Antonio Geraldo: Precisamos denunciar! Violência sexual contra crianças e adolescentes: não basta saber, é preciso agir

Antonio Geraldo: Precisamos denunciar! Violência sexual contra crianças e adolescentes: não basta saber, é preciso agirDr. Antônio Geraldo da Silva

Todos os dias, em silêncio, milhares de crianças e adolescentes são violados em sua dignidade mais elementar: o direito à integridade física, emocional e psíquica. No Brasil, esse cenário é alarmante. Segundo dados do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), apenas nos primeiros meses de 2023, foram registradas 9,5 mil denúncias e 17,5 mil violações relacionadas a violência sexual, incluindo abuso, estupro, exploração e agressões de ordem psicológica. A realidade, no entanto, é ainda mais cruel, pois a subnotificação é regra e não exceção.

A violência sexual na infância e adolescência é devastadora. Suas marcas não se restringem ao tempo do acontecimento, elas reverberam por anos, às vezes por toda a vida. Romper o silêncio é um gesto de responsabilidade coletiva. Falar, esclarecer, educar e agir são passos indispensáveis para transformar essa realidade e proteger nossas crianças.

Um dos maiores obstáculos ao enfrentamento dessa violência é o reconhecimento dos sinais. A criança, frequentemente, não dispõe de repertório emocional ou cognitivo para nomear o que está acontecendo. E o adolescente, muitas vezes, é silenciado pelo medo, pela vergonha ou pela culpa indevidamente introjetada. Mudanças comportamentais abruptas, retraimento, resistência ao contato físico com determinados adultos, regressões no desenvolvimento, distúrbios do sono e do apetite, queda no rendimento escolar, irritabilidade ou hiperssexualização podem ser indicativos de um sofrimento profundo que precisa ser escutado com atenção e responsabilidade.

A literatura científica é consistente ao demonstrar a correlação entre abuso sexual na infância e o surgimento de diversos transtornos mentais ao longo da vida. Entre os mais frequentes estão a depressão, os transtornos de ansiedade, o estresse pós-traumático e os transtornos alimentares. Em casos mais graves e prolongados, observa-se risco aumentado de comportamento suicida. Há, ainda, a relação desse tipo de vivência traumática à formação de transtornos de personalidade, cujas raízes, muitas vezes, remontam a infâncias marcadas por negligência, violência e violação.

Também não se pode negligenciar os impactos físicos do abuso. Além do risco de doenças sexualmente transmissíveis e da possibilidade de gravidez precoce, é comum que a experiência interfira negativamente na construção da identidade sexual e no desenvolvimento de vínculos afetivos saudáveis, gerando, na vida adulta, comportamentos disfuncionais nos relacionamentos.

O 18 de maio, Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, deve ser mais do que uma data simbólica. É um chamado ético. Um apelo à mobilização social. Precisamos, como sociedade, transcender o gesto pontual da conscientização e demandar políticas públicas eficazes, estruturadas e sustentáveis de prevenção, acolhimento e responsabilização. Nossas crianças não podem esperar.

Diante de qualquer indício, por mais sutil que pareça, a denúncia jamais será um exagero. Quando se trata da integridade de nossas crianças e adolescentes, a dúvida não deve ser um argumento para o silêncio, mas uma razão para o cuidado. As denúncias podem ser feitas, inclusive de forma anônima, pelo Disque 100.

Proteger é um verbo que para conjugá-lo na forma de ação exige coragem. A coragem de não fingir que não viu, de não silenciar diante da dúvida, de não correr o risco de ser conivente com o irreparável. A infância, uma vez violada, não volta atrás. A omissão tem o poder de transformar uma vida que poderia ser luz em uma trajetória marcada pela escuridão. Diante de qualquer indício, por menor que pareça, denuncie. Disque 100. Se precisar, peça ajuda!

Antonio Geraldo: Precisamos denunciar! Violência sexual contra crianças e adolescentes: não basta saber, é preciso agir

*Antônio Geraldo da Silva é médico formado pela Faculdade de Medicina na Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES. É psiquiatra pelo convênio HSVP/SES – HUB/UnB. É doutor pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto – Portugal e possui Pós-Doutorado em Medicina Molecular pela Faculdade de Medicina da UFMG.

Entre 2018 e 2020, foi Presidente da Associação Psiquiátrica da América Latina – APAL. Atualmente é Presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Diretor Clínico do IPAGE – Instituto de Psiquiatria Antônio Geraldo e Presidente do IGV – Instituto Gestão e Vida. Associate Editor for Public Affairs do Brazilian Journal of Psychiatry – BJP. Editor sênior da revista Debates em Psiquiatria. Review Editor da Frontiers. Acadêmico da Academia de Medicina de Brasília. Acadêmico Correspondente da Academia de Medicina de Minas Gerais.

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