Por que a China está gastando bilhões para fazer as pessoas abrirem suas carteiras?


Pequim espera que melhores salários e descontos possam encorajar os gastos e evitar maiores problemas econômicos no país. Governo chinês espera que medidas de promoção do bem-estar e grandes descontos incentivem as pessoas a gastar
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O governo chinês prometeu novos subsídios para creches, aumento de salários e das férias remuneradas numa tentativa de estimular a economia do país asiático, que está em desaceleração.
Além disso, o governo criou um programa de descontos de US$ 41 bilhões (cerca de R$ 232,1 bilhões) para todo tipo de produtos, desde lavadoras de pratos e itens de decoração até veículos elétricos e smartwatches.
Pequim está dando início a uma onda de gastos para incentivar os chineses a abrirem suas carteiras. O problema é que eles não estão gastando o suficiente.
Esta semana trouxe algumas notícias positivas. Dados oficiais divulgados na segunda-feira (17/3) indicam que as vendas no varejo cresceram 4% nos dois primeiros meses de 2025. Este é um bom sinal para o consumo.
Mas, com algumas exceções à parte, como Xangai, os preços dos imóveis novos e usados continuam a cair, em comparação com o ano passado.
Os Estados Unidos e outras grandes potências vêm enfrentando a inflação pós-covid. Mas a China sofre exatamente o oposto, a deflação — a taxa de inflação caiu abaixo de zero, ou seja, os preços estão diminuindo.
Na China, os preços caíram por 18 meses seguidos nos últimos dois anos.
A queda dos preços pode parecer boa notícia para os consumidores. Mas a contínua redução do consumo é um sinal de problemas econômicos mais profundos.
Quando as pessoas param de gastar, as empresas reduzem os preços para atrair os compradores. E, quanto mais isso acontece, menos dinheiro as firmas ganham, as contratações diminuem, os salários ficam estagnados e o crescimento econômico é interrompido.
É este ciclo que a China quer estancar. O país já enfrenta o lento crescimento econômico causado por uma crise prolongada no mercado imobiliário, alto endividamento do governo e desemprego.
O motivo da queda do consumo é simples e direto. Os consumidores chineses não têm dinheiro, ou não sentem confiança suficiente no futuro para gastar.
Esta relutância veio em um momento crítico. Com o objetivo de fazer crescer a economia em 5% este ano, incentivar o consumo é uma das principais prioridades do presidente chinês Xi Jinping.
Ele espera que o aumento do consumo doméstico possa absorver o baque causado pelas tarifas americanas sobre as exportações chinesas.
Mas será que o plano de Pequim irá funcionar?
Levando os gastos a sério
Para lidar com suas dificuldades econômicas e a fraca demanda doméstica, a China anunciou na semana passada, durante o Congresso Nacional do Povo, aumento de investimentos em programas de bem-estar social, como parte do seu plano econômico global para 2025.
Em seguida, veio o anúncio de promessas maiores, como planos de apoio ao emprego, mas com poucos detalhes.
Alguns afirmam que esta mudança é bem vinda, mas ressaltam que os líderes chineses precisam fazer mais para intensificar esse apoio.
Ainda assim, este é um sinal de que Pequim está consciente das mudanças necessárias para fortalecer o mercado de consumo da China – salários mais altos, uma rede de segurança social mais forte e políticas que façam com que as pessoas sintam segurança para gastar, em vez de poupar.
Shopping quase vazio na China mostra como os consumidores não estão gastando o suficiente para reviver a economia do país
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Um quarto da força de trabalho chinesa é composta de trabalhadores migrantes, com baixos salários. Eles não têm pleno acesso aos benefícios sociais urbanos.
Com isso, ficam particularmente vulneráveis durante períodos de incerteza econômica, como foi o caso durante a pandemia de covid-19.
O crescimento salarial dos anos 2010 mascarou alguns destes problemas, já que a renda média cresceu cerca de 10% ao ano. Mas, quando os salários começaram a aumentar menos, nos anos 2020, a poupança das famílias voltou a ser a tábua de salvação.
O governo chinês demorou para ampliar os benefícios sociais. Ele se concentrou em incentivar o consumo com medidas de curto prazo, como programas comerciais para aparelhos domésticos e eletrônicos.
Mas estas medidas não abordaram um problema fundamental: “a renda das residências diminuiu e a poupança aumentou”, segundo o pesquisador Gerard DiPippo, do instituto Rand, com sede nos Estados Unidos.
A crise do mercado imobiliário, que quase chegou ao colapso, também aumentou a aversão dos consumidores chineses ao risco e os levou a reduzir gastos.
“O mercado imobiliário é importante não só para a atividade econômica real, mas também para o sentimento das famílias”, explica DiPippo. “Afinal, as famílias chinesas investiram grande parte da sua receita nas suas casas.”
“Não acho que o consumo da China irá se recuperar totalmente enquanto não ficar claro que o setor imobiliário superou seu pior momento e, com isso, muitos ativos primários das famílias começarem a se recuperar.”
Alguns analistas estão animados com a seriedade de Pequim ao enfrentar desafios de longo prazo, como a queda da taxa de natalidade. Muitos casais jovens vêm decidindo não arcar com os custos de ter filhos.
Um estudo de 2024 do centro de pesquisa chinês YuWa estimou que criar um filho até a idade adulta custa na China 6,8 vezes o PIB per capita do país. Este é um dos índices mais altos do mundo, acima dos EUA (4,1), Japão (4,3) e Alemanha (3,6).
Toda esta pressão financeira serviu apenas para reforçar uma cultura profundamente enraizada na China: a de economizar.
Mesmo com as dificuldades econômicas, as famílias chinesas conseguiram poupar 32% da sua receita disponível em 2024 — o que não é tão surpreendente no país, onde o consumo nunca esteve particularmente em alta.
Em termos de comparação, o consumo doméstico é responsável por mais de 80% do crescimento nos EUA e no Reino Unido.
Este índice é de cerca de 70% na Índia, enquanto, na China, o percentual variou tipicamente entre 50% e 55% na última década.
Mas isso, na verdade, não era um problema — até agora.
Compras em queda e poupança em alta
Houve uma época em que os consumidores chineses brincavam sobre a atração irresistível do comércio eletrônico.
Eles se autodenominavam “cortadores de mãos” — somente cortando suas mãos, seria possível impedi-los de clicar no botão “comprar”.
Quando o aumento da renda alimentou o poder de compra, o dia 11 de novembro na China passou a ser considerado o maior dia de compras do mundo.
Em 2019, a explosão das vendas atingiu mais de 410 bilhões de yuans (cerca de R$ 322,6 bilhões), em apenas 24 horas.
Mas o último 11 de novembro “foi um fracasso”, segundo declarou à BBC um vendedor online de café em grãos de Pequim. “Quando muito, causou mais problemas do que lucro.”
Os consumidores chineses passaram a ser mais frugais desde a pandemia. E esta cautela persistiu, mesmo após o levantamento das restrições, no final de 2022.
Naquele ano, as empresas Alibaba e JD.com pararam de publicar seus dados de vendas. Esta foi uma mudança significativa para empresas que, antes, divulgavam recordes de receita.
Uma fonte com conhecimento do assunto declarou à BBC que as autoridades chinesas alertaram as plataformas para não publicarem números.
O receio era que seus resultados decepcionantes pudessem minar ainda mais a confiança dos consumidores.
A crise de gastos atingiu até mesmo as marcas de luxo. No ano passado, as marcas LVMH, Burberry e Richemont informaram queda de vendas na China. Antes, o país era a espinha dorsal do mercado global de produtos de luxo.
Na rede social chinesa RedNote, postagens marcadas com “redução do consumo” acumularam mais de um bilhão de visualizações nos últimos meses.
Os usuários estão trocando dicas sobre como substituir compras caras por alternativas mais econômicas.
“Agora, aplico perfume entre meu nariz e os lábios – estou guardando só para mim”, brinca um consumidor.
As vendas no dia 11 de novembro, ‘o maior dia de compras do mundo’, perderam o atrativo quando os consumidores chineses pararam de gastar dinheiro
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Mesmo no auge, o boom do consumo na China nunca foi páreo para as exportações do país.
O comércio internacional também foi objeto de generosos investimentos estatais, como estradas, portos e zonas econômicas especiais. A China dependia dos baixos salários dos trabalhadores e altos níveis de poupança das famílias, que alimentaram o crescimento, mas limitaram a renda disponível para o consumo.
Agora, com o crescimento das incertezas geopolíticas, os países estão diversificando suas cadeias de abastecimento e se afastando da China. Com isso, a confiança nas exportações chinesas diminuiu.
Os governos locais também estão sobrecarregados de dívidas, depois de anos tomando grandes empréstimos para investir, particularmente em infraestrutura.
Xi Jinping já prometeu “transformar a demanda doméstica na principal força direcionadora e âncora estabilizadora do crescimento”.
A parlamentar chinesa Wang Caiyun, do Congresso Nacional do Povo, destacou que “com uma população de 1,4 bilhão, um aumento de apenas 1% da demanda cria um mercado de 14 milhões de pessoas”.
Mas existe uma ressalva no plano de Pequim.
Para que o consumo dirija o crescimento, muitos analistas afirmam que o Partido Comunista Chinês precisaria restaurar a confiança dos consumidores — uma geração de formados durante a pandemia de covid que enfrentam dificuldades para comprar uma casa ou encontrar emprego. E também seria preciso gerar uma mudança cultural, de uma cultura de poupança para outra de gasto.
“O nível de consumo extraordinariamente baixo da China não existe por acaso”, diz o pesquisador Michael Pettis, do Fundo Carnegie para a Paz Internacional.
“Ele é fundamental para o modelo de crescimento econômico do país, que permitiu a evolução de três a quatro décadas de instituições políticas, financeiras, jurídicas e comerciais na China. Mudar isso não será fácil.”
Quanto mais crescem os gastos das famílias, menos dinheiro sobra nas poupanças que os bancos estatais chineses usam para financiar indústrias importantes.
Atualmente, estes setores incluem a inteligência artificial e a tecnologia inovadora que ofereceria a Pequim uma vantagem econômica e estratégica sobre Washington.
É por isso que alguns analistas duvidam que os líderes chineses estejam dispostos a criar uma economia puxada pelo consumo.
“Uma forma de analisar isso é observar que o objetivo principal do país não é promover o bem-estar das famílias chinesas, mas sim o bem-estar da nação chinesa”, escreveu o pesquisador David Lubin, da organização sem fins lucrativos Chatham House, com sede em Londres.
A mudança de poder do Estado para o indivíduo pode não fazer parte dos planos de Pequim.
Os líderes chineses fizeram isso no passado, quando começaram a fazer comércio com o mundo, incentivando as empresas e atraindo investimentos externos. Agindo assim, eles transformaram a economia do país.
A grande questão é se o presidente Xi Jinping deseja fazer isso outra vez.
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