutínio do pleito anterior, e prisão de “geradores de instabilidade” não cogita de matar um Ministro do STF, o Presidente e o Vice recém eleitos.

 

Os planos são claramente contraditórios.  

Já a “Operação 142”, localizado mesa ocupada pelo Coronel Flávio Botelho Peregrino (p. 134 da denúncia), previa a declaração de “Estado de Sítio”, seguida de “Operação de Garantia da Lei e da Ordem”.

Mas ao mesmo tempo, a denúncia trata de outra minuta de Decreto, que teria sido apresentada por Filipe Garcia Martins Pereira ao defendente, eventualmente com a contribuição de outras pessoas.

 

Sempre de acordo com a acusação, entre 18 de novembro de 2022 e 14 de dezembro de 2022 o peticionário teria “feito ajustes” e “enxugado” essa minuta de Decreto que, ao final, já não estabelecia nem Estado de Sítio nem Operação de Garantia da Lei e da Ordem, e sequer contemplava prisões, de quem quer que seja.

 

Com todos os sinais trocados entre planos e decretos, ora prevendo prisões e novas eleições, ora tramando contra a vida do Presidente, de seu Vice e de Ministro do Supremo, ora falando de uma GLO, ora decretando Estado de Sítio, ora Estado de Defesa, era impossível que todos esses planos estivessem em execução, simultaneamente.

 

A “Copa 22” teria sido gestada, segundo a acusação, em reunião na casa do General Braga Netto. Curiosamente, o apontado como responsável pelo “Punhal Verde Amarelo”, General Mario Fernandes, não esteve presente.

 

É curioso poque a denúncia pretende retratar as ações do “Copa 2022” como a efetiva execução do “Punhal Verde Amarelo”. O colaborador Mauro Cid, porém, ao depor sobre a reunião, não menciona o “Punhal Verde Amarelo”, dizendo, de acordo com a própria denúncia, que “essa reunião ocorreu no dia 12 de novembro de 2022, na casa do General Braga Netto, (…) se discutiu novamente a necessidade de ações que mobilizassem as massas populares e gerassem caos social, permitindo, assim, que o Presidente assinasse o estado de defesa, estado de sítio ou algo semelhante”. Também não fala, portanto, em “Copa 2022”.

 

Portanto, não se sabe ao certo se as ações de 15 de dezembro de 2022 eram efetivamente parte da “Copa 2022”, parte do “Punhal Verde Amarelo”, ou simplesmente uma movimentação daqueles sujeitos para qualquer outra finalidade.

 

Mas sabe-se que no dia 14 de dezembro o então Ministro da Justiça teria uma minuta de decreto que não previa qualquer prisão. Àquela altura,

segundo a acusação do colaborador, a minuta havia sido profundamente alterada e suavizada pelo Peticionário.

 

Pergunta-se: qual a relação do Peticionário com as ações dos

“kids pretos” em busca da prisão do Ministro Alexandre de Moraes?

 

Narrativas tão opostas não podem existir na mesma denúncia.

 

O que o Peticionário pretendia? O plano seria decretar um Estado de Defesa sem prisões, prender Ministros do STF ou atentar contra a vida do Ministro Alexandre, de Lula e de Alckmin?

 

Não é possível que estivesse planejando todas essas coisas simultaneamente. Como não é possível que os atos de 15 de dezembro significassem a execução do “Punhal Verde Amarelo”. Simplesmente não faria o menor sentido.

 

No dia 15 de dezembro, enquanto os “kids pretos” se deslocavam por Brasília, seguindo, no dizer da acusação, o Ministro Alexandre de Moraes, o Presidente Lula estava em São Paulo.

 

Como seria a neutralização de Presidente eleito? Ele seria envenenado? Quando? Onde?  

E o Vice? Onde estava? Quem o seguia?

 

Essas ações, executadas por pessoas que sequer se comunicaram com o Peticionário, eram independentes de qualquer outro planejamento. E mais, eram absolutamente contrárias ao Decreto cujo planejamento a acusação efetivamente imputa a Jair Bolsonaro.

 

Seja pela clara contradição entre as narrativas, seja porque não há qualquer fiapo de vinculação concreta entre o peticionário e os “planos” “Luneta”,

“Punhal Verde Amarelo” e “Copa 2022”, resta clara a inépcia da exordial, que lança variadas narrativas ao vento na expectativa de que a corte acolha uma delas.

 

Ora, como bem apontado pelo I. Ministro DIAS TOFFOLI, “A peça acusatória deve conter a exposição do fato delituoso, em toda a sua essência e com todas as suas circunstâncias. Essa narração, ainda que sucinta, impõe-se ao acusador como exigência derivada do postulado constitucional que assegura ao réu o exercício, em plenitude, do direito de defesa. Denúncia que não descreve adequadamente o fato criminoso é denúncia inepta”69

 

E no presente feito, pesa dizer, a peça acusatória não contém sequer uma exposição lógica do fato delituoso, tampouco sua essência e todas as circunstâncias.

 

As acusações feitas são seríssimas e, considerando o processo penal como um constrangimento por si só, é ônus do Ministério Público indicar os indícios suficientes aptos a promover a ação penal, o que não foi feito no presente feito. A denúncia, absolutamente inepta, não pode prevalecer.

 

A Corte precisa cuidar desta inépcia de imediato, sob risco de submeter o Peticionário a verdadeiro overcharging, pelo qual se apresentam múltiplas narrativas e sugere-se um quadro sombrio que pretende levar a uma condenação ideológica.

 

O tema não é novo. Vale lembrar breve trecho da manifestação do Ministro Gilmar Mendes, no julgamento do HC n. 164.493/DF, a relatoria do Ministro Edson Fachin, em que figurava como paciente o Presidente Lula e que discutiu a suspeição do ex-Juiz Federal Sérgio Moro:

 

“Há alguns anos compartilho e aprofundo críticas sobre os excessos e os riscos impostos ao Estado de Direito por um modelo de atuação judicial oficiosa que invoca para si um projeto de moralização política. A história recente do Poder Judiciário brasileiro ficará marcada pelo experimento de um projeto populista de poder político, cuja tônica assentava-se na instrumentalização do processo penal, na deturpação dos valores da Justiça e na elevação mítica de um Juiz subserviente a um ideal feroz de violência às garantias

69 STF, HC 132179/SP, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, DJe 09.03.2018.

constitucionais do contraditório, da ampla defesa, da presunção de inocência e, principalmente, da dignidade da pessoa humana.

(…)

Peço mais uma vez vênias para transcrever as palavras do Ministro Celso de Mello acerca da conduta do magistrado em questão: “o interesse pessoal que o magistrado revela em determinado procedimento persecutório, adotando medidas que fogem à ortodoxia dos meios que o ordenamento positivo coloca à disposição do poder público, transformando-se a atividade do magistrado numa atividade de verdadeira investigação penal. É o magistrado investigador.”

(…)

A polaridade que se percebe na sociedade brasileira atual precisa ser ponderada com seriedade. Em meu voto, não há qualquer polaridade ou predisposição a um ou outro partido, a um ou outro réu.

(…)

Contudo, aqui vamos muito além de qualquer limite. Não podemos aceitar que o combate à corrupção se dê sem limites. Não podemos aceitar que ocorra a desvirtuação do próprio Estado de Direito. Não podemos aceitar que uma pena seja imposta pelo Estado de um modo ilegítimo. Não podemos aceitar que o Estado viole as suas próprias regras.”

 

 

Cumpra-se a regra, pois. Porque, o que resta da denúncia, retiradas suas mais gritantes contradições, seria a minuta de decreto que, levada por outros, não foi assinada pelo Peticionário.

 

Fosse possível confiar nas palavras do delator, a suposta minuta do decreto, jamais assinado, também não é ato capaz de ultrapassar o limite da preparação, jamais invadindo a esfera da execução dos chamados crimes contra as instituições democráticas.

 

Mas não se pode sequer cogitar, como pretende a acusação, que mudanças em uma minuta, sempre com base no duvidoso delator, com o objetivo de eliminar qualquer resquício de ilegalidade ou violência, seria capaz de caracterizar os crimes em questão.

E, quanto ao mérito, mais não se pode dizer porque não, conforme já demonstrado, não se teve acesso às mídias, integra das conversas e outros elementos probatórios que certamente demonstrariam o afastamento do Defendente das teses expostas na denúncia.

 

Bem porque, o Peticionário nunca praticou e nem determinou que fosse praticada qualquer violência. E jamais tentou impedir ou restringir o exercício dos demais Poderes.

 

Pois, no fim do dia e da História, o Peticionário é aquele que não assinou nenhum decreto e não ordenou qualquer ação violenta para restringir ou impedir o exercício de um poder, bem como não tentou depor o governo constituído depois dele.

 

Afinal, apesar das muitas insistências mencionadas no depoimento de Mauro Cid, o Defendente foi aquele que, ainda no início de dezembro, ordenava a transição de governo ao mesmo tempo que recusava qualquer violência ou qualquer ação ilegal.

 

 

XVII.    PEDIDO

 

À guisa de conclusão, a defesa reitera, nestas razões, o pedido feito no incidente específico pelo reconhecimento da competência do Plenário para conhecer, processar e julgar o presente feito.

 

Respeitosamente requer, outrossim, pelos fundamentos expostos, sejam acolhidas as preliminares acima apontadas, com as consequências legais, notadamente a declaração de nulidade dos atos questionados e o reconhecimento da ilicitude das provas decorrentes.

 

No mérito, requer-se a rejeição da denúncia ofertada em desfavor do Peticionário, pelas razões de fato e de direito acima expostas, como medida de Justiça!

Na remota hipótese desse Col. Supremo Tribunal Federal entender pelo recebimento da denúncia, o que se admite por dever de ofício, o Peticionário provará sua inocência por meio da oitiva das testemunhas de defesa abaixo arroladas, em caráter de imprescindibilidade, na forma da lei, requerendo-se, desde já, sejam pessoalmente intimadas.

 

No mais informa que pretende exercer a garantia fundamental à ampla defesa de forma a provar sua inocência mediante a produção de todas as provas em direito admitidas, inclusive por meio da juntada de documentos, cuja necessidade venha a surgir no curso da instrução processual.

 

Termos em que, Pede deferimento.

De São Paulo para Brasília, em 06 de março de 2025.

 

Celso Sanchez Vilardi      OAB/SP 120.797

 

 

Daniel Bettamio Tesser                       Paulo A. da Cunha Bueno OAB/SP 208.351                                                          OAB/SP 141.616

 

Renata Horovitz Kalim                       Luciano Quintanilha de Almeida OAB/SP 163.661                                                          OAB/SP 186.825

 

Domitila Köhler                                     Adriana Pazini de Barros Lima

OAB/SP 207.669                                        OAB/SP 221.911

 

Alexandre de O. Ribeiro Filho         Eduardo Ferreira da Silva OAB/SP 234.073                                                          OAB/SP 353.029

Rol de testemunhas

 

 

 

1.                   Amaury Feres Saad – Rua Pedroso Alvarenga, 505, cj 152, Itaim Bibi, São Paulo/SP;

 

2.                  Coronel Wagner Oliveira da Silva –  

3.                   Renato de Lima França – SQNW 109, bloco J, apto 602, Noroeste, Brasília/DF;

 

 

 

4.                   General Eduardo Pazuello – Câmara dos Deputados, Gabinete 919 – anexo IV – Brasília/DF;

 

5.                   Senador Rogério Marinho – SQS 309, Bloco D, apto 602, Brasília/DF;

 

6.                   General Hamilton Mourão – Senado Federal, Anexo 2 (Ala Alexandre Costa), Pavimento térreo, Gabinete 03 – Brasília/DF;

 

7.                     Senador Ciro Nogueira – Senado Federal, Anexo 1, 3.° Pavimento – Brasília/DF;

 

8.                   Governador Tarcísio Gomes de Freitas – Palácio dos Bandeirantes, Avenida Morumbi, 4500, 2.° andar, CEP 05650-905 – São Paulo/SP;

 

9.                   Senador Gilson Machado – Avenida Vicente Fonseca de Matos, 25, apto 1001 – Candeias Jaboatão dos Guararapes/PE – CEP 54440-370;

 

10.               General Marco Antônio Freire Gomes – Quadra SQNW, n. 307, Bloco G, apto 406, bairro Setor Noroeste, CEP 70686-836, Brasília/DF;

 

11.               Brigadeiro Carlos de Almeida Batista Júnior – “Solar de Brasília” QD, n. 03, cj 6, casa 3, bairro Jardim Botânico, CEP 71680-349, Brasília/DF;

12.               General Júlio César de Arruda – Edifício Campo Belo, Torre 1, Apto. 601, Resende/RJ;

 

13.                 Jonathas Assunção Salvador Nery de Castro – SQNW 102 BI G Ap 406 – CEP 70683-085 – Brasília/DF.

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