Empoderadas no sexo, matriarcas e solidárias a outras fêmeas: estudo sobre golfinhos em Fernando de Noronha revela protagonismo feminino


Pesquisa do Projeto Golfinho Rotador mostra que golfinhos-rotadores vivem em sociedade matriarcal: as fêmeas comandam a reprodução, os laços familiares e a transmissão de cultura. Fêmeas interagem nos grupos de golfinhos em Fernando de Noronha
Projeto Golfinho Rotador/Divulgação
Um dos principais animais que simbolizam a biodiversidade de Fernando de Noronha, os golfinhos-rotadores se organizam em famílias lideradas pelas fêmeas, que têm o “poder de mando” estruturado por meio de uma sociedade matriarcal. Essa é a conclusão de uma pesquisa feita por cientistas do Projeto Golfinho Rotador que analisaram dados sobre a rotina dos animais durante os últimos 30 anos.
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De acordo com o coordenação do projeto, a estrutura familiar dos animais é baseada nos laços entre mães e filhos, com as fêmeas desempenhando papéis centrais na reprodução, criação e cultura da espécie.
“É uma sociedade construída e mantida pelas ”golfinhas’ [golfinhos fêmeas]. Elas são o elo genético, cultural e afetivo entre os indivíduos. A liderança das fêmeas é clara na forma como criam os filhotes, decidem os parceiros sexuais e permanecem fiéis ao território, garantindo estabilidade à população local”, explicou o oceanógrafo José Martins, coordenador do projeto.
Segundo os pesquisadores, a estrutura social dos rotadores é extremamente fluida e consequência direta da estratégia reprodutiva “promíscua”.
“Inexiste a figura paterna: os vínculos familiares derivam exclusivamente da relação entre mães, filhos e irmãos. Os machos adultos flutuam entre diferentes unidades familiares, sem estabelecer laços duradouros”, disse o oceanógrafo.
A pesquisa mostra que o papel da fêmea é determinante, especialmente no que diz respeito ao cuidado parental. Os golfinhos fêmeas demonstram um vínculo profundo com os filhotes, expressam afeto por meio de toques suaves com as nadadeiras, sons tranquilizadores e estratégias de proteção, como manter-se entre o filhote e possíveis ameaças.
“Elas têm uma dedicação rara no reino animal. Chegamos a registrar vocalizações específicas, como se dissesse ‘vem cá, meu filho’ , quando o filhote se aproximava demais de um mergulhador”, declarou José Martins.
Fêmea amamenta o filhote de golfinho em Fernando de Noronha
Os pesquisadores informaram que a amamentação é um momento íntimo que quase não é registrado pelo estudo, exceto quando há uma longa relação de confiança entre o animal e o observador (veja vídeo acima).
A defesa dessa privacidade reforça a importância de se pensar em áreas exclusivas para os golfinhos, livres de interferência humana, segundo José Martins.
Além disso, a solidariedade entre fêmeas também é comum. A pesquisa registrou golfinhos fêmeas auxiliando no momento do parto ou cuidando de filhotes de outras fêmeas. Os estudiosos apontam que esse comportamento aumenta as chances de sobrevivência da prole, especialmente considerando que cada fêmea pode gerar poucos filhotes ao longo da vida.
Empoderadas no sexo
Os estudiosos avaliam que golfinhos fêmeas têm domínio e controle do próprio organismo. Apesar das estratégias dos machos para “induzirem” a cópula, são elas que determinam o ritmo do ato. As fêmeas podem nadar mais rápido para despistar um macho, contorcer o corpo para impedir a penetração ou até mesmo bloquear a entrada vaginal com um tampão muscular.
“Já registramos situações em que, entre seis machos e uma fêmea, apenas um realizava a maioria das cópulas. Ele tinha um comportamento de estímulo diferenciado, esfregando o rosto na fenda genital da fêmea antes e depois da penetração, o que aparentemente agradava mais do que os machos que só estimulavam a genitália da fêmea antes da cópula. A fêmea parava para ele copular. Isso indica que o comportamento do macho influencia, sim, na escolha da fêmea”, descreveu José Martins.
Outras vezes, as cópulas ocorrem de forma cooperativa e ordenada entre vários machos e uma fêmea, sem disputa. Essas observações ampliam a compreensão sobre a vida sexual rica e ativa dos golfinhos, que não está limitada à reprodução.
Estudos recentes de pesquisadores do Mount Holyoke College (EUA) revelaram que golfinhos fêmeas possuem um clitóris altamente sensível, com grande concentração de terminações nervosas. Para os pesquisadores, isso comprova que, assim como as mulheres, golfinhos fêmeas também têm sexo por prazer, algo que já se suspeitava a partir do comportamento observado em Fernando de Noronha.
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Genética
As análises genéticas feitas com 162 golfinhos ao longo de duas décadas reforçam o protagonismo das fêmeas. Como o DNA mitocondrial é transmitido apenas pelas mães, são golfinhos fêmeas que passam maior parte da herança genética para seus filhotes.
Os rotadores da ilha apresentam baixa diversidade genética, já que, ao longo da formação dessa comunidade de golfinhos-rotadores, poucas fêmeas chegaram a Fernando de Noronha. Esta é uma forte razão para se ter atenção especial à conservação desses golfinhos.
“Nossas pesquisas também indicam que as ‘golfinhas’ [golfinhos fêmeas] são fiéis ao território e permanecem a maior parte de sua vida nas águas ao redor de Noronha, o que garante a estabilidade dessa comunidade de rotadores. As fêmeas moldam a composição genética do grupo, são os animais que permanecem, que conhecem o território, que ensinam os filhotes. Elas são, de fato, o eixo que sustenta a sociedade dos rotadores”, afirmou o coordenador do projeto.
Essa transmissão vai além da genética. As fêmeas também são responsáveis pela transmissão cultural: elas ensinam aos filhotes os comportamentos essenciais para a vida, como estratégias de alimentação, rotas de deslocamento e códigos sociais. O conhecimento é passado de geração em geração, dentro das células familiares lideradas por uma matriarca.
A conclusão dos pesquisadores do Projeto Golfinho Rotador é que, em Fernando de Noronha, os golfinhos-rotadores vivem sob o comando de golfinhos fêmeas: elas cuidam, ensinam, escolhem, compartilham e lideram.
“É uma sociedade construída genética e culturalmente pelas fêmeas. São elas que mantêm vivos os laços, o território e a continuidade da espécie. Um exemplo de liderança feminina que vem do mar e merece ser celebrado em todas as épocas, especialmente no mês das mulheres”, concluiu José Martins.
Desde 1990, o Projeto Golfinho Rotador realiza pesquisa, educação ambiental e conservação marinha em Fernando de Noronha. O trabalho conta com apoio do Programa Petrobras Socioambiental.
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