Seca do Rio Acre provoca perda de 40% da produção rural da capital e afeta moradores de reserva extrativista


Coordenador alerta para impacto na economia rural e alto risco de desabastecimento de água na capital acreana. Geógrafo explica que a essência dessa seca é o desmatamento na região. Seca do Rio Acre provoca perda de 40% da produção na zona rural de Rio Branco, diz Defesa Civil
Ana Paula Xavier/Rede Amazônica
A seca do Rio Acre está causando sérias consequências, como a perda de produção agrícola e alto risco de desabastecimento em Rio Branco. O coordenador municipal da Defesa Civil, tenente-coronel Cláudio Falcão, informou que já houve a perda 40% da produção na zona rural da capital acreana por conta da estiagem.
“Estamos com 40% de perda de produção em culturas como mandioca, banana, café, na piscicultura [criação de peixes] e na bacia leiteira – isso representa 40% de perda na economia do produtor na zona rural”, estimou o coordenador.
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Na zona urbana, a situação também é crítica. Segundo Falcão, as queimadas afetam na qualidade do ar e, consequentemente, gera o aumento de doenças respiratórias. Ao mesmo tempo em que a disponibilidade de água se torna uma preocupação crescente.
“Temos nos desdobrado para manter o abastecimento nos bairros onde a água não tem pressão suficiente, mas os caminhões-pipas já estão sendo insuficientes para a demanda, lembrando que, com a seca, o consumo de água aumenta”, afirmou.
Por conta da forte estiagem deste ano, a prefeitura de Rio Branco decretou situação de emergência em áreas da capital acreana atingidas pelo desabastecimento de água. O decreto foi assinado pelo prefeito Tião Bocalom nessa quarta-feira (27), e cita “baixos índices pluviométricos indicando estiagem mais crítica e prolongada, diminuição do nível dos rios e baixa umidade do ar”.
Em um vídeo postado nas redes sociais e compartilhado pela SOS Amazônia, o morador da Reserva Extrativista Chico Mendes, no interior do Acre, seringueiro Raimundo Mendes de Barros fez um alerta sobre as mudanças climáticas e disse que a situação da falta de água na região está “caótica”.
“As águas estão sumindo, resultado da destruição das nossas florestas. É só olhar a situação do nosso açude, das nossas vertentes. Como vamos viver daqui mais uns tempos aqui na nossa reserva, se continuar com a destruição que estão fazendo? E não vai ser só nós não, mas também a população de Rio Branco. Portanto, estou me dirigindo a toda população do Acre, que assista o meu recado, sobre a situação que estamos vivendo aqui dentro da nossa reserva. E repito, resultado único e exclusivo da destruição das nossas florestas. Estou aqui com 43 anos, nunca tinha vivido uma situação dessa. Hoje, tenho que estar atrás de água na casa dos vizinhos, para poder ter água para beber, para cozinhar”, disse.
Morador da Reserva Extrativista Chico Mendes fala sobre falta de água na região
Especialista atribui seca ao desmatamento
A seca no Rio Acre e demais rios da Amazônia que tem castigado os moradores na região, está relacionada, segundo o geógrafo Claudemir Mesquita, referência no estudo dos rios no estado, ao desmatamento desenfreado da floresta.
“O El Niño é parte do processo. A essência dessa seca é o desmatamento. Ele causa dois fenômenos muito cruéis para contribuir nesse processo de seca: a umidade do solo e seca do clima. Esses dois processos eles são devastadores quando se tem um clima que já é instável, aí você adiciona o El Niño. Tudo isso prolonga a estabilidade do clima e isso vai levar a tudo que está se discutindo sobre essa seca prolongada”, explicou o geógrafo.
O pesquisador também fala que a situação na zona rural de Rio Branco está atípica, com a seca de igarapés. E isso, segundo ele, está totalmente ligado ao desmatamento.
“Os rios estão assoreando e gerando essa instabilidade de seca para as cidades. Sabemos que na zona rural não tem água mais nos igarapés, a cidade está mandando caminhões-pipa para a zona rural. Isso nunca se viu na história do Acre sair água da cidade para a zona rural, porque lá que tem os igarapés e é de lá que tem o equilíbrio ambiental, mas não está ocorrendo mais isso, já modificaram tudo”, alertou.
Rio Acre marcou 1.40 metro neste sábado (30) em Rio Branco
Ana Paula Xavier/Rede Amazônica Acre
Mudança climática
Mesquita afirmou ainda que a Amazônia tem contribuído para a mudança no clima das demais regiões do Brasil. Segundo ele, isso ainda não está sendo discutido, mas a retirada de floresta para a formação de grandes lagos para usinas hidrelétricas, sobretudo em Rondônia, está “mandando” mais umidade para as demais regiões do país.
“Onde existia floresta, hoje tem água, por exemplo, o lago da usina hidrelétrica lá em Porto Velho. A floresta demanda menos umidade do que a água, e esse lago mudou ou está mudando o contexto da circulação de ar na região Amazônica. Pouco se comenta e essas mudanças causam um efeito devastador na estabilidade do clima. Para se ter uma ideia, 7 km de superfície de água, vai para a natureza uma caixa d’água por segundo de evaporação, bem menos do que a floresta emite para a atmosfera. Então, isso gera modificações no deslocamento dessas massas de ar. Isso vai mudar a condição de clima nas outras regiões, porque está indo mais umidade da Amazônia do que anteriormente, quando era floresta”, explicou.
O especialista destacou ainda que todos os anos a região tem o período de seca e o de cheia. Mas, que o homem tem contribuído para que os impactos desses fenômenos sejam cada vez mais devastadores.
Geógrafo Claudemir Mesquita diz que seca severa é resultado do desmatamento
Tácita Muniz/g1
Desmatamento no Acre
O Acre foi destaque negativo no levantamento mensal sobre o desmatamento na Amazônia Legal divulgado pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), com dados obtidos via Sistema de Alerta do Desmatamento (SAD). Segundo o boletim, o estado, mesmo tendo uma das menores áreas territoriais entre os nove estados da região, concentrou 19% de toda a devastação no mês de agosto.
Em agosto deste ano, Pará, Amazonas e Acre concentraram 77% de toda a derrubada detectada na Amazônia Legal.
“O que vemos no Acre são expressivas áreas sendo abertas nos municípios de Feijó, Tarauacá e Cruzeiro do Sul, que fazem divisa com o estado do Amazonas. Além disso, a destruição se faz presente inclusive em áreas que por lei são protegidas, como a unidade de conservação federal Resex Chico Mendes, que vem sofrendo com grande pressão dos desmatadores ilegais”, comentou Bianca Santos, pesquisadora do Imazon.
Conforme os dados, a derrubada no Acre em agosto deste ano foi de 108 quilômetros quadrados. Isso representa uma queda de 38% em relação ao mesmo mês no ano passado, quando foram registrados 173 km² de derrubada da floresta no estado.
Entre os 10 municípios da Amazônia Legal considerados em situação crítica pelo Imazon em agosto, três são do Acre. Entre eles: Feijó, com 29 km² de desmatamento, Tarauacá, com 18 km², e Cruzeiro do Sul, com 10 km². Já entre as Unidades de Conservação Federais, a mais afetada é a Resex Chico Mendes, com 8 km² de desmatamento. A Resex Alto Juruá é a terceira mais crítica, com 3 km².
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