Bairro fica isolado por cheias no Acre, e prefeitura espera água baixar para checar se área ‘virou’ território boliviano


Bairro Leonardo Barbosa, em Brasiléia, tem mais de 1,1 mil moradores, e a rua de acesso ao local pode ter rompido com enchente. A prefeitura diz que só poderá confirmar os danos após as águas baixarem. As enchentes no Acre já deixaram quatro mortos. Mapa mostra local do possível rompimento do acesso ao Bairro Leonardo Barbosa
Inpa/MCTI
O trecho do Rio Acre que passa em Brasiléia chegou a um nível recorde e inundou 80% da cidade, a cerca de 230 km da capital Rio Branco. E as cheias no município podem ter rompido o acesso ao bairro Leonardo Barbosa.
As altas e baixas do Rio Acre agravam há anos o processo de erosão da única e estreita porção de terra que liga o bairro ao resto da cidade de Brasiléia. Essa passagem pode ter sido levada de vez pelas águas na atual cheia do rio, deixando a região conectada à vizinha Bolívia e apartada do território brasileiro. Os moradores temem que, dessa forma, a Bolívia reivindique a região para si.
Ao g1, a prefeitura de Brasiléia explicou que não há, no momento, como confirmar se houve o rompimento, pois o nível do rio no município continua alto. A prefeita da cidade, Fernanda Hassem, disse que é necessário esperar as águas baixarem para checar a real situação na região.
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O Acre enfrenta uma cheia histórica em 2024. Em todo o estado, pelo menos 20.182 pessoas estão fora de casa, dentre desabrigados e desalojados, segundo a última atualização nesta quinta-feira (29). Além disso, 17 das 22 cidades acreanas estão em situação de emergência por conta do transbordo de rios e igarapés. Ao menos 23 comunidades indígenas no interior do Acre também sofrem com os efeitos das enchentes e quatro pessoas morreram em decorrência do transbordo de rios e igarapés.
O total dessa área, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTI), é de 44 hectares, o equivalente a 66 campos de futebol. O bairro fica na periferia da cidade e tem cerca de 1,1 mil moradores, segundo a Assistência Social do município. A comunidade indígena 25 de Março, também fica localizada na mesma região.
Bairro Leonardo Barbosa, em Brasiléia, no interior do Acre
Victor Lebre/g1
Segundo a medição feita pela Defesa Civil municipal às 9h30 de quinta, o Rio Acre está em 15 metros no município. Ou seja, mais de três metros acima da cota de transbordo na cidade, que é de 11,40 metros.
A prefeitura da cidade enviou ao g1 uma foto do mapa da região que mostra as áreas afetadas e estima o local do possível rompimento. Se a estimativa for concretizada, a Bolívia poderá reclamar a posse da área. (veja acima)
O g1 fez um alerta sobre uma possível “separação” do bairro em 2013 após a cheia que atingiu o município no ano anterior. Naquela época, o geólogo do Instituto de Pesquisa da Amazônia (Ipam), Pavel Jezek, explicou que havia um risco de o território onde fica o bairro ser separado do restante do munícipio de Brasiléia, caso ocorresse uma grande enchente.
Bairro Leonardo Barbosa pode ser separado do Brasil
Reprodução Prefeitura de Brasiléia
“A causa do processo de erosão no bairro Leonardo Barbosa é o rio, cuja vazão, quantidade de água por unidade de tempo, varia entre seca e cheia. Em situação de cheia aumenta a velocidade e a intensidade de erosão”, disse à época.
GALERIA: Brasiléia registra a maior cheia da história do município
Em 2015, quando Brasiléia havia alcançado a então maior enchente de sua história, o risco gerou ainda mais preocupação aos moradores. Apesar de o país vizinho nunca ter demonstrado interesse nas terras, os moradores temem passar a viver do lado boliviano.
Em 2021, seis anos após a então maior cheia, o Instituto Nacional de Proteção da Amazônia (Inpa) disse que a situação estava estabilizada, mas que não era possível ver alguma obra efetiva para contornar o problema, caso ocorresse uma cheia como aconteceu em 2015.
No ponto de possível rompimento, a largura, que havia passado de cerca de 80 metros em julho de 2005, diminuiu para apenas 59 metros em setembro de 2013, voltando a se expandir para cerca de 64 metros em agosto de 2017. A última medição foi de julho de 2021.
“Esse comportamento dos rios no Acre é comum em razão da composição do solo por onde os mesmos correm. O terreno é arenoso-argiloso, sem leito rochoso. Assim, o leito dos nossos rios vão mudando na medida em que a força de suas águas ‘cavam’ novos caminhos”, explicou Evandro José Linhares Ferreira, engenheiro agrônomo, com mestrado e doutorado em Plant Science pela City University of New York.
Enchente histórica
O trecho do Rio Acre que corta o município de Brasiléia, no interior do Acre, chegou à marca de 15,56 metros na quarta, se tornando a maior já registrada no município. Em medição das 9h30 desta quinta, o rio marcou 15 metros, apresentando sinais de vazante, de acordo com a Defesa Civil do município.
O volume continua acima do maior nível registrado em 2012 no município, que era de 14,77 metros. Neste ano, a enchente já provocou o isolamento da cidade por via terrestre, já que a Ponte Metálica José Augusto, que liga a cidade a Epitaciolândia, município vizinho, teve que ser interditada no último domingo (25).
Nesta quinta, o rio ainda está com mais de 3 metros acima da cota de transbordo, que é de 11,40 metros. No boletim divulgado pela governo do Acre, não há atualizações sobre o número de desabrigados e desalojados na cidade. 13 bairros foram atingidos pela enchente e 15 abrigos foram disponibilizados à população. Além disto, 14.980 pessoas foram atingidas pelas águas no município.
Rio Acre chega à maior cota já registrada em Brasiléia (AC)
Os moradores de Brasiléia e de Epitaciolândia, cidade vizinha, fazem filas para aguardar as embarcações que têm feito o transporte de moradores para várias atividades. O comércio, inclusive, não parou de funcionar, nem mesmo com a cheia.
Moradores fazem fila para aguardar embarcação que faz transporte até Brasiléia
Eldérico Silva/Rede Amazônica Acre
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Um gabinete de crise foi instalado na cidade e as pessoas atingidas começaram a ser cadastradas para receberem assistência. E a esperança de Maria Lucilene é exatamente essa: que os moradores afetados pela enchente recebam a devida atenção, e que possam voltar para casa.
“A gente já vai ficar naquele medo. Eu espero não sei nem o que. Pelo menos uma melhoria para a gente, se as pessoas olharem mais para a gente, para aquele bairro, que é um bairro de risco. Eu espero voltar para minha casa”, pede.
“A gente já vai ficar naquele medo. Eu espero não sei nem o que”, diz moradora que teve casa atingida por enchente em Brasiléia
Eldérico Silva/Rede Amazônica Acre
O coordenador do gabinete e subcomandante do Corpo de Bombeiros do Acre, coronel Eden Santos, ressalta que a resposta à emergência já está sendo posta em prática, mesmo diante da extensão da cheia, que dificulta os trabalhos.
“Todo o poder de resposta está atuando para poder dar o menor impacto para a nossa população. No intervalo de tempo muito curto de operações, nós temos já cerca de 75% da cidade de Brasileia em inundação. E faz com que o nosso trabalho operativo se complique mais ainda. Quando a gente tem um colapso na passagem da ponte, estamos fazendo diversas intervenções de segurança para não ter problema de colapso também no sistema de abastecimento e também energético aqui na região de Brasiléia. Todo o poder de resposta, Corpo de Bombeiros, Polícia Militar, Polícia Civil. Todos os organismos de resposta aqui têm atuado de forma íntegra. Todo mundo coeso, buscando sempre o melhor para o atendimento dessas famílias”, destaca.
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g1
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